“O Brasil não é um país de amadores”. Sabe-se que ditos populares muitas vezes realmente traduzem a realidade social. Segundo o advogado Rodrigo R. Monteiro de Castro essa afirmação encobre, na verdade, “vários sentidos mais complexos (e pejorativos) relacionados às nossas mazelas (estruturais ou conjunturais)”.
Fato é que a semana foi marcada por inúmeras iniciativas que contestam a constitucionalidade da Resolução nº 2324 publicada pelo Conselho Federal de Medicina que, entre outros pontos, restringe aos médicos brasileiros a prescrição de produtos à base de Cannabis.
CFM abre Consulta Pública sobre Resolução nº 2.324
O barulho das contestações sobre a Resolução foi tão alto que o próprio CFM tomou uma atitude e abrirá Consulta Pública sobre Resolução nº 2.324 a partir da semana que vem. Leia a matéria completa aqui.
Live do Portal Cannabis & Saúde sobre a Resolução do CFM nº 2.324
E o Portal Cannabis & Saúde, em uma iniciativa com caráter de urgência, realizou uma live exclusivamente para tratar a Resolução do CFM nº 2.324 com a presença de duas convidadas: a consultora técnica e perita judicial em Cannabis Medicinal, Ana Gabriela Baptista e a advogada da saúde, Layla Espeschit.
Você pode conferir a live na íntegra aqui. Mas nesta matéria selecionamos os pontos cruciais para entendermos o impacto da Resolução nº 2.324 e os motivos de que mesmo com o caráter de intimidação desta atitude do Conselho Federal Medicina, os profissionais da classe médica podem seguir prescrevendo e não podemos nos desencorajar sobre os benefícios da Cannabis medicinal no Brasil.
“Sou otimista e estou em muitos projetos. Há um movimento de ciência e tecnologia muito grande e interessante em relação à Cannabis. Fico feliz de podermos nos unir para falar sobre isto. Esta é uma causa e os médicos serão ouvidos. Assim como o pessoal da odonto, onde podem atuar dentro da RDC 660. Não podemos perder o foco. E o foco é o paciente. Estamos aqui para ajudar pessoas que precisam de nós. E devemos melhorar a qualidade de vida destas pessoas. Tenho áudio de pacientes que hoje dizem que a vida vale a pena devido aos tratamentos. Independente de qualquer resolução, vale a pena lutar”, afirmou Ana Gabriela durante a live.
O que muda de fato com a Resolução nº 2324 do CFM?
“Esta resolução trouxe as diferenças das patologias: para o tratamento de epilepsias refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. E trouxe as limitações das palestras e cursos por parte dos médicos. Mas é importante deixar claro que já existia esta limitação desde 2014 dos médicos prescreverem CBD. Foi um retrocesso. Pois é uma norma sem embasamento técnico e muito mal colocada. Mas de fato já existia esta limitação. Claro que o médico que prescreve está sujeito à risco, pode sofrer sindicância, mas isso já ocorria com a antiga Resolução de 2014 do CFM”, explicou Dra. Layla.
Neste ponto, Ana Gabriela destaca que a atual Resolução revoga a Resolução CFM nº 2.113/2014, que limitava a prescrição do canabidiol a três especialidades:
- Psiquiatria,
- Neurologia
- Neurocirurgia apenas em casos de epilepsia refratária.
Essencialmente o que apresenta o texto atualizado de 2022 na Resolução nº 2324 do CFM
- Limita a prescrição de canabidiol (CBD) exclusivamente para o tratamento de epilepsias refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa.
- Veda ao médico a prescrição da Cannabis in natura para uso medicinal, Veda ao médico a prescrição de quaisquer outros derivados da planta que não o Canabidiol, salvo relatados em estudos clínicos autorizados pelo Sistema da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) – órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.
- Determina que os pacientes submetidos ao tratamento com o CBD, ou seus responsáveis legais, sejam esclarecidos sobre os riscos, benefícios,
- Determina que pacientes devem assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de iniciar a administração do produto.
- Proíbe os profissionais de Medicina a ministrar palestras e cursos sobre uso do canabidiol e/ou produtos derivados de Cannabis fora do ambiente científico.
- Censura qualquer divulgação publicitária desse tipo de tratamento.
O que muda para o paciente? Ele pode ser prejudicado com a Resolução?
Mesmo que o susto tenha sido grande, principalmente para mães de crianças que fazem tratamento com Cannabis, como por exemplo para o autismo, a verdade é que nada mudará para os pacientes que já fazem tratamentos à base de Cannabis.
Ou seja, os tratamentos não serão interrompidos. Conforme confirmou Ana Gabriela:
“O paciente jamais será prejudicado. É bom deixar claro que o paciente não pode ser prejudicado, não pode ser privado de um tratamento que temos um regulatório de acesso no Brasil, com as RDCs da Anvisa. Não pode levar à risco de morte, ninguém pode ser prejudicado. O paciente não pode ser prejudicado devido a publicações de Conselhos. E a Anvisa dentro do acesso da RDC 660 não diz que pode ser prescrito somente por médicos. E há outros profissionais como os dentistas, que fazem uso deste composto respaldado pelo Conselho de Odontologia. Um conselho que apoia o uso de canabinoide para a área de atuação clínica dos dentistas através da RDC 660, onde os pacientes são acompanhados pelos dentistas com conhecimento técnico sobre os canabinoides”.
CFM está atrasado em relação à Anvisa
Ana Gabriela e Layla destacaram o imprescindível papel que a Anvisa ocupa no Brasil em relação à regulação, autorização e acesso aos produtos à base de Cannabis para os pacientes. “A Anvisa merece ser elogiada. Eles são extremamente reconhecidos internacionalmente, as gerencias estado abertas ao debate e com rigor científico. Anvisa está à frente do CFM. A Anvisa tem caminhado a passos lentos, mas ela está caminhando. Fico maravilhada como a Anvisa pensa no lado da saúde e do paciente”, afirmou Layla.
É possível derrubar a resolução?
“Sim, com certeza. A pressão da esfera social e judicial é real. Temos manifestações legítimas agendadas para acontecer em frente ao CFM aqui em Brasília. Já existem projetos para derrubarem, já existem petições para derrubar ou pedir uma revisão da resolução. Não somente pode, mas com certeza deve sim cair. Não sabemos quando. Mas irá cair, é o que tudo indica, pois fere o código de ética médica e é inconstitucional”, finalizou Dra. Layla.
Mobilizações no Brasil
Acontece hoje em diferentes capitais manifestações contrárias à Resolução nº 2324 do CFM. Médicos, pacientes, familiares dos pacientes e associações vão promover atos em frente aos Conselhos Regionais de Medicina no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Neste sentido, Dra. Ailane Araújo, Presidente do Núcleo de Desenvolvimento em Medicina Canabinoide e Integrativa, afirma que “Médicos não precisam ter medo, pelo contrário precisam se unir. Pois o CFM está infringindo várias leis que nos resguardam”.
Médicos e paciente agora esperam que o CFM abra a consulta pública na próxima semana. E realmente recebe com seriedade e precisa abertura científica as milhares de contribuições, e relatos, sobre os benefícios que o tratamento com a planta para inúmeras patologias pode apresentar.