Conflito aumenta: Suprema Corte X Congresso Nacional. Em reação a possível descriminalização do porte de maconha para consumo, Congresso se movimenta, para mudar a Constituição e punir com cadeia e até multa quem for pego portando e consumindo drogas
Em contrapartida, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, marcou para o dia 17 de agosto, próxima quarta-feira, a continuidade do julgamento, que analisa se o artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006) – que criminaliza o usuário – é inconstitucional.
Placar favorável à descriminalização
Até agora, dos 11 ministros que compõem a Corte, quatro já votaram pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Primeiramente, o relator, Gilmar Mendes, que votou por não criminalizar o porte de qualquer tipo de droga.
Na sequência, os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso votaram para restringir a descriminalização do porte apenas para a maconha, uma droga de menor poder ofensivo, na opinião dos magistrados.
Por último, o ministro Alexandre de Moraes votou para garantir ao usuário o direito de portar de 25 a 60 gramas de maconha ou até seis plantas fêmeas, sem que seja criminalizado por isso.
Congresso contra-ataca
Como uma resposta imediata, deputados e senadores – suportamente conservadores – se movimentaram para frear a atuação da Suprema Corte. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo a provocou a intervir, frente à possível inconstitucionalidade de parte da Lei de Drogas.
Nessa quarta-feira, o deputado federal Sargento Gonçalves (PL/RN) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para “erradicar o tráfico, a produção, a posse, o porte, e o consumo de drogas ilícitas”, com o apoio de 176 parlamentares, cinco assinaturas a mais do que o necessário para propor uma mudança na Lei maior.
A proposta, que já ganhou o apelido “PEC de combate às drogas”, precisa de ampla maioria para ser aprovada. Para mudar a Constituição, o texto precisa ser aprovado em duas votações, tanto na Câmara, como no Senado, com pelo menos três quintos dos votos dos deputados (308 dos 513) e dos senadores (49 dos 81).
Plebiscito
O deputado Gonçalves, que atuou como polícia militar durante 18 anos, também propôs um plebiscito, para ouvir a população sobre o tema.
“O povo brasileiro é a favor da legalização das drogas? O povo brasileiro é a favor do aborto? Porque se o povo decidir em plebiscito, aí eu vou abrir o jogo, eu vou desistir de combater, porque vai ser uma decisão democrática”, afirmou o político.
O deputado também criticou a resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – aprovada de forma coletiva, no dia 20 julho de 2023 -, que prevê para o Plano Plurianual 2024–2027 e para o Plano Nacional de Saúde 2024–2027 a legalização do aborto e o cultivo da maconha no Brasil.
“É uma vergonha essa ministra Nísia Trindade assinar essa resolução desse Conselho de Saúde, que em nada tem legitimidade para representar o povo brasileiro. Quem tem legitimidade para representar o povo brasileiro são esses 513 deputados e 81 senadores. Ou então, meus votos não valeram, eu vou entregar o mandato e volto para casa”, atacou o parlamentar.
Prisão e multa para usuário?
Na semana passada, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou um Projeto de Lei (PL ) que prevê prisão e multa para os usuários que usarem ou portarem substâncias ilícitas.
O texto, aprovado pelo colegiado, determina detenção de dois a quatro anos, para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para uso pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.
Senado vai pautar a discussão
Na casa vizinha, o senador Efraim Filho (União-PB) apresentou requerimento, para que o Senado discuta a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O pedido veio logo depois que o ministro do STF, Gilmar Mendes, liberou a retomada do julgamento sobre o caso.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, criticou o atuação da Suprema Corte. Na visão do político, tem usurpado o direito constitucional do Congresso de legislar.
“Houve, a partir da Lei Antidrogas (11.343/2006), uma opção política de prever o crime de tráfico de drogas com a pena a ele cominada. Da mesma forma, de prever também a criminalização do porte para uso de drogas”, contestou.
Há invasão de poderes?
O jurista Cristiano Marrona, diretor do Justa, lembra que desde o século XVIII, quando Montesquieu criou a teoria da tripartição dos poderes – a partir da ideia de harmonia e freios e contrapesos -, houve a convenção de que cabe ao Legislativo criar normas e ao Judiciário, realizar o controle de constitucionalidade delas.
“A ofensiva do Congresso contra o Supremo está sendo patrocinada pelo mesmo grupo político que propaga ódio e ataca a democracia nos últimos anos. Analisar a constitucionalidade da incriminação da posse de drogas para uso pessoal é função típica de Cortes Constitucionais. Inclusive, nos últimos anos, as Supremas Cortes da Argentina, da Colômbia, do México e da África do Sul, entre outros, fizeram isso”.
Para Marrona, a ofensiva do Congresso contra o STF, na questão da descriminalização, é puro ‘jus sperniandi’, ou seja, o direito de espernear.
Drogas, quanto custa proibir?
O projeto ‘Drogas: Quanto Custa Proibir’, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, revela os impactos orçamentários para implementar a política de combate às substâncias ilícitas no Brasil.
De acordo com o levantamento, em apenas um ano, os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo gastaram R$5.2 bilhões com Polícia Militar, Polícia Civil, Sistema Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo para implementar a Lei de Drogas.
Outros números
Em 2019, a polícia brasileira matou mais de 6.300 pessoas, segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Entre os mortos, 79% eram negros.
Atualmente, 32% dos crimes cometidos estão relacionados à Lei de Drogas. A mudança legislativa, em 2006, promoveu uma explosão no número de prisões, como demonstra o levatamento. Entre 2000 e 2020, a população carcerária cresceu 226%.
Para Julita Lemgruber, que está à frente projeto, é importante que a sociedade civil organizada conheça esse tipo de cifra. Assim, vai poder opinar onde quer que haja investimento do dinheiro público.
Custo social
“Se a gente pudesse escolher, talvez a gente escolhesse que esse 5.2 bilhões fossem para construção de escolas e hospitais. O Brasil tem uma dívida social imensa. Precisamos pensar em como utilizar o orçamento público. O suposto combate às drogas tem um custo orçamentário que recai sobre o bolso do contribuinte”, alerta Lemgruber.
Para Julita, pior do que a má aplicação do recurso público é o custo social da criminalização das drogas. “O Brasil tem uma taxa de letalidade altíssima. A grande maioria morta é de pobres, negros e moradores de favelas. Esse é o custo humano, custo da dor imposta às famílias e às mães”, lamenta.
Precisa de tratamento?
O uso medicinal da Cannabis no Brasil já é regulado pela Anvisa, desde que haja prescrição médica. Na nossa plataforma de agendamentos, você pode marcar uma consulta com um profissional da saúde que tem experiência no uso dos canabinoides.
Acesse já! São mais de 250 opções de várias especialidades.