Luiz Gustavo sofria espasmos tão fortes que não conseguia nem sequer comer sozinho. A vida dele e da mãe mudaram com o tratamento à base de CBD e THC
Aos seis anos de idade, o catarinense Luiz Gustavo teve sua primeira crise. Por quatro minutos, os músculos do corpo todo pareceram ganhar vida e vontade próprias. Eram espasmos. Seria a primeira de muitas crises. Mas levaria tempo até a família chegar ao diagnóstico: síndrome de Tourette.
A primeira ida ao médico aconteceu ainda antes, aos quatro anos. Naquela fase, Guga, como a mãe o chama, apresentava tiques involuntários, popularmente chamados de cacoetes, que iam e vinham. Mas nenhum doutor de Florianópolis (SC), onde moram, levou os sinais a sério. Era só uma fase, passaria. E sempre passava mesmo.
Até que a crise mais séria chegou. Os espasmos deixavam o menino exausto, as contrações eram violentas. E se repetiram por vários dias seguidos. Só então um neuropediatra finalmente diagnosticou a Tourette.
Só que a situação não melhorou. As crises chegavam a durar 40 minutos, o tempo de Miriam dirigir de Palhoça, município onde ela mora, até o hospital em Florianópolis com o menino convulsionando até ser sedado. Guga passou a fungar forte e teve o que os médicos chamam de ecolalia (a pessoa repete várias vezes uma palavra ou frase que acabou de ouvir). Além dos tiques, espasmos e a ecolalia, ainda sofreria de de transtornos psicológicos. Teve TOC (transtorno obsessivo compulsivo), TOD (transtorno opositivo desafiador) e hiperatividade.
Coquetel de medicamentos
Em resposta, os médicos receitaram remédios de todos os tipos: anticonvulsivos, antidepressivos e drogas para esquizofrenia. Guga ficava constantemente cansado, dormia demais, não tinha apetite. Mais faltava do que ia às aulas e sua mãe, Miriam Mafra, abandonou o restaurante que tinha para acompanhar o filho.
Para piorar, além dos remédios não serem muito eficazes, eles tinham que ser trocados depois de alguns meses, pois deixavam de fazer qualquer efeito. Como muitas mães, Miriam se sentia impotente. Apenas assistia ao sofrimento do filho, sem ver qualquer melhora com o tratamento. A Síndrome de Tourette não tem cura, nem remédio específico.
Em desespero, Miriam pesquisava pela internet sobre a síndrome e qualquer tratamento alternativo que pudesse ajudar, quando descobriu os óleos à base de Cannabis.
Saída pela Cannabis
Só tinha um problema: o medicamento feito com Cannabis ainda não era liberado no Brasil. Miriam esperou a regulamentação da Anvisa, que saiu em dezembro do ano passado, para falar com o médico do filho a respeito do tratamento com canabidiol. A resposta do neuropediatra foi curta: não. Miriam quis saber a razão, mas só recebeu de volta o silêncio do médico.
Por sorte, a irmã de Miriam conhecia uma ONG em Florianópolis, a Santa Cannabis, que difunde os benefícios do uso da Cannabis. E foram eles quem indicaram um neurologista prescritor de Cannabis para Miriam.
Guga reduziu os sinais de irritação pouco tempo depois de começar a tomar o óleo de CBD e THC. A gagueira também parou – no quarto dia, falava normalmente. Depois, foram desaparecendo os espasmos, os tiques, a indisposição, as dores no corpo. Até mesmo o sono melhorou.
Outros efeitos inesperados surgiram. “O óleo melhorou inclusive os efeitos colaterais da risperidona”, conta Miriam. O medicamento tradicional provocava surtos de violência e cansaço extremo, que diminuíram. Com o tempo, o óleo permitiu inclusive que a dose do medicamento fosse reduzida pela metade.
Vida nova
Os óleos também mudaram a vida de Miriam. Antes, os tiques severos de Guga o impediam de fazer qualquer atividade sozinho. Nem comer dava, porque os espasmos de pescoço e cabeça eram violentos. “Precisava de mim para quase tudo”, diz a mãe. Com a vida regularizada, ela voltou a trabalhar (parou recentemente de novo por causa da pandemia), Hoje, Guga tem mais disposição e alegria. Nunca repetiu de ano, porque, apesar de todas as dificuldades, tem facilidade de aprendizado. Mas agora pode desenvolver totalmente suas capacidades.
Sabe-se que as chances de cura para Tourette são poucas, por isso o menino talvez precise da Cannabis para o resto da vida. Miriam sabe disso, mas fica feliz. Até porque só conseguiu detectar um único efeito colateral do CBD: o grande apetite que Guga passou a ter.