Neste 4 de abril, Dia Internacional da Maconha, o Cannabis & Saúde conta história da data e desta planta que é utilizada há milhares de anos
Todos os dias, às 16h30, um grupo de alunos da San Rafael High School, em Marin County, no estado da Califórnia (EUA), se encontrava junto à estátua do químico Louis Pasteur após o término de suas atividades extracurriculares e, para azeitar a conversa, fumavam as flores da planta Cannabis sativa. A rotina transformou o horário em código e 4 e 20 passou a ser a forma como se referiam a recorrente prática.
A celebração deste Weed Day ou Dia Internacional da Maconha, 20 de abril, é exemplo de como a expressão criada na década de 1970 extrapolou os limites do colégio californiano e passou a ser , mas isso só aconteceu quando um desses jovens arrumou um trabalho como roadie da banda de rock Grateful Dead muitos anos depois.
A expressão se espalhou para os integrantes e para os fãs. No dia 28 de dezembro de 1990, um grupo de Deadheads, como eram chamado os seguidores da banda, começaram a entregar nas ruas de Oakland, Califórnia, panfletos convidando as pessoas a fumarem “420”no dia 20 de abril, às 4h20 p.m.
Um desses acabou nas mãos de Steve Bloom, um repórter da High Times magazine – uma referência em cultura canábica -, que adorou. A revista reproduziu o panfleto em suas páginas e continuou a relacionar o consumo de Cannabis ao 420.
O termo se popularizou e a data ganhou conotações mais políticas, sendo utilizada pelos que defendem a liberdade de consumir uma das primeiras espécies de planta cultivada pela humanidade, utilizada medicinalmente há milhares de anos.
A importância da Cannabis para a humanidade
A evolução fez com que a Cannabis surgisse na China, no planalto do Tibete, próximo ao Lago Qinghai, mas se espalhou até boa parte da Europa ao leste da China há, pelo menos, 1,5 milhões de anos. Muito antes de qualquer humano existir.
No entanto, foi encontrada em abundância quando pela primeira vez nossos ancestrais chegaram por lá. Suas sementes, ricas em nutrientes, são um excelente alimento. Pesquisadores descobriram que a ancestral selvagem da Cannabis começou a ser cultivada no leste da China há 12 mil anos.
Com o tempo, as diversas utilidades dessa versátil planta passaram a ser selecionadas, dando origem à variedades com finalidades específicas, como o cânhamo para extrair fibras têxteis e a Cannabis sativa, com propriedades medicinais.
A Cannabis medicinal
Por volta 2.700 antes de Cristo o uso medicinal da Cannabis foi descrito pela primeira vez no livro chinês Pen Tsao, considerada a primeira farmacopeia da História. A planta é descrita contra dores articulares, gota e malária.
Outra referência está no livro ‘De Matéria Médica’, escrito no ano 70 d.C. pelo grego Pedânio Dioscórides, considerado o fundador da farmacopéia. O livro cataloga centenas de plantas medicinais, entre elas a Cannabis, usada contra dores articulares e inflamações.
Em 1843, o médico irlandês Willian O’Shaughnessy passou um temporada em Calcutá, na Índia, e publicou um importante artigo sobre as aplicações terapêuticas da Cannabis indica, remédio tradicional nas culturas orientais.
O documento lista as experiências dele com extrato das plantas em animais e humanos a partir das recomendações dos nativos e a própria experiência clínica. O médico passou então a indicar o produto no tratamento de colera, reumatismo, tétano, raiva, dores e convulsões.
O’Shaughnessy contribuiu decisivamente para divulgar o uso medicinal da Cannabis na Europa do Século 19. De lá, a prática se difundiu para as Américas, incluindo o Brasil.
O racismo faz a Cannabis ser proibida
É também no século 19 que a ciência farmacêutica moderna começou a se desenvolver mais rapidamente. E a Cannabis impunha desafios a essa nova área da Medicina. Médicos tinham dificuldade de prever resultados do tratamento com Cannabis, já que não havia uma padronização das plantas e extratos.
Era difícil entender que produtos serviam para cada caso e as dosagens indicadas. Problemas na conservação da planta e dos óleos também dificultavam prever e reproduzir resultados. Além disso, a chegada de medicamentos mais modernos contribuiu para diminuir a popularidade do uso medicinal da planta, já nas primeiras décadas do Século 20.
O proibição da planta, no entanto, não foi motivada por questões de saúde, mas por perseguição a grupos marginalizados que a usavam de forma social.
Nos EUA, era comum a droga ser usada por mexicanos. Com a Revolução Mexicana, a partir de 1910, cresceu entre os estadunidenses a rejeição aos imigrantes vizinhos, e a maconha passou a ser alvo de filmes, livros e reportagens que a associavam à violência, homicídios e loucura.
Essa campanha ficou conhecida como “Reefer Madness”, em referência a um filme muito famoso na época e que contribuiu para disseminar um clima de terror ligado à droga. Em 1937, a maconha foi proibida nos EUA.
No Brasil, a maconha é tornada ilegal mais cedo, no século 19. Em outubro de 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprova a “Lei do Pito do Pango”, que previa 3 dias de cadeia aos “escravos e outras pessoas” que fumassem maconha.
