Atualização de 02/01/21: o padre Antonio Luiz Marchioni (Pe. Ticão), pároco da Paróquia de São Francisco de Assis, do bairro Ermelino Matarazzo, faleceu nesta sexta-feira (1º). Pe. Ticão estava com 68 anos de idade, dos quais 42 como sacerdote. Ele havia sido internado na quarta-feira, no Hospital Santa Marcelina, quando foi diagnosticado com água no pulmão. No primeiro dia do ano, teve uma parada cardíaca e não resistiu.
Religioso ministra um curso de Cannabis em comunidade da zona leste de São Paulo, afirma que as plantas são a “farmácia de Deus” e sonha em tornar o povo independente daquilo que chama de “medicina do mercado”.
O padre Antônio Luís Marchioni, mais conhecido como Padre Ticão, não é só experiente no sacerdócio, mas também na luta em causas sociais. O religioso é hoje um líder comunitário em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, onde fica sua paróquia. E pelo direito à saúde, ele desenvolveu um curso de naturopatia e outro para estudar a Cannabis medicinal – ambos em parceria com a Universidade Federal de São Paulo. Ele sonha em tornar o povo independente daquilo que ele chama de “medicina do mercado”.
O padre Ticão tem uma longa trajetória no sacerdócio: já se vão 42 anos, dos quais 38 à frente da igreja de São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, Zona Leste de São Paulo. Há tanto tempo na região, o padre ficou conhecido pelas lutas que encabeça ao lado do povo, notadamente as causas sociais de moradia e saúde.
Como uma região densamente povoada, a zona leste abriga cerca de 4 milhões de pessoas. E quatro décadas atrás, a luta pela saúde era mandatória. Com isso, conquistaram a abertura de inúmeros postos de saúde e hospitais.
“Foi uma luta pela saúde, mas hoje nós temos uma consciência clara de que foi um grande erro nosso a segunda parte: inaugurou e nós entregamos para um poder público que é casado com o pior tipo de medicina, que é essa medicina do mercado, dos laboratórios”, explica o padre que, há cerca de 10 anos escutou a primeira palestra sobre Cannabis medicinal.
As reuniões sobre saúde no salão da igreja começaram sobre temas específicos, tais como diabetes, câncer, depressão, depois passaram à formação de um curso de naturopatia, em parceria com a Universidade Federal – em que cada semana se discute uma erva – e já estão na terceira edição do curso sobre Cannabis medicinal: a primeira com 200 pessoas, a segunda com cerca de 500 participantes e, hoje, são mais de 2 mil inscritos.
Onde tem gente oprimida, lá está o padre Ticão para denunciar o opressor. Recentemente, chegou a sofrer ameaças de morte e indagado se não sente medo, foi categórico: “fui preso na Ditadura Militar […] fui preso várias vezes e nada me faz recuar. Pelo contrário, eu denuncio esses criminosos todos os dias. Em todas as reuniões, eu tiro um momentinho para falar desse pessoal e dizer que são milicianos no poder. Se evangélicos ou católicos usam a religião em benefício próprio, isso não tem nada de religião. Eles são os Herodes de hoje”, afirma ele, fazendo referência a um dos reis mais cruéis da Antiguidade.
Ainda brinca que não seria tão ruim assim ser preso, já que, como está um pouco acima do peso, poderia encarar uma greve de fome na prisão para perder os quilos extras. Abaixo, conversamos sobre o curso, a ilegalidade da Cannabis, e para quem é interessante que a erva natural continue sendo demonizada. Confira.
Cannabis & Saúde: Padre, como começou o curso de Cannabis medicinal?
Padre Ticão: Estou aqui há 42 anos nessa diocese, na zona leste de São Paulo, que tem 4 milhões de pessoas, então sempre tivemos uma luta pela saúde. Há poucos dias celebramos 40 anos do primeiro posto de saúde que conquistamos […] de lá para cá, foram construídos dezenas de postos de saúde, leitos em hospitais.
