O CEO da Verdemed, empresa canadense, que produz na América do Norte e vende produtos ao sul do continente, acompanha com atenção a evolução do mercado brasileiro
José Bacellar não tem medo de mudança. O paulistano de 55 anos trabalhou em indústria farmacêutica, incubadora, consultoria, indústria de higiene e limpeza. Foi para o Canadá acompanhar a esposa médica que dá aulas na Universidade de Toronto, e fez carreira por lá. Usou seu conhecimento em indústria farmacêutica e América Latina para percorrer mais um novo caminho: a indústria da Cannabis, sem nunca deixar para trás sua veia latina.
Formado na USP em economia, tem Master em Business Administration com foco em High Technology Business Management in Biothechnology Firms.
Suas experiências começaram na CYG Biotech, farmacêutica que fazia drogas para AIDS como diretor de marketing, depois consultor da McKinsey, assumindo em seguida a diretoria para América Latina da Cemex, uma incubadora de tecnologia, logo no início da bolha da internet.
Seu último trabalho no Brasil foi presidente interino da Bombril. Se mudou para o Canadá quando a esposa recebeu uma proposta. Segundo ele, a esposa é uma médica brilhante, “a parte inteligente do casal”.
Já no Canadá, cursou o Rotman school of management – business leadership na Universidade de Toronto. Trabalhou no Acic Group, onde desenvolvia negócios para a América Latina, e, com crescente interesse em Cannabis medicinal, entrou como COO no Canopy Group, onde aprendeu sobre o mercado e decidiu montar a Verdemed, onde atua hoje como CEO.
Entrevista com José Bacellar
Cannabis & Saúde: O que a Verdemed oferece?
José Bacellar: A Verdemed é uma farmacêutica que faz pesquisa e desenvolvimento de usos de Cannabis e aplicações terapêuticas, com viés medicinal baseados em provas clínicas. Identificamos os canabinoides mais avançados, trazemos os produtos para a América Latina para registro, plantamos, crescemos, colhemos, extraímos, formulamos, entregamos. A visão é de uma farmacêutica full spectrum, que cuida do plantio à venda de medicamentos.
A Verdemed oferece qualidade. É uma farmacêutica que segue todos os padrões de excelência, padrões de agências reguladoras que aplica o mesmo rigor da produção farmacêutica na Cannabis medicinal. É uma empresa canadense, que produz no Canadá e EUA, e vende na América Latina, com condição privilegiada para entender o mercado.
Queremos que a Verdemed seja a marca de escolha de Cannabis medicinal dos latino-americanos. Que, quando pensem em Cannabis, pensem Verdemed.
A missão é oferecer produtos de qualidade e padrão farmacêutico que pacientes e médicos possam confiar.
No futuro, esperamos o movimento que há hoje nos EUA: em 3 a 5 anos, que a cannabis medicinal seja uma realidade na América Latina, com legislações que dêem aos países latino americanos a oportunidade de plantio e indústria. Que estes países possam colher os benefícios, competir e ser grandes produtores mundiais para exportação. Acredito que o Brasil possa avançar muito nos próximos dois anos.
C&S: Em quais países a Verdemed atua? E qual a relevância no Brasil para a empresa?
JB: Somos uma empresa canadense que pensa sempre na América Latina. Estamos presentes nos EUA, Colômbia, Peru, Chile e Brasil. Hoje plantamos em Cali, na Colômbia, que é o único país latino americano fora o Uruguai em que é permitido, porque têm legislação mais avançada no tema.
Nossa equipe de gestão está no Brasil, temos investidores brasileiros, sempre será a maior operação. O Brasil ainda não atingiu seu potencial, mas o ano de 2021 será muito importante para a Cannabis no Brasil, e para a Verdemed.
C&S: O Canadá é pioneiro na liberação e comercialização da Cannabis medicinal. Que avaliação você faz da atuação do país?
JB: O Canadá foi o primeiro. Holanda e Uruguai também são avançados, mas não são relevantes mundialmente. A Califórnia tem leis regulamentando desde 96, mas o Canadá é o primeiro país do mundo a autorizar plantio em domicílio em 2000 pelos cidadãos com prescrição.
Em 2012, houve uma reforma nessa lei e o negócio de Cannabis medicinal foi incluído. Foi também o primeiro a regulamentar a venda, com extração, e em 2017, entrou também na lei a chamada Cannabis adulta, que é o uso recreativo.
Tudo isso desenvolveu o mercado, tudo supervisionado pelo Health Canada. Eles têm tudo, é o país mais organizado. Os EUA não têm organização, cada estado e cidade tem leis diferentes. Na América Latina, Colômbia e México são os mais avançados.
C&S: O que o Brasil tem a aprender?
JB: O recado que o Canadá dá ao Brasil: Run Forrest.
Estamos presenciando o nascimento de uma indústria mundial, tendo a Cannabis como a nova commodity global. O Brasil pode escolher participar desse jogo, porque tem vocação agroindustrial. A Europa saiu do jogo, mas representa um mercado de 600 milhões de consumidores. Hoje o mercado é dividido pelos canadenses e australianos, e ainda vamos ter que competir com os EUA por um bom tempo.
