Thaís Perlingeiro já saiu da faculdade atrás de práticas diferentes. Achava a medicina muito protocolada, queria agregar conhecimento e ter uma abordagem mais integrativa. Escolheu a pós-graduação em endocrinologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) por ter uma boa base de conhecimento em metabolismo. Fez cursos de fisiologia e modulação hormonal, medicina integrativa, paliação e obesidade e acabou focando em doenças autoimunes.
Em 2017, saiu do Rio de Janeiro para São Paulo para fazer um treinamento com Cícero Galli Coimbra, o neurologista que desenvolveu o protocolo Coimbra. A base do tratamento são altas doses de vitamina D para parar a progressão de doenças autoimunes, e Perlingeiro adotou o método que não usa remédios alopáticos.
Na mesma época, voltou sua atenção à Cannabis medicinal para tratar doenças crônicas como dores, artrite reumatoide, autismo, dermatite atópica, esclerose múltipla, doenças de tireoide, adrenal, diabetes tipo I. Interessada no fitoterápico, Perlingeiro procurou sites americanos, pesquisas da Califórnia e do Canadá.
“Para mim foram os pioneiros”, diz. Ela queria saber quais doenças eram o foco, como as pesquisas eram direcionadas, sempre com olhar crítico. “Meu maior medo era que fosse confundida como a (Cannabis) usada para diversão e também da crítica da classe médica”, diz a endocrinologista, que quis se certificar de que o uso estivesse bem fundamentado.
Confiança na Cannabis
Em 2019, Perlingeiro entrou na clínica Gravital com o amigo de faculdade Pietro Vanni. Juntos, fizeram cursos onde conseguiram mais fundamento e segurança para finalmente receitar Cannabis.
Muitos de seus pacientes já chegam depois de terem tentado várias terapias. Alguns com diagnóstico montado, mas mesmo assim Perlingeiro pesquisa a anamnese e faz várias perguntas, independente da patologia, para se certificar. Avalia se tem aplicação para tratar com Cannabis: “Tem muita doença que temos certeza que não vai melhorar tanto assim, apesar das pesquisas estarem andando. Sou sincera”, diz, apesar do uso da Cannabis não representar grandes riscos.
Geralmente associando tratamentos fitoterápicos, hormônios e suplementos naturais. Procura agir em diversas frentes, mas costuma avaliar exames e o diagnóstico antes de receitar qualquer coisa. Só se o paciente tiver câncer e estiver fazassociaendo quimioterapia, ou com dores fortes ele já sai com a Cannabis prescrita.
A endocrinologista diz que, na clínica, estão no caminho inverso da medicina tradicional por conta da visão integral dela e dos outros dois médicos – um psiquiatra e um neurologista – que atendem lá. “A doença psiquiátrica ou neurológica pode ser ajudada pelo endócrino, trocamos ideia na clínica”.
Experiência
Com a telemedicina, eles passaram a atender pacientes no interior e outros estados, ampliando o acesso. Os produtos prescritos variam bastante, apesar de Perlingeiro já ter algumas empresas de preferência por terem certificação e serem seguros.
Com a experiência, ela foi descobrindo que alguns óleos funcionam melhor para determinadas patologias e sobre a composição dos óleos de cada marca. Na Gravital, a condição financeira do paciente é levada em consideração, mas o primeiro critério para inclusão de um óleo na lista de opções é que tenham certificado de segurança.
Perlingeiro prescreve Cannabis para quase 80% de seus pacientes, que chegam pelo protocolo Coimbra. Como trata-se de um protocolo metabólico e demora para fazer efeito, ela associa a Cannabis para que eles tenham uma melhora mais rápida, principalmente os que têm dor. “Artrite reumatoide melhora muito, e o sucesso é de 80% em poucos dias”.
Por conta da demora do efeito da suplementação, a endocrinologista consegue medir o sucesso rápido que a Cannabis promove. Também usa suplementação, vitaminas, lactobacilos e hormônios, e dificilmente usa medicação sintética, tratando dessa forma as principais queixas que recebe: dor, ansiedade e qualidade do sono.
Como lida com pacientes adultos, Perlingeiro não faz muitos ajustes: começa com doses mais baixas e vai aumentando até encontrar a dose certa para cada paciente, lembrando que a absorção e aproveitamento dos canabinoides depende de como é a digestão, se o paciente tem doenças associadas e se toma outros medicamentos.
A segurança para prescrever está nos resultados
Focada na queixa do paciente, e em sua melhora e bem-estar, Perlingeiro não tem medo de prescrever Cannabis para uma patologia ainda não tão pesquisada: “A minha segurança é nos resultados, e a comprovação é a clínica”. Mesmo com muita segurança nos tratamentos, ressalta que tem que haver o mínimo de embasamento, de saber o por que está usando a Cannabis. Se achar que será uma ferramenta para ajudar o paciente a melhorar, ela receita. “Muita gente tem medo, eu vejo muito médico colocando imunossupressor, mas com medo de dar vitamina e Cannabis”, lamenta.
Além do arsenal variado e natural, também orienta em aspectos da vida e dos hábitos do paciente. Sugere meditação, exercícios físicos, estimula a curiosidade, que os pacientes entendam e pesquisem sobre sua saúde. Perlingeiro pede que seus pacientes façam um diário: “As pessoas não têm costume de se auto observar”, e ajuda fazendo uma lista de pontos como dor, ansiedade, período menstrual, que o paciente pontua de zero a dez.
Cannabis como adjuvante
Como seus pacientes são fiéis, a endocrinologista planeja ter o suporte de um terapeuta para fazer acompanhamento semanal, e gostaria de explorar e pesquisar mais sobre outros usos da Cannabis. Pouco explorado, ela pretende investigar o uso para a saúde da mulher, com aplicações em menopausa, cólicas, endometriose, trava sexual. Outra curiosidade é para tratamento com diabetes tipo I, pois conta que já conseguiu diminuir insulina em dois pacientes. “Parece que aumentou a absorção da insulina”, comenta, ponderando se essa melhora na absorção foi devido à homeostase que a Cannabis promove.
A endocrinologista usa a planta como adjuvante em diversas doenças, sempre com foco em desmamar os remédios alopáticos nos pacientes, principalmente os polifarmácia (que fazem uso de muitos medicamentos). Em geral, vai diminuindo gradativamente e com muito cuidado: “Principalmente para pacientes neurológicos e psiquiátricos, vou tirando aos poucos e avaliando”. Ela conta que consegue diminuir pelo menos 50%, e lembra do benefício de menos interações medicamentosas. “Pacientes idosos com queda de pressão e desmaios, muitas vezes são causados pela polifarmácia”, diz.
“Tem que ir na base, não tem jeito”. Ela conta do paciente que tinha doença de Crohn. Depois de ter tomado imunobiológicos sem sucesso, a anamnese foi a solução: descobriram que ele tinha uma deficiência de enzimática e só a reposição foi suficiente para a melhora. “Inibir os sintomas é calar o corpo”, diz Perlingeiro.