Foi uma luta da saúde, mas, hoje, temos consciência de que foi um grande erro a segunda parte: inaugurou e nós entregamos para um poder público que é casado com o pior tipo de medicina, que é essa medicina do mercado, dos laboratórios.
Hoje temos uma clareza, os laboratórios é que decidem quem vai ser ministro da saúde, secretário estadual, municipal, não tem nada fora disso. Há cinco anos apareceu aqui o Dr. Paulo Sato, que nos apresentou uma água de origem japonesa com um ph 9.5, super leve natural. A água é a terapia mais importante para a saúde. A partir daí o pessoal começou a pedir outros temas, câncer, diabetes e organizamos o curso de naturopatia em uma parceria com a Unifesp.
Paralelamente a isso, há uns três anos começamos a discutir a Cannabis. E, em 2018, alguém sugeriu um curso só sobre a Cannabis, a universidade apoiou e já estamos na terceira edição. No primeiro curso tinha 300 participantes, no segundo, 500 e agora são mais de 2 mil. E todo dia aparecem mais interessados.
Quem organiza o curso?
Nós fazemos em conjunto com três organizações, a Paróquia São Francisco de Assis, a Escola de Cidadania da Zona Leste e uma parceria com a Universidade Federal. que tem um campus aqui na Zona Leste.
Quando o senhor conheceu a Cannabis medicinal ?
O deputado federal Paulo Teixeira, é um grande batalhador aqui da zona leste e ele até hoje é o grande político que eu conheço que luta por uma legislação em que a população tenha acesso [a Cannabis]. O Paulo me convidou pra ir em uma reunião sobre o tema, ele está sempre organizando essas reuniões. Ele nos trouxe essa luz e até hoje trabalhamos com esse objetivo. Nós queremos uma prática nova da Cannabis, e uma legislação que esteja do lado do povo, não a que temos hoje.
A ideia do curso é que as pessoas aprendam o manejo da Cannabis?
A medicina do presente e do futuro passa pela Cannabis, pela ozonoterapia, pela hemoterapia, que é radicalmente proibida no Brasil e foi criada por um brasileiro. Buscamos mostrar que a Cannabis é a medicina do presente e do futuro.
Listamos umas 200 situações de saúde em que ela pode ajudar. As pessoas vêm aqui, porque ouviram o testemunho positivo de alguém, porque ainda existe um preconceito enorme. O que nós mostramos é que a Cannabis não é como você ir no médico do mercado que vai te dizer: ‘toma esse remédio de de 8 em 8 horas, esse verdinho de 12 em 12’. Elas querem saber como tomar, mas eu explico que com a Cannabis somos médicos de nós mesmos, como dizia Hipócrates. Nós mostramos aqui, e é pela prática, que as pessoas estão vindo e se sentindo melhor.
Muitas vezes, as pessoas buscam a Cannabis por não encontrar resultado na medicina tradicional, mas chegam ainda com preconceito. O curso consegue mobilizar a ponto de quebrar esses tabus?
Ela teve 70 anos de demonização, foi escondida com o apoio da justiça, milícias, políticos corruptos que, até hoje, tem lucro com a droga química, o que nós buscamos fazer no curso é que a pessoa conheça a história da Cannabis. Domesticada já há milhares de anos, nós chegamos a um ponto que a pessoa que quer fazer o uso da Cannabis, ela tem que conhecer sua história, tem que saber que dentro dela tem um sistema circulatório e digestório e tem o sistema endocanabinoide, que é uma descoberta novíssima mesmo para os profissionais da saúde.
A coisa mais bela da maconha é que dentro de cada um de nós existe o sistema endocanabinoide, e quando nós tomamos, fumamos é como abrir uma chave, é entrar dentro do seu organismo. Também precisamos mostrar que a indústria farmacêutica tem lucro deixando o povo doente e que com a Cannabis podemos quebrar todo esse sistema. Tudo que tem CNPJ você não deve usar. O melhor é usar uma farmácia de Deus, uma farmácia natural.
