Na última terça-feira (25), aconteceu a 4° edição do WNTC – We Need to Talko About Cannabis, em São Paulo. O congresso reuniu nomes importantes do segmento para falar sobre assuntos regulatórios, políticas públicas, mercado, inovação e pesquisa científica.
Com o avanço da consolidação do setor no país, o evento, que é organizado pela Abiquifi – Associação Brasileira das Indústrias de Insumos Farmacêuticos, visa promover discussões para enfrentar os desafios atuais, com ênfase no estímulo à pesquisa.
WNTC 2024: horizonte de políticas públicas para a Cannabis Medicinal
Sob a mediação de Jaime Oliveira, especialista em Direito Sanitário, o painel reuniu nomes do setor como Bruna Rocha da BRCann, Igor Bueno da Finep e Leandro Pedron, do Ministério Ciência Tecnologia e Inovação, para discutir os desafios e oportunidades da Cannabis medicinal no país.
Os participantes destacaram a importância dos projetos de pesquisa em curso, focando em estudos pré-clínicos para avaliar a eficácia e segurança da Cannabis medicinal, além da relevância dos dados clínicos no tratamento de condições como o alcoolismo.
Questões regulatórias foram um ponto crucial, incluindo a necessidade de superar obstáculos ideológicos e o debate sobre a divisão de poderes na regulamentação.
O papel estratégico do Ministério da Saúde na integração das políticas de saúde com a regulamentação da cannabis foi enfatizado, juntamente com a importância de investimentos para garantir um mercado seguro e de qualidade.
O painel concluiu com um consenso sobre a necessidade de colaboração entre governo, empresas e sociedade civil para fortalecer o setor de Cannabis medicinal no Brasil, promovendo inovação e benefícios à saúde pública.
Cenário Regulatório: atualizações da revisão da RDC 327
O painel se concentrou na discussão e revisão da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 327 de 2019, que regula produtos de Cannabis para uso medicinal no Brasil e explorou os aspectos técnicos e regulatórios essenciais para a atualização dessa norma, abrangendo análise de impacto regulatório, participação social e ajustes necessários para garantir a segurança e qualidade dos produtos.
João Paulo Perfeito, gerente da Anvisa, detalhou em um vídeo a revisão da RDC 327, destacando a importância da Análise de Impacto Regulatório (AIR), que considerou avanços científicos e passou por múltiplas etapas de revisão normativa. “A RDC 327 foi publicada em 2019 com a previsão de revisão em até três anos”, explicou ele, enfatizando que a AIR identificou problemas regulatórios e propôs alternativas após consultas públicas com diversos setores, incluindo pacientes e especialistas. O objetivo da proposta é atualizar e detalhar melhor a norma, ajustando critérios como limites de THC e requisitos técnicos.
Exigências da etapa não-clínica para medicamentos
Guilherme Fadanni, doutor em farmacologia e responsável pelo Centro de Inovação em Estudos Pré-Clínicos (CIEnP), enfatizou a importância dos estudos não-clínicos no desenvolvimento de medicamentos. Ele destacou que esses estudos são fundamentais para assegurar a eficácia dos produtos destinados ao uso humano, apesar de muitas vezes serem negligenciados.
“Fornecer informações farmacológicas e toxicológicas que sustentam a segurança do uso de substâncias em humanos é o objetivo primordial dos estudos não clínicos”, afirmou Fadanni durante o painel. Ele explicou que esses estudos estabelecem a base necessária para a pesquisa clínica, determinando as doses seguras, os regimes de administração e os critérios de elegibilidade para pacientes.
Além disso, Fadanni ressaltou a importância da conformidade regulatória dos estudos não clínicos. “É absolutamente essencial que esses estudos sigam os guias regulamentares e as boas práticas de laboratório (BPL)”, enfatizou. Isso garante que os resultados sejam confiáveis e auditáveis, fundamentais para a aprovação e segurança dos medicamentos.
De acordo com Fadanni, os principais tipos de estudos não clínicos abordados incluem farmacocinética e ADME (absorção, distribuição, metabolismo e excreção), toxicologia geral, genotoxicidade, efeitos sobre a reprodução e carcinogenicidade. Cada um desses estudos desempenha um papel crucial na avaliação dos potenciais riscos e benefícios dos medicamentos antes de serem testados em humanos.
Este enfoque estratégico nos estudos não-clínicos não apenas facilita o desenvolvimento de medicamentos seguros e eficazes, mas também contribui para uma gestão eficiente de riscos e recursos durante o processo de pesquisa e desenvolvimento.
Por que a qualidade é importante?
José Alexandre Crippa, professor titular de Psiquiatria e Neurociências da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e da USP, falou sobre a relevância crítica da qualidade dos Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA) de Cannabidiol (CBD).
Além de sublinhar a importância crucial de uma regulamentação robusta e de padrões de qualidade elevados para garantir que os produtos de CBD sejam seguros e eficazes para os pacientes. Para ele, a contínua pesquisa e inovação são fundamentais para enfrentar os desafios presentes e futuros no uso terapêutico do CBD, contribuindo para avanços significativos na saúde pública e na qualidade de vida dos pacientes.
A interação da academia e da indústria para o avanço das pesquisas
Solange Nappo, professora do Departamento de Ciências Farmacêuticas e Professora de Pós-graduação do Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP compôs o painel “A interação da academia e da indústria para o avanço das pesquisas de eficácia para registro de medicamentos.”
Além das questões técnicas, o painel também homenageou o legado do Professor Elisaldo Carlini, uma figura pioneira na pesquisa com Cannabis no Brasil.
Carlini foi lembrado por sua dedicação e inovação, trazendo técnicas avançadas de psicofarmacologia dos Estados Unidos para o Brasil. Fundador do Departamento de Psicobiologia na UNIFESP, enfrentou desafios significativos, incluindo resistência institucional e legal, mas manteve uma postura resiliente ao longo de sua carreira. Durante o evento, destacou-se sua coragem e visão à frente de seu tempo, enfrentando adversidades e preconceitos para abrir caminho para o uso terapêutico da Cannabis.
“Carlini não apenas iniciou estudos cruciais com o CBD para o tratamento da epilepsia, mas também desafiou normas e tabus que cercavam o uso medicinal da Cannabis na década de 1970”, disse Solange, que foi esposa do médico por mais três décadas.
O evento foi uma oportunidade não só de celebrar suas conquistas, mas também de refletir sobre os desafios contínuos enfrentados pelos pesquisadores nessa área.
“Seus trabalhos clínicos foram pioneiros e fundamentais para demonstrar o potencial terapêutico do CBD em condições como a epilepsia refratária. A persistência de Carlini, que continuou sua pesquisa incansavelmente até seus últimos anos, inspirou gerações de cientistas e defensores da Cannabis medicinal no Brasil e além. Ele não estava apenas à frente de seu tempo; ele moldou o futuro da pesquisa médica no Brasil.”
A homenagem terminou com um apelo por mais pesquisa e uma revisão das políticas regulatórias que ainda cercam a Cannabis medicinal no país.
O evento destacou não apenas os avanços científicos, mas também a importância de uma abordagem ética e responsável na pesquisa e regulação dos produtos de Cannabis medicinal no Brasil.