Entidades médicas enfatizam o perigo do uso das flores de Delta-8, molécula produzida em laboratório, e replicam alerta da agência reguladora dos EUA
Recentemente, a polêmica envolvendo a importação de Cannabis in natura, contendo delta-8 THC, levou a Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia (Ambcann) a divulgar informações da agência reguladora dos Estados Unidos – Food, Drugs and Administration (FDA) – sobre os perigos do uso de produtos sem regulamentação que contêm o canabinoide semissintético.
O delta-8 tetrahidrocanabinol (THC) é um dos canabinoides presentes na planta Cannabis Sativa L. que vêm dando o que falar. A molécula psicoativa, com estrutura molecular semelhante ao delta-9 THC, é produzida naturalmente pela planta, mas em quantidades insuficientes para o uso industrial.
Como alternativa ao composto delta-9 THC – a principal substância psicotrópica da maconha e ainda restrita por várias legislações – o delta-8 tem sido produzido por rota semissintética nos laboratórios. Em seguida, é adicionado a diferentes produtos de Cannabis, na tentativa de contornar as normativas que limitam a comercialização do delta-9.
Cartas de advertência sobre o perigo do Delta-8
Desta forma, nesse mês, a FDA e a Federal Trade Commission (FTC) advertiram seis empresas, em cinco regiões dos Estados Unidos, pelo comércio de produtos ilegais, contendo delta-8 THC.
“Não há estudos clínicos com o delta-8. Essa molécula surgiu com o objetivo de burlar a lei que proíbe o delta-9. Eles encontraram uma brecha na legislação, porque não há proibição do delta-8. Portanto, vendem delta-8, como se fosse delta-9”, denuncia a psiquiatra Ana Hounie, presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia (Ambcann).
Além disso, a Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide (APMC) também vem alertar os profissionais de saúde, sobre os riscos de prescrever produtos que não têm a segurança atestada.
“As empresas que querem entrar com esses produtos no Brasil precisam apresentar testagem, posicionamento científico e evidência clínica. Atualmente, o que vemos é o delta-8 atendendo mais ao uso adulto, do que ao uso terapêutico e medicinal”, analisa o médico e diretor científico da APMC, Dr. Flávio Geraldes Alves.
Tudo o que você precisa saber sobre as flores de Delta-8
No Brasil, o delta-8 tem entrado, em grande parte, borrifado às flores de CBD (canabidiol) e pode estar se desvirtuando para o uso recreativo por algumas empresas, de acordo com os médicos que esta reportagem ouviu.
A princípio, as flores de canabidiol não são psicoativas, mas quando recebem o spray contendo a molécula sintética do delta-8, produzem o efeito do uso recreativo.
Hoje, a planta in natura pode ser importada, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada RDC 660 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), de forma legal – por pacientes que têm prescrição médica e autorização de importação da Anvisa.
Fake news sobre as flores
Nas redes sociais, circulam anúncios e propaganda, incentivando usuários a trocar a maconha ‘prensada’ pela importação legal da planta in natura, fazendo uma alusão ao uso adulto, ainda criminalizado no país.
De outro lado, também proliferam vídeos de pacientes insatisfeitos com a qualidade das flores importadas. As publicações, que viralizam na internet, podem colocar em risco a credibilidade da terapia canabinoide, na avaliação dos especialistas.
“A terapia canabinoide não pode ser confundida com o uso recreativo da planta. Estamos trabalhando com seriedade, para tratar o paciente com produtos de grau farmacêutico, com dose e nanotecnologia. Isso é muito sério! Não há espaço para faturar em cima da saúde do paciente”, alerta Marcelo Galvão, presidente da TegraPharma.
Qualidade das flores e do delta-8 é questionada por pacientes
“Estou fazendo isso, porque eu sei que faz mais ‘mau do que bom’. Entendeu? Isso aqui é lixo! Plantas totalmente oxidadas, com gosto de velho. Você jamais veria isso sendo vendido nos Estados Unidos como remédio. E eles estão mandando pra cá lixo como remédio”.
O relato em vídeo, que viralizou nas redes sociais, é de um paciente que importou flores de delta-8 THC. Na gravação, em que o homem não mostra o rosto, ele questiona a qualidade do produto, joga tudo na privada e dá descarga – literalmente.