As pessoas aprendem a plantar também?
Esse é o nosso maior interesse, distribuímos sementes, eu vivo pedindo – outro dia, me falaram que deveriam me chamar de padre Pidão (risos) -, distribuo sementes. Eu também visito os delegados, coronéis, entrego uma carta para eles em que está escrito para não mexerem com famílias que não têm autorização [para plantar], por falta de dinheiro. Os ricos, essa elite maldita, que tem esses recursos vai para o Canadá, Europa, para fazer fazer tratamento.
Nós buscamos ensinar plantar, fazer o óleo, mas também dependendo da situação de saúde, se a pessoa fizer o baseadinho já ajuda. Eu falo: ‘planta lá no seu quintal, pega a flor, macera, faz um baseadinho’.
Quando o senhor fala para fazer um baseadinho, por mais que álcool e cigarro sejam mais maléficos, a maconha ainda é ilegal.
Vamos falar sobre a ilegalidade: quem cria a ilegalidade? É essa elite maldita, escravagista que está do lado da indústria da morte, das doenças, dos remédios químicos, aí ela é ilegal, imoral para essa elite, essa elite que fuma. Ela é proibida para o povo apenas.
Essa ilegalidade é de um farisaísmo, de uma hipocrisia. Só no Brasil, 10 milhões de pessoas poderiam ter o seu sofrimento aliviado pela Cannabis, então a elite a torna ilegal, e uma grande parte dessa elite – e eu falo como padre – ainda vai para a igreja.
Estão usando o nome de Deus para explorar os pobres, para ter lucro em cima dos pobres. Falam em nome de Deus, e esquecem que no livro do Gênesis 1:29 Deus disse: usem as plantas para alimentação, os grãos, as sementes. E nós denunciamos abertamente. Todas as reuniões eu falo abertamente, todas as gravações eu falo, a maconha é ilegal, porque essa elite quer lucro, essa maconha é ilegal, porque as transnacionais dos remédios compram os políticos. A Cannabis é uma planta natural, deve ser usada, desmistificada. Eu, por exemplo, uso como prevenção, pego as flores e faço suco verde.
Mas é difícil plantar, certo?
Lógico, mas daqui 5 ou 10 anos todas as famílias que têm um pouco de consciência e necessitam vão ter um pé em casa, temos 5 anos ainda pra falar, motivar, encorajar. Essa planta é a medicina do presente e do futuro.
Como é a recepção desse assunto dentro da igreja?
O preconceito é muito grande. Quando a gente começou o curso, no ano passado, teve um idiota do Paraná, que é desses grupos católicos criminosos, conservador, que usa símbolos católicos para enganar o povo, manter o povo na exploração, ele vive gravando vídeos contra mim. E ele disse que eu estava ensinando a fumar maconha na quaresma. E eu respondi que não, que estava ensinando a fumar na Páscoa, não na quaresma (risos).
O grande desafio aqui pra nós, é registrar tudo isso e organizar academicamente, porque o que a medicina do mercado quer é uma validação.
Os relatos de melhora são evidentes para pacientes com epilepsia, por exemplo. Mas com a dificuldade em conseguir o óleo de canabidiol autorizado – que é muito caro – algumas pessoas afirmam que compram o óleo “clandestino”. Como funciona isso?
A epilepsia é a que mais tem estudos comprovatórios e trabalhos científicos. Então, nesse sentido, não é clandestino. É ilegal do ponto de vista da elite maldita. Eu venho motivando todo mundo a fazer associações, registrar, entrar na Justiça e se não for autorizado, que comecem a plantar em desobediência civil.
Eu motivei tanto algumas pessoas que elas se juntaram em associações desse tipo que plantam em desobediência civil e distribuem o óleo para os associados. No Brasil, esse é um movimento sem volta.
