Pesquisadores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), de Foz do Iguaçu (Paraná), estão investigando o potencial dos canabinoides, substâncias encontradas na planta da maconha, para o tratamento de pacientes com doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.
Um estudo conduzido pelo Laboratório de Neurofarmacologia Clínica da Unila busca evidências científicas mais aprofundadas sobre a hipótese de que os canabinoides THC (tetrahidrocanabinol) e CBD (canabidiol) podem contribuir na melhora das condições de saúde de pessoas com Alzheimer.
A pesquisa consiste num ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, metodologias que elevam um estudo à condição “padrão ouro” em pesquisas médicas, por conta do rigor aplicado.
Segundo o coordenador do estudo, o professor de Medicina e Biociências Francisney Nascimento, toda pesquisa precisa ter essas características para obter evidências robustas de eficácia e ser recomendada na prática clínica.
“Nosso estudo seguirá esses parâmetros para, se der resultado positivo, que possa de fato começar a direcionar outros estudos ainda maiores, pautar novos tratamentos e influenciar protocolos futuros”, explicou.
Nascimento é orientador do estudante Rafael Cury, que tem esse ensaio clínico como projeto de pesquisa no mestrado em Biociências da Unila. Ao longo da pesquisa, serão feitas avaliações clínicas, com testes e questionários para avaliar a memória, cognição e aprendizado do paciente, bem como avaliações bioquímicas, com coletas de sangue e liquor (fluido cérebro-espinhal).
O objetivo é avaliar algumas proteínas, enzimas e medidores inflamatórios que têm relação com o Alzheimer.
“Vamos avaliar durante um ano tanto se a Cannabis pode recuperar a cognição do paciente, déficit de memória, como também se a Cannabis é capaz de reduzir a progressão da doença”, esclarece Nascimento.
O estudo vai trabalhar com CBD e, em maior quantidade, o THC. Em estudos com animais, o THC aponta para uma melhora no restabelecimento da memória, a partir de novos brotamentos neuronais, ou seja, com a produção de novos neurônios.
As doses de THC que serão ministradas em conta-gotas ao paciente serão baixas: de 1 a 3 mg, ou seja, 60 vezes menor do que a dose que provoca efeito psicoativo. Ainda com relação à dose, Nascimento lembra que o nosso corpo possui um sistema endocanabinoide, no qual se produz canabinoides naturais, com funções como neurotransmissão e controle emocional, e efeitos anti-inflamatório e antioxidante.
Ao longo da vida, quando envelhecemos, produzimos menos canabinoides e estamos mais suscetíveis a doenças como o Alzheimer.
“Então, nossa aposta, no caso, está no que chamamos de reposição canábica, como se fosse uma reposição hormonal com dose baixa, porque o nosso organismo produz (canabinoides) em doses baixas”, explica.
Já há dados científicos, produzidos na Unila, que podem gerar um otimismo nessa aposta. O Laboratório de Neurofarmacologia Clínica da Universidade realizou uma pesquisa com um paciente de 75 anos, com Alzheimer, quando se verificou que, com uma dose baixa de canabinoides, seu déficit de memória foi revertido e, hoje, ele apresenta uma performance de memória e cognição semelhante à de um paciente de sua idade, sem a doença.
A nova pesquisa amplia o número de pacientes e traz o ineditismo em comparação com outros poucos estudos, por adotar “padrão ouro”, utilizar extrato da planta (não substâncias isoladas), além de trabalhar com doses e avaliações cognitivas e bioquímicas por um período mais longo, de um ano.
Parceria com a Abrace
A pesquisa conseguiu, no início do ano o fornecedor de extratos da Cannabis: a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) – organização sem fins lucrativos, conhecida como a primeira e, até julho de 2020, única instituição do Brasil autorizada pela Justiça a cultivar a maconha para fins medicinais.
No País, além da Abrace, uma associação de pacientes, do Rio de Janeiro, também conseguiu autorização legal para cultivo coletivo da planta, com essa proposta de uso para tratamento de doenças.
A pesquisa tem como membros o professor Francisney Nascimento e o estudante Rafael Cury, além do neurologista Elton Gomes da Silva, professor de Medicina da UNILA – todos eles integrantes do Laboratório de Neurofarmacologia Clínica da Universidade. Também participam como colaboradores do estudo o discente do curso de Medicina da UNILA Juan Ortiz; o pós-doutorando Vagner Linartevichi; os neurologistas Fernando Cunha e Ícaro Bertechine; e o neurocientista Fabrício Pamplona, farmacologista de canabinoides e professor do Mestrado em Biociências da UNILA, que acompanha de perto a pesquisa e os movimentos políticos sobre a Cannabis medicinal no Brasil.
Os interessados que quiserem obter mais informações ou participar da pesquisa podem entrar em contato pelos canais abaixo.