Apesar do plantio de Cannabis para fins medicinais continuar ilegal no Brasil, dá pra dizer que 2020 foi, sim, de avanços para pacientes e o setor, ainda que a passos de formiga e sem vontade, como diz a canção de Lulu Santos. Foi o ano em que entraram em vigor duas resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a Cannabis: a primeira reduziu bastante a burocracia para importação de derivados e a segunda autorizou a produção nacional e venda em farmácias.
Além disso, uma segunda ONG foi autorizada a cultivar maconha e produzir medicação aos seus associados, a Apepi, do Rio de Janeiro. E os Habeas Corpus para plantio individual ultrapassaram as 150 decisões. Foram tantas, que a Rede Reforma, entidade envolvida na maioria dos casos e que contabilizava os HCs, encerrou a contagem. Ou seja: o Habeas Corpus para cultivo individual virou um “fato social”, como classifica o diretor da entidade, o advogado Emílio Figueiredo.
No entanto, o cultivo desta planta, que trata dezenas de doenças – e sequer é venenosa – continua ilegal,. Isso faz com que os medicamentos derivados dela ainda sejam inacessíveis para a maior parte da população. A proibição também impede que uma nova indústria nacional se desenvolva, gerando milhares de empregos e bilhões de reais (isso mesmo, com b) em impostos.
O Projeto de Lei 399/15, que legaliza o plantio em território nacional para fins medicinais e industriais, teve parecer favorável na Comissão da Cannabis e foi entregue nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Porém, segundo o presidente da Comissão, Paulo Teixeira (PT-SP), ainda não houve clima político para votar o texto. Ele acredita em aprovação por maioria ampla até março de 2021.
Mas enquanto esse dia não chega, o portal Cannabis & Saúde preparou uma retrospectiva no Brasil em 2020. Um bom momento de reflexão sobre o ano e que traz uma expectativa bastante favorável para 2021.
Retrospectiva da Cannabis medicinal no Brasil em 2020
23 de janeiro | Anvisa aprova simplificação da importação de produtos à base de cannabis
De 2015 a 2019, era necessária prescrição médica, formulário de solicitação, termo de responsabilidade e laudo médico. Tudo isso para uma autorização de apenas um ano. Desde a RDC 327/19, é necessária apenas a prescrição e o preenchimento de formulário único no Portal de Serviços do Governo Federal. Além disso, a autorização agora vale por 2 anos. Essas medidas fizeram com que o período de análise do pedido, que chegou a levar 75 dias, hoje caísse para em média 10 dias.
13 de fevereiro | Maior opositor da Cannabis medicinal no governo, Osmar Terra é demitido do Ministério da Cidadania
Embora a demissão do político não tenha relação com a campanha dele contra a Cannabis medicinal, que se valeu inclusive de calúnias e difamação, o fato foi celebrado pelo setor no Brasil. No seu lugar, assumiu Onix Lorenzoni, que também é contra a pauta, mas não faz dela uma bandeira política. Osmar Terra retornou à Câmara, onde se elegeu deputado federal. E, apesar de ser formado em Medicina, seu mandato foi marcado pela divulgação de mentiras sobre a pandemia causada pelo coronavírus.
10 de março | Venda de produtos à base de Cannabis é liberada no Brasil
De acordo com a RDC 335/20, produtos à base da planta poderão ser vendidos em farmácias sem manipulação e drogarias, e o paciente deve apresentar uma receita assinada por um médico, para adquirir produtos com o teor de THC de até 0,2%. Acima dessa quantidade, os produtos só podem ser prescritos a pacientes terminais que já tenham esgotado todas as formas de tratamentos paliativos.
Em 10 de março, também estreava o portal Cannabis & Saúde, que logo se tornaria uma das principais referências em jornalismo especializado em Cannabis no Brasil.
22 de abril | Anvisa aprova venda de primeiro produto à base de Cannabis, CBD da Prati-Donaduzzi
Neste dia, iniciou a comercialização do primeiro canabidiol brasileiro autorizado pela Anvisa. O fitofármaco de CBD produzido pela farmacêutica paranaense Prati-Donaduzzi estreou assustando pelo preço: R$ 2.143,30 para um frasco de 30 ml com concentração de 200 mg/ml mais a seringa dosadora. Esse já é o valor com desconto, pois o preço real do produto é de R$ 2.500.
2 de junho | Rio de Janeiro aprova lei de cultivo de Cannabis
Texto autoriza o cultivo de Cannabis por associações de pacientes e institutos de pesquisa. De acordo com a nova lei, objetivo é difundir informações, apoio e suporte técnico institucional para pacientes que usem Cannabis medicinais, nos casos autorizados pela Anvisa. Texto prevê incentivo à pesquisa e a liberação do cultivo para fins medicinais e científicos no estado do Rio de Janeiro para os membros das associações de pacientes.
