Requinte e materiais sustentáveis já fazem parte do DNA da maior mostra de decoração do Brasil. Mas neste ano, o tecido usado nos uniformes do staff chamou a atenção e repercutiu no mundo da moda.
Desenvolvido com a fibra da maconha, o colete utilitário, criado pelo designer de roupas e produtos da Hybrida (loja oficial da CASACOR) Zeh Domingues, é a sensação. A peça com vários bolsos e compartimentos estratégicos é ajustável a qualquer corpo e unissex. Ao todo, foram produzidas 400 peças. Cada colaborador recebeu dois coletes para trabalhar na mostra que começou dia 05 de julho e vai até dia 11 de setembro. A CASACOR de São Paulo desse ano ocupa o prédio histórico Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, e tem expectativa de público de 120 mil pessoas.
“Quando nos convidaram para criar o uniforme do staff surgiu a ideia de fazer uma parceria com a Capricórnio Têxtil, uma das maiores tecelagens focadas em tecidos ecológicos. Ai, lembramos do tecido com composição de cânhamo. Além de ser uma fibra muito resistente, sustentável e pouco conhecida no Brasil, o cânhamo leva uma mensagem. Precisamos acabar com essa visão preconceituosa em torno da maconha. Além do uso medicinal da planta, a fibra tem diversas utilidades na indústria e ainda é ecologicamente correta. A planta regenera áreas degradadas com absorção de metais pesados, exige menos água do que a cultura do algodão e absorve mais CO2 do que qualquer outra planta da floresta. A Cannabis, em si, resolve muitos problemas agrícolas. Nós queremos chamar atenção para isso”, adianta Domingues.
O tecido usado na confecção do colete é composto da seguinte forma: 58% algodão orgânico, 23% cânhamo e 19% algodão certificado. “No São Paulo Fashion Week apresentamos uma peça de cânhamo. Foi um trabalho ‘colab’ da Soul Básico em parceria com a estilista Juliana Franco. Desfilamos uma jaqueta de cânhamo com um corte japonês. A peça foi muito bem recebida. Nesse trabalho para o SPFW usamos o lado convencional do tecido. Já no colete da CASACOR, invertemos a tecelagem e fizemos do avesso. Além de ser um tecido bonito e inovador, ainda possui características antibacteriana e de proteção UV. É revolucionário”, afirma o designer.
De acordo com a Fernanda Simon, diretora do Instituto Fashion Revolution no Brasil, a indústria da moda é uma das que mais impacta negativamente o meio ambiente, portanto necessita de urgentes transformações que estejam alinhadas com as emergências globais. “Enquanto isso, o cânhamo têxtil, uma fibra ancestral conhecida por apresentar inúmeros benefícios, inclusive para o solo, é quase que ignorado pelo setor da moda por conta da falta de conhecimento e preconceitos. Precisamos falar sobre cânhamo têxtil, pois ele pode ser parte da revolução da moda, representando mais sustentabilidade e até estimulando a economia”, prevê Simon.
Cânhamo importado do Paquistão
A Gabryella Mendonça, analista de Desenvolvimento de Produtos da Capricórnio Têxtil, conta que a empresa tem investido em tecidos com cânhamo na composição desde outubro de 2021, quando foram lançadas as tecelagens “Cajá” (77% algodão e 23% cânhamo) e “Timbó” (81% algodão e 19% cânhamo). De acordo com a analista, a matéria-prima importada do Paquistão chega ao Brasil em forma de fio pronto, num blend (mistura) de algodão orgânico e cânhamo. Já no país, a Capricórnio Têxtil transforma o fio em tecido. “A indústria da moda vem falando muito sobre sustentabilidade, e pelo cânhamo usar pouca água e não precisar de pesticidas, acabou ficando muito conhecido. Assim, o interesse por tecidos com essa fibra aumentou muito, e o cliente final está começando a ficar mais atento sobre as composições dos tecidos, principalmente as gerações Y e Z”, diz Mendonça.
Segundo a Gabryella, estima-se que os tecidos produzidos com a fibra da maconha são cerca de três vezes mais duráveis que os produzidos com as fibras de algodão. “O cânhamo é uma fibra proveniente do caule da Cannabis sativa. Hoje, é considerada uma das fibras naturais mais sustentáveis que existem. Acreditamos que um futuro mais sustentável só vai acontecer com muita responsabilidade. E atitude começa quando a gente olha, com carinho e atenção, para todo o impacto das nossas ações, e a parceria com a Hybrida é fruto disso. Vimos uma ótima oportunidade de usar a criatividade da indústria da moda para alcançarmos juntos soluções mais sustentáveis, trazendo mais propósito e significado para a CASACOR, que também carrega o movimento de baixo impacto ambiental em seu DNA”, revela.
Lixo zero
A 35ª edição da CASACOR de São Paulo, neste ano, apresenta 59 ambientes projetados por 57 profissionais. O mezanino, do Conjunto Nacional, conhecido por seus brises e o terraço aberto, possui quase 10 mil metros quadrados e é um corredor cultural da capital paulista. De acordo com Darlan Firmato, arquiteto, gestor de eventos e sustentabilidade da CASACOR, a mostra já vem numa pegada de sustentabilidade desde 2015. “Iniciamos um programa para reduzir o impacto ambiental da mostra, onde começamos a trazer uma série atividades internas e educação. Em 2016, contratamos uma empresa para tratar a destinação de resíduos. Hoje, somos o evento mais sustentável do Brasil. Recebemos a certificação de ‘lixo zero’. Na última edição desviamos 99,3% dos resíduos sólidos produzidos pela mostra para destinação adequada. Desde o entulho até o lixo orgânico. A separação já ocorre no canteiro de obras”, detalha Darlan.
O objetivo da CASACOR deste ano é desviar 100% dos resíduos das áreas de aterro. “Até o papel higiênico já temos destinação. Serão enviados para um incineradora que produz energia. Para completar, ainda doamos os materiais que se mantém nobres, mesmo após o desmonte dos espaços, para as comunidades periféricas de São Paulo. São pisos, louças sanitárias e telhas, por exemplo. Desde 2016, a CASACOR doou mais de 200 toneladas de materiais nobres. Estamos muito comprometidos com o meio ambiente e para nós isso já se tornou uma prioridade”, defende Firmato.