“Se tem alguém que o óleo não está chegando, que parou na alfândega ou perdeu o fornecedor, a gente se vira pra conseguir, liga para a advogada, pede uma doação. Se uma mãe precisa de uma cadeira de rodas, a gente vai atrás”, conta a enfermeira aposentada Margarida Lagame
Como o estado brasileiro insiste em permanecer dificultando o acesso à Cannabis medicinal, sobretudo para pessoas mais carentes, famílias começam a se mobilizar para que não falte óleo a ninguém. Foi nesse espírito que, depois de passar por muitos perrengues para tratar o filho adulto com epilepsia, uma carioca de 71 anos decidiu unir forças com outras mães. Assim, surgiu um grupo de ajuda que o nome já diz tudo: é o SOS Cannabis.
“Eu me coloco no lugar dessas mães e lembro tudo o que passei com o Pedrinho, então eu tento ajudar do meu modo”, conta a enfermeira aposentada Margarida Lagame, a mãezona do projeto.
Com menos de um ano, o SOS Cannabis já conta com cerca de 400 mães em 64 grupos locais espalhados pelo país.
“A Margarida já me salvou uma vez. Ela encheu um vidrinho do Theo. Eu estava desesperada, e ela compartilhou o remédio do filho dela comigo. Foi emocionante”, lembra a cineasta Rita Carvana, mãe de um menino que também sofre com epilpsia.
“Se tem alguém que o óleo não está chegando, que parou na alfândega ou perdeu o fornecedor, a gente se vira pra conseguir, liga para a advogada, pede uma doação. Se uma mãe precisa de uma cadeira de rodas, a gente vai atrás”, conta Margarida.
A advogada que a Margarida se refere é a Ana Izabel de Hollanda, especialista em Direito da Saúde e mestre em saúde coletiva. Ela presta auxílio jurídico – sem custos – para o acesso a medicamentos derivados de Cannabis a todas as famílias sem condições financeiras.
“A Margarida é uma querida. Ela é muito acolhedora. Então todo mundo procura ela. Até mesmo de madrugada, as mães choram. E é tudo que é problema. Ela meio que virou uma psicóloga nesse meio. Mas quando procuram ela pedindo um auxílio jurídico, daí ela me chama. O meu foco de atuação é o acesso ao tratamento através dos plano de saúde e União (SUS)”.
Caso a mãe esteja buscando o direito de plantar através de Habeas Corpus, a Margarida ou a Ana encaminham para a as Rede Reforma, um coletivo de juristas responsável pela maior parte das quase 100 decisões judiciais favoráveis a pacientes que cultivam o próprio remédio no país.
“Pelo meu filho eu vou até na boca de fumo”
O Pedrinho tem 34 anos, mas a Margarida só descobriu que a Cannabis poderia ajudar no tratamento do filho em 2014.
“Você vai ouvindo as pessoas falarem nesses grupos de doenças raras. Um dia, eu estava numa manifestação dos raros (portadores de doenças raras), e uma mãe estava dando medicação pra filha. Eu senti na hora o cheiro e perguntei se era maconha. Ela era médica, nós conversamos e ela me explicou tudo. Mas quando eu falei com a médica do Pedrinho, ela respondeu ‘Deus me livre’. Então eu falei pra ela que pelo meu filho eu vou comprar até na boca.
Apesar da promessa, a Margarida ficou com medo de buscar a maconha do tráfico. Mas mandou uma amiga. Com o prensado na mão, ou o bagulho, como chamam os cariocas, ela fez a extração. Comprou todos os equipamentos, de panela elétrica a gelo seco. Mas o produto final ficou muito escuro, bem diferente daquele óleo da médica que ela conheceu no protesto.
Ela partiu então para o óleo da Abrace, associação de pacientes da Paraíba autorizada a cultivar. Porém o Pedrinho não se adaptou. A saída foi a medicação importada.
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É um carro zero importado todo ano!
“Mas eu importava sem autorização da Anvisa, mesmo. Como se fosse traficante! Eu não tinha medo”, lembra.
Foi esse óleo importado que deu certo para o Pedrinho ficou bem. Assim que conseguiu a autorização da Anvisa, a Margarida foi sozinha até a Defensoria Pública da União e conseguiu ja Justiça que o SUS pagasse o óleo do Pedrinho.
“Só assim mesmo, porque é um carro zero importado por ano o óleo dele!”
Durante essa luta, a Margarida se associou na ONG Apepi, e esse espírito acolhedor da mãezona transformou ela numa referências para as pacientes. Mas a associação não estava dando conta de atender tanta gente que chegava até ela.
“Me doía ver uma mãe pedindo um óleo e ter que esperar, eu não poder ajudar”. A Margarida continua associada da Apepi, mas entendeu que precisava fazer algo diferente para ajudar mais famílias.
Em dezembro do ano passado, então, foi criado o SOS Cannabis e no mês seguinte o SOS Mães. São basicamente grupos no WhatApp e Telegram mas que fazem bastante diferença na vida das famílias. As mães que quiserem fazer parte de algum grupo, basta procurar a iniciativa no Instagram da SOS Cannabis.
A Margarida Lagame a advogada Ana Izabel Hollanda serão painelistas do Medical Cannabis Summit em agosto. O evento é online e gratuito. Organizado pela OnixCann e a TD Digital, reunirá cerca de 40 profissionais de saúde, direito e sociedade civil. Faça sua inscrição aqui.