Esse movimento que o senhor faz também pode ser considerado desobediência civil?
Eu falo abertamente, defendo a desobediência civil. Onde eu vou, eu falo. Outro dia me perguntaram se eu não tinha medo de ser preso. E eu respondi que estava mesmo precisando emagrecer e que se fosse preso faria uma greve de fome e a Cannabis ficaria mais conhecida ainda.
A desobediência civil que eu prego é do lado do povo. Porque a elite tem dinheiro para pagar um advogado, um médico cuja consulta custa, no mínimo, 600 reais. Para a elite não é clandestino, mas para o povo é.
Tem diferença quando se fala da extração de CBD e THC. Como funciona?
O meu pai era uma grande conhecedor de plantas. Tínhamos uma plantação enorme de frutas na chácara, mas quando minha mãe pedia bananas para fazer doce, ele sempre trazia a nanica. Por quê? Porque ele sabia que era a banana mais adocicada. Eu comparo esse conhecimento com o de um jardineiro de Cannabis. Eles sabem se é planta macho ou fêmea, se é sativa ou não, etc. E eu acredito que se continuarmos nesse grau de esclarecimento, daqui a 10 anos, vamos ter uma população bem esclarecida no plantio da Cannabis.
Pelo o que o senhor falou, a Cannabis tem um lance bem bacana de autonomia, porque é preciso entender como seu corpo vai reagir para saber quantas gotas tomar…
Exatamente. Nós sempre batemos na tecla de que não devemos terceirizar a nossa saúde. A saúde é um todo, é holística. Holos, do grego, quer dizer todo. Você precisa ser sujeito da sua saúde e não objeto do mercado e do lucro. Mas ter autonomia demanda uma evolução no conhecimento da saúde natural preventiva. Gosto muito dessa expressão, a Cannabis é a medicina da observação: você começa devagarzinho, vai aumentando a dose e os resultados são maravilhosos.
O que o senhor acha do uso recreativo?
Dentro do uso recreativo, tem diversos comportamentos. Conheço pessoas que de manhã fumam seu baseadinho, vão trabalhar, voltam, fumam. Esse nível que eu estou falando é o preventivo, essas pessoas dificilmente ficarão doentes. Paracelso já dizia que a diferença entre remédio e veneno é a dose. Quem usa demais já foge do nosso objetivo. Agora quem fuma um baseadinho produzido em casa, é excelente.
A questão da maconha como uso recreativo é que pelo fato de ser ilegal, ainda é produto de tráfico de droga. Não se sabe origem e o que está fumando.
Por isso incentivamos plantar. Assim como todo mundo tem casa um pé de alguma planta, no futuro, muita gente poderá plantar Cannabis.
Voltando na questão da igreja, recentemente, o senhor recebeu ameaças de morte por trazer para sua paróquia o grupo feminista e pró-aborto ‘Católicas pelo Direito de Decidir’. As ameaças são recorrentes em sua trajetória, por tocar em assuntos tabus para a sociedade e sobretudo para a igreja. Isso te faz recuar?
Pelo contrário, ajuda a divulgar mais, cria-se mais curiosidade. Eu já fui preso na Ditadura Militar, fui preso várias vezes, nada me faz recuar. Eu denuncio esses criminosos todos os dias, todas as reuniões eu tenho um momentinho para falar desse pessoal. São milicianos que estão no poder, são evangélicos, católicos, que usam a religião em benefício próprio, e isso não tem nada de religião. Eles são os Herodes de hoje. Sobre o aborto, os jovens aqui fazem uma semana da juventude, e eles têm todo o direito de chamar quem quiserem para debater abertamente. E o aborto é uma realidade da qual ninguém fala, é uma hipocrisia de todas as igrejas e religiões querendo esconder e quem está morrendo em decorrência de abortos ilegais são as mulheres pobres.