Recentemente, o aumento no número de prescrições de flores com delta-8 THC e propagandas que desvirtuam o uso medicinal da Cannabis chamam a atenção de algumas instituições médicas, como a APMC e a Ambcann, que veem com restrição a eleição do produto in natura para vaporização, como prescrição.
Alternativas de ação rápida
“Já existem alternativas, como o uso sublingual e até o spray nasal, na forma farmacêutica, com uma resposta de ação muito rápida e eficiente”, avalia a médica Jackeline Barbosa, segunda secretária da Ambcann.
Para a médica, os produtos precisam assegurar os aspectos de segurança e eficácia, em primeiro lugar, ao paciente. Do contrário, há riscos para o tratamento.
“Há cerca de um ano, o FDA emitiu carta de alerta a diversas empresas americanas, em face do alto número de eventos adversos, associados ao uso de produtos, sem regulação, que contêm delta-8. Por isso, estamos replicando esse material”, afirma a médica.
O diretor científico da APMC também afirma que o uso vaporizado ou fumado da erva traz prejuízos aos tecidos moles do pulmão, boca, laringe e faringe. Portanto, há outros meios mais eficientes de tratar os pacientes, na visão do Dr. Flávio.
Delta-8 não é aprovado pelo FDA
Apesar de o delta-8 ser comercializado livremente nos Estados Unidos, o FDA, que se assemelha à Anvisa no Brasil, não avaliou e nem aprovou a segurança dessas formulações, conforme informativo publicado na página oficial da instituição.
“A FDA está ciente das crescentes preocupações em torno dos produtos delta-8 THC, atualmente vendidos on-line e nas lojas. Esses produtos não foram avaliados ou aprovados pelo FDA para uso seguro, em nenhum contexto”, diz a publicação.
Para a agência reguladora norte-americana, as formulações e rotulagem do produto podem oferecer riscos aos pacientes, por não conter, especificamente, as concentrações exatas de delta-8 THC, terpenos e outros canabinoides não mensuráveis.
Propaganda enganosa
Para piorar, muitas empresas, segundo o FDA, têm rotulado as embalagens apenas como ‘produto de cânhamo’. A informação superficial pode enganar os consumidores, que associam o ‘cânhamo’ a formulações não psicoativas, orienta o órgão.
A agência reguladora dos Estados Unidos também demonstra preocupação com a venda de produtos que contêm delta-8 THC para fins terapêuticos ou médicos, sem que estejam de acordo com os critérios de segurança do FDA.
“A venda de produtos sem aprovação, com alegações terapêuticas sem fundamento, não é apenas uma violação da lei federal, mas também pode colocar os consumidores em risco. Em resumo: não há prova de que esses produtos são seguros ou eficazes”.
Para a FDA, esse marketing enganoso – de tratamentos sem comprovação – é uma questão de saúde pública, uma vez que pacientes podem substituir esse tipo de produto por terapias que já têm aprovação, para tratar doenças graves e até fatais.
2.362 casos de intoxicação com delta-8
De acordo com o FDA, entre o dia 1º de janeiro de 2021 e 28 de fevereiro de 2022, os centros nacionais de controle de envenenamento dos Estados Unidos receberam 2.362 casos de intoxicação envolvendo o consumo de delta-8 THC.
O levantamento demonstrou que 4 em cada 10 casos de intoxicação envolveram exposição não intencional à molécula e 82% dessas exposições não intencionais afetaram pacientes pediátricos.
Por outro lado, nos EUA, o delta-8 tem sido adicionado a produtos alimentícios, como bolos, balas e gomas. Guloseimas atrativas para crianças e pets.
O FDA ainda relatou a morte de um menor, após ter contato com a substância (não há dados que comprovem a relação causal com a morte). Dos que relataram reações adversas, 70% precisaram passar por avaliação clínica e 8% de internação na UTI. Dentre os que precisaram receber avaliação, 45% dos pacientes eram crianças.