Mas deputados já foram para o Uruguai, Colômbia. A lei vai avançar. O brasileiro já desenvolveu um grau de consciência. Já separaram a discussão entre maconha recreativa e Cannabis medicinal, nem se fala mais em legalizar a maconha. Já se sabe como fazer o uso, modelo, método, plantio, controle. O mundo já funciona com produtos de uso terapêutico que podem ter efeito deletério, se usados em abuso. É só controlar a indústria que fabrica, por exemplo, receita azul, preta. O mundo sabe como tratar medicamentos que causam dependência. O THC, se usado dá barato, mas não é isso que se busca, então é só regulamentar.
C&S: Qual a importância da Cannabis para os tratamentos de doenças? Para quais doenças a Cannabis é aplicável?
JB: Já há medicamentos para coisas específicas, como a epilepsia infantil refratária. Existe um produto já registrado, o Epidiolex, puro de CBD, feito pela GW Pharma inglesa. No Brasil, 30 mil crianças poderiam ser beneficiadas por ele.
Para tratamentos onde nada funciona, como dor crônica. Também para insônia, ansiedade. Parece ter efeitos anti-inflamatórios, para epilepsia, doenças neurológicas (ainda sem prova, mas com evidências).
É de grande importância nos tratamentos, por ser natural, não faz mal, ninguém nunca morreu ao tomar, dá pra tomar 1 quilo de CBD (vai ter uma dor de barriga), mas nenhum efeito colateral. É uma droga segura, natural – no caso de in natura ou extrato purificado.
E alguns remédios viciam ou deixam de fazer efeito… Então, por que não incluir o CBD?
O uso mais extensivo e regulamentação fariam os preços caírem pela metade.
C&S: Hoje o que seria o cenário ideal de legislação para dar cada vez mais acesso à Cannabis medicinal para a população brasileira?
JB: O que sair será avanço.
Por exemplo, existem canabinoides sintetizados: o Dronabinol é um THC sintético e é vendido no Brasil há 30 anos sob o nome Marinol como antiemético (vômitos principalmente pós quimioterapia). Mesmo assim, recriar um produto natural é muito difícil e de eficácia e segurança duvidosa. A regulamentação do produto natural não tem motivo para não sair.
A comissão se reúne em agosto para votar o plantio. A expectativa é de aprovação ainda este ano no Congresso, e depois vai para Senado. E aí é futuro.
C&S: Você sofre preconceito por trabalhar com Cannabis?
JB: Claro! Mas não fico ofendido, fico surpreso, porque às vezes não espero que venha de onde vem. Dependendo da maluquice, fico fascinado, mesmerizado. Mas faz parte. Se não quer esse tipo de reação, não se meta nesse mercado.
C&S: Atualmente temos poucos médicos que prescrevem no Brasil. O que poderia ser feito para aumentar esse número?
JB: Só com tempo e disseminação de conhecimento. E tem que ter produto, hoje é caríssimo, só importando, é difícil, com judicialização.
C&S: Na sua visão, qual a importância do evento Medical Cannabis Summit para o mercado de Cannabis medicinal no país? E por que está patrocinando este evento?
JB: O Medical Cannabis Summit acontece num momento muito auspicioso. O projeto de lei, o relatório do congresso sai antes do summit. Não podia ser num momento melhor para debater sobre a nova legislação. O evento catalisa o esforço. Eu já fui à comissão de agricultura, comissão especial de Cannabis. Estive no congresso conversando com deputados e senadores. O Medical Cannabis Summit reúne todas as peças, que vêm desde o uso da planta, até a regulamentação. Fico muito feliz de ter me associado a este movimento e à OnixCann como patrocinador.
C&S: Que recado gostaria de dar para as mais de 10 mil pessoas inscritas no evento, na data de hoje?
JB: Informação com fatos. A defesa de ideais baseadas em fatos, e não achismo. A honestidade intelectual deve prevalecer no debate da Cannabis. Não devemos cair na armadilha de argumentos falsos, não bater boca com surdos e manter um discurso honesto intelectualmente. Discuta avanços, e não dê ouvidos à parcela que não quer discussão séria.
Ajudem agora. Vamos apoiar a comissão de Cannabis, o relator Luciano Ducci e o Paulo Teixeira, a pressionar o presidente da Câmara para que promulgue o projeto de lei.
Junte-se a nós no esforço para pressionar o Congresso para que venham para a nossa luta que é política. Chegou a nossa vez. Vamos votar e mudar a lei. Se perdermos, é o jogo democrático. Sem rancor, raiva ou constrangimento, mas com honestidade intelectual, coragem, amor por essa luta que é tão importante para a saúde e a economia.
José Bacellar é um dos patrocinadores do Medical Cannabis Summit em agosto. O evento é online e gratuito. Organizado pela OnixCann e a Transformação Digital, reunirá cerca de 40 profissionais de saúde, direito e sociedade civil. Faça sua inscrição aqui.