O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir nesta quarta-feira (11) se o poder público fornecerá canabidiol para o tratamento de Natan Dantas dos Santos, de 6 anos, que sofre com epilepsia. Como o decisão tem repercussão geral, o resultado deverá ser aplicado por outros juízes em processos semelhantes.
A ação chegou ao Supremo em outubro de 2018, quando o medicamento ainda não tinha registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em dezembro de 2019, o órgão aprovou a venda de produtos à base de Cannabis com prescrição médica.
O processo foi ajuizado na primeira instância do Judiciário pela enfermeira Paula Alexandra Ferreira Dantas quando o segundo filho dela, Natan, tinha 2 anos. Ele nasceu com microcefalia e tinha risco diário de morte, segundo parecer médico anexado à ação.
O diagnóstico é de encefalopatia crônica por citomegalovirus congênito com epilepsia intratável. Natan já chegou a ter 150 convulsões por dia, segundo o jornal O Globo. A situação só foi revertida quando a criança começou a ser tratada com o canabidiol importado em 2015.
Graças a uma liminar, Natan recebe o medicamento do governo de São Paulo. Na época, o canabidiol não tinha registro no Brasil, mas a Anvisa autorizava a importação do produto para casos de epilepsia e autismo, por exemplo.
O STF vai julgar um recurso do governo paulista. O argumento é de que o poder público não pode ser obrigado a fornecer um remédio que, à época, nem sequer tinha registro na Anvisa. O estado também alegou o “custo extremamente elevado” da substância. A repercussão geral não é para o caso específico de canabidiol, mas para todo paciente que precisar que o Estado forneça medicamento importado sem registro no Brasil.
Julgamento é um marco
Para o advogado Arthur Arsuffi, mestre em Direito Processual e especialista em assuntos relacionados à Cannabis medicinal, o julgamento dessa ação pelo STF é um marco em relação ao tema.
“A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, o legislador buscou criar uma força vinculante das decisões proferidas pelos tribunais superiores que, ao julgar determinado tema dentro de mecanismos específicos (como o Recurso Extraordinário), fica um precedente que deverá ser observado por todos os juízes do país, ao julgarem casos parecidos. Nesses casos, como regra, o juiz somente poderá deixar de seguir o posicionamento do STF, se o caso concreto tiver diferenças muito grandes em comparação ao julgado pelo Supremo ”, explica.
Arthur detalha ainda que o Brasil adota um sistema misto de controle de constitucionalidade (concentrado e difuso). No controle difuso, qualquer processo pode chegar ao Supremo, desde que o tema tenha cunho constitucional e repercussão geral. O caso que será julgado hoje chegou Supremo via recurso extraordinário, após por ter passado por todas as instâncias e por ter um apelo nacional.
“Quando a matéria tem a capacidade de transcender à relação jurídica entre a pessoa da ação e pode impactar um um maior número de pacientes, por exemplo, ela acaba sendo ‘escolhida’ para votação no STF. Até porque, nesse caso, existe o direito à vida, à saúde”, pontua.
O que pode acontecer hoje
Arsuffi também explica que a ação pode ser votada hoje, mas, caso haja vaga alguma dúvida, pode haver o pedido de vistas por algum ministro, que é quando um magistrado decide estudar melhor o caso, sem um prazo certo para retornar à questão a Julgamento.
Outra possibilidade é que, mesmo com o pedido de vistas, o Supremo possa dar a tutela provisória e determinar o fornecimento do medicamento, o que não é comum, para o caso específico de Natan e, depois, decidir de modo mais amplo.
No processo, todos os estados brasileiros se apresentaram como interessados na causa, já que as liminares judiciais desse tipo estão espalhadas pelo Brasil. A defesa de Natan alegou que “a efetivação do direito à saúde, garantido na Constituição, ampara-se na competência comum e na responsabilidade solidária entre União, estados e municípios”.
No ano passado, quando a reportagem da Época entrevistou a família, as crises tinham diminuído para cerca de cinco espasmos por dia. A família afirma que não tem condições de arcar com a despesa do tratamento — que, segundo a mãe, custava cerca de R$ 30 mil por ano.