Pesquisadora da UnB propõe nova regulação para o uso industrial do cânhamo no Brasil, modelo já é adotado pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários
Você já ouviu falar em Sandbox? Sandbox é o nome dado a um instrumento de regulação experimental, criado com a finalidade de suspender temporariamente a obrigatoriedade de cumprir as normas em vigor para atuação de determinados setores, permitindo que empresas possam usufruir de um regime diferenciado para lançar produtos e serviços inovadores com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos durante um determinado tempo.
Para suprir o vazio regulatório sobre o uso industrial da fibra da Cannabis no Brasil – o chamado de cânhamo – a advogada e pesquisadora, Natalie Catarina Lima, desenvolveu um estudo propondo o modelo de Sandbox para regular – de forma experimental – o mercado do cânhamo no país. De acordo com Natalie, esse tipo de regulação reconhecida internacionalmente e aprovada pelo Ministério da Economia já é utilizada pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“Nesse modelo, o poder público estabelece regras específicas, seleciona as empresas participantes e observa como o mercado se comporta, para então desenhar uma regulação que traga segurança e que também seja eficaz sob o ponto de vista do mercado. É a sociedade civil organizada e o setor privado coordenando esforços para estimular o poder público e os legisladores a regularem – de forma abrangente e responsável – o mercado do cânhamo industrial aqui no Brasil”, propõe Lima.
Muitos não sabem, mas o cânhamo é uma subespécie da Cannabis, sem níveis consideráveis de tetrahidrocanabinol (THC), substância responsável pelos efeitos psicoativos da maconha (uma outra subespécie da Cannabis) e possui mais de 25 mil aplicações na indústria que vão desde o uso na construção civil à indústria automotiva, passando pela tecelagem e produção alimentícia, para citar alguns exemplos. Apesar de existir regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o uso medicinal da planta no Brasil (RDC 327/2019 e RDC 660/2022), a produção para fins industriais não é regulamentada no país.
Antes de propor o projeto de regulação Sandbox para o cânhamo, Natalie Lima diz que procurou a Anvisa, o Ministério da Economia e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com o objetivo de conhecer a regulamentação vigente sobre o cânhamo. Segundo Lima, as respostas dadas pelos três órgãos demonstraram aquilo que o mercado já percebe há um certo tempo: “Para a Anvisa, cânhamo deriva da Cannabis, então qualquer uso industrial é proibido. O Ministério da Economia apresentou as normativas relativas à importação do cânhamo, principalmente para industrial têxtil. Neste caso, a taxação está prevista e consolidada. Já o MAPA jogou a bola de volta pra Anvisa. Ou seja, o que temos hoje é um vazio regulatório”, lamenta Natalie.
A ideia de apresentar um projeto de regulação como o Sandbox para o cânhamo surgiu quando a então estudante teve a oportunidade de acompanhar a tramitação do Projeto de Lei 399/2015 na Câmara dos Deputados, que versa sobre a regulamentação do cultivo da Cannabis em solo brasileiro para produção medicinal e industrial. “Me interessei pelo tema e desenvolvi um projeto de iniciação científica sobre o ‘Marco Regulatório da Cannabis da Brasil’, sob orientação da professora e advogada Ana Frazão, ex-conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça e Segurança Pública (CADE)”, relembra.
Em seu Trabalho de Conclusão de Curso, orientado pelo professor e Diretor do Núcleo de Direito Setorial e Regulatório da Universidade de Brasília, Márcio Iorio Aranha, a pesquisadora defendeu a necessidade de um novo marco regulatório para o uso do cânhamo no país. “Como o Brasil só regulamenta o uso medicinal da Cannabis e não diferencia o cânhamo, os dispositivos legais criados pela Anvisa são insuficientes no que diz respeito ao uso industrial e à comercialização do cânhamo”, avalia Lima.
Países como a China – maior produtora de cânhamo do mundo – já possuem uma regulação específica para o cultivo da planta, assim como os Estados Unidos que apesar de possuir leis estaduais para regular o mercado da Cannabis para fins médicos e recreativos, nacionalmente possui a chamada “Bill Law” que autoriza o cultivo federal do cânhamo industrial no país.
A partir desse estudo, Natalie pretende agora aprofundar as pesquisas na área em um programa de pós-graduação ou mestrado, aprofundando a contextualização histórica sobre a utilização do cânhamo no Brasil e no mundo. “O uso dessa matéria prima está intimamente ligado a história do nosso país, pois essa matéria prima foi usada para fazer as cordas e as velas das caravelas portuguesas que trouxeram os navegantes europeus ao Novo Mundo. Ou seja, sem o cânhamo não haveria o Brasil”, conclui a pesquisadora.