“Há relatos que vão desde problemas cardiovasculares, a infarto, crises de ansiedade, crises psicóticas. Enfim, é uma molécula que possui os mesmos efeitos colaterais do delta-9 THC. Então, seu uso deveria receber o mesmo cuidado. De preferência, na minha opinião, não deveria ser objeto de prescrição e nem entrar no Brasil”, afirma a médica Hounie.
Efeitos intoxicantes do delta-8
O informativo do FDA corrobora com a informação de que o delta-8 proporciona efeitos psicoativos e intoxicantes, semelhantes ao delta-9 THC.
Isso porque a quantidade natural de delta-8 THC no cânhamo é muito baixa e são necessários produtos químicos adicionais, para converter outros canabinoides, como o CBD (canabidiol), em delta-8 THC.
Outra possibilidade para a psicoatividade negativa, frequentemente comum em usuários de canabinoides semissintéticos, pode ter relação às altas concentrações de canabinoides nesses produtos, como explica o médico e estudioso da Cannabis, Ricardo Ferreira.
Altas doses de delta-8 THC
“Já encontramos produtos que contêm 50 mg de delta 8 THC por dose, cápsula ou goma de mascar. Portanto, mesmo que, teoricamente, o delta 8 THC tenha uma potência menor, a alta quantidade de miligramas por unidade pode aumentar o risco de efeitos desagradáveis”, relata Ferreira.
Apesar de o delta-8 THC possuir uma ação semelhante ao Delta-9 THC natural, com potência psicoativa menor (de 1/3 a metade) do que o delta 9 THC, Ferreira explica que o problema das moléculas análogas, convertidas em laboratório, é que elas podem se transformar em outras substâncias que interagem com o sistema endocanabinoide.
“Como essas moléculas não são conhecidas e nem mensuradas podem causar efeitos inesperados indesejados nos consumidores”, afirma o especialista.
Em fevereiro desse ano, a Agência Antidrogas dos EUA (DEA) publicou informativo, afirmando que as formas sintéticas que vêm do cânhamo de THC não atendem à definição federal de cânhamo e, portanto, são substâncias que exigem controle.
O que dizem os médicos?
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Dra. Ana Hounie, psiquiatra presidente da Ambcann.
“O Delta-8 vendido no mercado é uma molécula sintética, de laboratório, que vem do CBD (canabidiol). Em geral, as pessoas que buscam o tratamento com a Cannabis, estão procurando algo que consideram natural. Então, não faz muito sentido prescrever uma molécula sintetizada em laboratório”
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Dra. Jackeline Barbosa, segunda secretária da Ambcann.
“Eu vejo com reserva a prescrição de flores, porque já há alternativas terapêuticas com regulamentação, que podem ser ministradas com mais segurança. Ainda que o médico prescreva a vaporização, onde o paciente vai comprar o dispositivo que vai usar para vaporizar? Os vaporizadores não são legais no Brasil. Então, como regra, a vaporização não deveria ser item de prescrição médica”.
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Dr. Mario Grieco, médico estudioso da Cannabis.
“Tanto o Delta-8, como o Delta-9 causam euforia e o popular ‘barato’. Para alguns, há relatos de paranoia, ansiedade, embora esses efeitos no Delta-8 sejam mais leves. Não existem evidências científicas que avaliam o impacto do Delta-8 na saúde das pessoas. São inúmeros os relatos anedóticos no tratamento da depressão, náusea, aumento de apetite, alívio da dor, melhora da saúde mental, prevenção de vômitos durante o tratamento de câncer e várias outras indicações. Tem havido relato de alguns efeitos colaterais, como: confusão, ansiedade, boca seca, bradicardia, hipotensão entre outras”.
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Dr. Ricardo Ferreira, médico especialista em dor e prescritor da Cannabis.
“Uma das principais razões para a existência de produtos contendo Delta 8 THC é a existência de uma brecha legal no marco regulatório dos EUA. Essa brecha permite a venda de produtos derivados da Cannabis, que possuam menos de 0,3% de THC natural. Empresários identificaram essa oportunidade para produzir e comercializar produtos de venda livre, que ofereçam um potencial psicoativo similar ao da planta da Cannabis. Essa estratégia é especialmente relevante em estados onde se considera a Cannabis é uma substância controlada ou até mesmo proibida”.
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