No Século 20, o psiquiatra sergipano Rodrigues Dória publicou artigos na imprensa e um livro associando o uso da planta a uma suposta degeneração moral, consolidando na sociedade brasileira a imagem negativa sobre a Cannabis e seus usuários.
A maconha foi incluída pela primeira vez em convenções internacionais sobre drogas em 1924, num encontro da Liga das Nações – entidade anterior à ONU. No Brasil, a proibição em nível federal aconteceria em 1938, durante a Ditadura Vargas, por meio da Lei de Fiscalização de Entorpecentes.
Com leis que restringiam ou proibiam a prescrição, sob pena de prisão inclusive para médicos, o uso medicinal foi desaparecendo na Europa e nas Américas. Em 1942, a Cannabis foi excluída da farmacopeia americana.
A descoberta do sistema endocanabinoide
O interesse pelo uso medicinal da Cannabis começou a se reestabelecer a partir dos estudos do químico búlgaro-israelense Raphael Mechoulam. Ele isolou pela primeira vez dois princípios ativos da planta. Em 1963, descobriu e isolou o canabidiol (CBD). No ano seguinte, isolou o tetra-hidrocanabinol (THC), e identificou o composto como responsável pelos efeitos intoxicantes da planta. Uma nova classe de substâncias foi criada: a dos canabinoides.
Pesquisando como essas substâncias agem no nosso organismo permitiu à ciência descobrir o sistema endocanabinoide, um mecanismo de regulação dos neurônios, presente no homem e em todos os animais vertebrados.
A descoberta do mecanismo de ação dos canabinoides e de um sistema até então desconhecido de comunicação entre neurônios gerou uma intensa onda de pesquisas sobre a Cannabis e seu potencial terapêutico.
Mas, se hoje a Cannabis medicinal beneficia milhares de pacientes, é graças à contribuição do cientista brasileiro Elisaldo Carlini. Professor emérito da Unifesp e diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) foi considerado um dos maiores especialistas em entorpecentes do mundo.
Carlini estudou os efeitos da maconha e de outras drogas em nível experimental durante toda sua vida profissional. Na década de 1970, ele estudou e propagou a capacidade do composto de reprimir convulsões.
A legalização para fins medicinais
No fim do Século 20, produtos feitos com canabinoides isolados, como Marinol e o Dronabinol, foram aprovados para tratamento de náuseas e vômitos em pacientes com câncer e para aumento de apetite em pacientes com HIV e doenças terminais. O avanço das pesquisas também fortaleceu grupos de pacientes, que militaram para poder cultivar a planta e produzir seu próprio remédio.
Em 1995, um plebiscito na Califórnia (EUA) aprovou a ‘Lei da Compaixão’, que deu origem à primeira regulamentação para a Cannabis medicinal em décadas.
Em 2001, essa pressão de pacientes faria dois países criarem regulamentações próprias para organizar a produção e o uso de Cannabis com fins medicinais: o Canadá e a Holanda.
Uma nova onda de interesse mundial da Cannabis aconteceu em 2013. Foi quando o médico e celebridade americano Sanjay Gupta lançou um documentário apresentando a utilidade terapêutica da Cannabis e o uso de canabidiol para epilepsia refratária.
Por não causar o barato conhecido da maconha, o uso de canabidiol foi passou a ser aceito em diversos países ao redor do mundo, apesar da reprovação moral que ainda recai sobre a maconha.
No Brasil, essa mudança de cultura começou com a história da menina Anny Fischer, de Brasília, portadora de uma doença rara que causa epilepsia refratária. Em 2014, ela se tornou a primeira paciente do país autorizada a usar legalmente Cannabis.
A partir do caso dela, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a autorizar a importação de medicações à base de Cannabis. Até que, em dezembro de 2019, a agência autorizou a produção nacional e a venda de derivados de Cannabis em farmácias, embora o cultivo da planta siga proibido.
Atualmente, os países que legalizaram o uso medicinal da Cannabis incluem Argentina, Austrália, Barbados, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Equador, Finlândia, Alemanha, Grécia, Irlanda, Israel, Itália, Jamaica , Líbano, Lituânia, Luxemburgo, Malawi, Malta, Holanda, Nova Zelândia, Macedônia do Norte, Noruega, Panamá, Peru, Polônia, Portugal, Ruanda, São Vicente e Granadinas, San Marino, Sri Lanka, Suíça, Tailândia, Estados Unidos Reino Unido, Uruguai, Vanuatu, Zâmbia e Zimbábue.
Outros têm leis mais restritivas que permitem apenas o uso de certos produtos farmacêuticos derivados da cannabis, como Sativex, Marinol ou Epidiolex. Nos Estados Unidos, 37 estados, 4 territórios e o Distrito de Columbia legalizaram o uso medicinal da Cannabis, mas no nível federal seu uso continua proibido.
O Projeto de Lei 399/15, que legaliza o plantio da Cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil por empresas e governos, segue em trâmite no congresso federal.
Quem busca o tratamento com Cannabis medicinal para uma de suas muitas indicações, só tem acesso legal com a prescrição de um médico. Na plataforma de agendamento de consultas do portal Cannabis & Saúde, você tem acesso ao contato com mais de 150 médicos prescritores de diversas especialidades.