14 de julho | Justiça autoriza associação de pacientes Apepi, do RJ, a cultivar Cannabis
Decisão foi da Justiça Federal do Rio de Janeiro. E foi a segunda ONG brasileira a garantir este direito judicialmente: a primeira foi a Abrace, da Paraíba, em 2017. A autorização previa que a Apepi pudesse realizar pesquisa, cultivo, plantio, colheita e manipulação da Cannabis sativa, exclusivamente para fins medicinais, de modo a produzir fármaco derivado desta planta para disponibilização unicamente a seus associados cadastrados, e mediante prescrição médica.
18 de agosto – Apresentado nova redação do Projeto de Lei 399/15; texto legaliza plantio de Cannabis medicinal e industrial no Brasil
A proposta apresentada autoriza o cultivo de Cannabis pelo SUS, por empresas e associações de pacientes. Texto avança em diversos pontos do texto original, mas o principal deles é o que permite o cultivo da Cannabis em solo nacional, seja para o uso medicinal humano ou veterinário, mas também para fins industriais. O PL, no entanto, não foi votado no ano e deve ir a plenário até março de 2021, prevê o presidente da Comissão da Cannabis.
11 de setembro | Ministério da Saúde informa que pretende incorporar ao SUS canabidiol de R$ 2.500
O ministro então interino da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que está em andamento um processo para que o SUS forneça medicamentos com canabidiol no tratamento de uma série de doenças neurológicas. O anúncio foi uma clara resposta do governo federal, que é contrário ao Projeto de Lei 399/15, para o plantio de Cannabis no Brasil. Em agosto, Pazuello foi procurado por parlamentares contrários à proposta. No encontro, disse que traçaria uma estratégia que impedisse a aprovação.
16 de setembro – Morre Dr. Elisaldo Carlini, maior cientista sobre a Cannabis no Brasil
Faleceu aos 90 anos o professor Dr. Elisaldo Carlini, pioneiro e principal cientista brasileiro sobre a Cannabis no Brasil. Considerado um dos maiores especialistas em entorpecentes do Brasil, Carlini estudou os efeitos da maconha e de outras drogas em nível experimental durante toda sua vida profissional. Na década de 1980, comprovou a eficácia do canabidiol em reprimir convulsões de pacientes epiléticos.
19 de outubro | STJ: importar sementes de maconha em pouca quantidade não é crime
Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a importação de poucas sementes de maconha não é suficiente para enquadrar o autor da conduta nos crimes previstos na Lei de Drogas. Contudo, a decisão não significa que a importação de sementes é legal.
13 de novembro | Fiocruz faz contrato sob sigilo com Prati-Donaduzzi para adquirir Cannabis medicinal
O Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial da União um “Extrato de Acordo de Cooperação Técnica” entre a Fundação Oswaldo Cruz e a farmacêutica Prati Donaduzzi. O convênio é de 5 anos e está sob sigilo industrial. A falta de transparência do contrato fez com que o presidente e o relator da Comissão da Cannabis formalizassem uma representação ao Ministério da Saúde cobrando acesso ao texto do convênio.
19 de novembro | Cai a liminar que autorizava o cultivo de Cannabis pela ONG Apepi, do RJ
A Anvisa recorreu, e a liminar foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Em entrevista ao Cannabis & Saúde, o advogado da ONG informou que o projeto de cultivar 10 mil pés de maconha continua: “a dignidade dos pacientes está acima de qualquer decisão”.
02/12 – ONU retira maconha da lista de drogas perigosas; Brasil vota contra
A Comissão de Narcóticos das Nações Unidas aprovou a retirada da maconha do Anexo IV, que lista as drogas perigosas e cujo potencial terapêutico não deve ser explorado. O Brasil votou “não” e ainda fez campanha contra a proposta. Formalmente, o governo alegou que faltariam evidências científicas para o uso medicinal da Cannabis. No entanto, nas redes sociais o secretário de prevenção às drogas espalhou a teoria conspiratória e mentirosa de que a medida seria uma “estratégia de implantação do socialismo”.
06 de dezembro – Ministério da Saúde retira de pauta incorporação de Canabidiol pelo SUS
Após reação de políticos e entidades contra a falta de transparência na aproximação entre governo e Prati-Donaduzzi, o Ministério da Saúde retirou a possível inclusão do CBD da farmacêutica da pauta da Comissão de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec). Em nota enviada ao portal Cannabis & Saúde, o Ministério informou que a apreciação da demanda “foi adiada porque o relatório técnico para avaliação da pauta não foi concluído em tempo hábil. O tema deverá ser pautado na 94ª Reunião da Comissão, a ser realizada em fevereiro.“