Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais reconheceu o uso do canabidiol no tratamento de alguns tipos de epilepsia, em especial na redução da frequência das síndromes refratárias, que resistem aos medicamentos convencionais.
O artigo Cannabidiol anticonvulsant effect is mediated by the PI3Kγ pathway, publicado na revista Neuropharmacology, mostrou que o efeito anticonvulsivante e neuroprotetor é mediado por proteínas presentes na planta e alvo de uma “via de sinalização”. Ou seja, uma espécie de canal de comunicação por meio do qual o canabidiol “comandaria” as ações das células. Normalmente, essa via está relacionada ao crescimento, proliferação, síntese proteica, sobrevivência e desenvolvimento das células.
A pesquisa foi coordenada pelo professor Antônio Carlos Pinheiro de Oliveira, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, e desenvolvida junto com a farmacêutica Isabel Vieira de Assis Lima, doutora em Ciências Biológicas, e colaboradores. Segundo os pesquisadores, conhecer o mecanismo de ação do canabidiol no organismo é fundamental para possibilitar a otimização de seu uso e o desenvolvimento de medicamentos que possam ter efeitos semelhantes.
Interruptor
No estudo realizado na UFMG, foram desenvolvidos experimentos em organismos vivos (in vivo) e em ambientes controlados (in vitro). Uma das conclusões do estudo é que o CBD reduz a ativação das chamadas células da glia, presentes no cérebro e que contribuem para o funcionamento dos neurônios. Essas células são ativadas como resposta às crises convulsivas, contribuindo para inflamação e lesão cerebral.
Já se sabia que essa “via de sinalização” estava associada a outros processos do organismo, tanto fisiológicos (normais) quanto patológicos (em doenças). “A ativação pelo canabidiol pode evitar o excesso de atividade de neurônios e impedir convulsões graves e danos neuronais”, afirma Antônio Carlos Pinheiro.
É como se o CBD desempenhasse atuação semelhante à de um interruptor de luz, que liga e desliga o processo, mediante uma série de complexos mecanismos moleculares, compara o cientista
O estudo também sugere que, quando a ativação dessas células é reduzida, a inflamação causada pelas crises convulsivas no cérebro também pode ser aliviada. Por meio de ferramentas genéticas e farmacológicas, o grupo de pesquisadores descobriu que a inibição da ação das duas moléculas (mTOR e PI3K) pode ocasionar a perda da propriedade anticonvulsivante do canabidiol.
Um fato observado no estudo chamou a atenção dos cientistas. Diferentemente do esperado, quando a via foi inibida, o poder anticonvulsivo do ácido valproico – medicamento convencional usado no tratamento da epilepsia – foi preservado. “Isso reforça nosso entendimento de que o mecanismo de ação do canabidiol é dependente dessa via de sinalização”, conclui Antônio Oliveira.
Epilepsia e antecedentes
No artigo recém-publicado, os autores definem epilepsia como um distúrbio neurológico caracterizado por crises recorrentes e as consequências neurobiológicas, cognitivas e sociais associadas a essa condição.
“As crises convulsivas ocorrem de forma recorrente e espontânea e são caracterizadas por uma descarga hipersincronizada de populações de neurônios do sistema nervoso central (SNC) devido ao aumento da excitabilidade”, explicam.
Eles acrescentam que a epilepsia do lobo temporal (ELT) é o tipo mais comum na população adulta, e seus pacientes podem sofrer crises focais ou secundariamente generalizadas. Ainda segundo os pesquisadores, existem alguns compostos disponíveis para o tratamento dessa condição, mas que podem não ser eficazes em 30% a 50% dos casos, daí a necessidade de novas terapias farmacológicas.
Artigo: Cannabidiol anticonvulsant effect is mediated by the PI3Kγ pathway
Autores: Isabel Vieira de Assis Lima, Paula Maria Quaglio Bellozi, Edleusa Marques Batista, Luciano Rezende Vilela, Ivan Lucas Brandão, Fabíola Mara Ribeiro, Márcio Flávio Dutra Moraes, Fabrício Araújo Moreira, Antônio Carlos Pinheiro de Oliveira.
Publicação: Neuropharmacology, volume 176, outubro de 2020
As informações são da comunicação da UFMG.