Especialista em medicina de família, Rodrigo Pacheco explica como a Cannabis o ajuda no tratamento integral da saúde de seus pacientes
A medicina como aprendeu na faculdade nunca agradou Rodrigo Pacheco. “Várias dessas estratégias terapêuticas que a gente usava na faculdade tinham limitações pois estavam relacionadas somente ao cuidado adoecido. Não o cuidado da pessoa”, afirma.
“Na faculdade, a gente partilha demais a pessoa em pedaços e eu via que não ajudava depois de integrar aqueles pedaços de novo. Várias das respostas da faculdade para integrar esses pedaços acabavam não funcionando muito bem.”
Em busca de uma prática que cuidasse do bem-estar do paciente, se especializou em saúde da família e da comunidade. “Há uma compreensão integral da longitudinalidade do cuidado. Uma relação forte com a evidência científica, mas inclui conceitos que outras especialidades conhecem pouco, como a prevenção quaternária.”
Pacheco explica que existem diversos níveis de prevenção: a primária, que busca evitar o dano, como praticar exercícios físicos e manter uma alimentação adequada; a secundária, quando a doença já está instalada, como uma hipertensão, e se busca evitar que aquilo provoque danos mais graves; a terciária, quando já ocorreu o dano e se busca cuidar das sequelas; e a quaternária, que cuida dos danos provocados pelos próprios tratamentos médicos.
“O paciente fica indo em vários médicos. Vai em um e passa um remédio, vai em outro e passa mais coisa. Cada médico olha só o pedaço em que ele se especializou. O médico de família se especializa na gestão desse cuidado.”
Ele faz uma analogia com o quarterback, uma espécie de organizador de jogo no futebol americano. “É o cara que planeja a jogada e escolhe um especialista melhor posicionado para passar a bola”, explica. “Eu tenho que proteger o paciente em todo o trânsito entre especialistas.”
Pela dor
Ainda durante sua formação como médico de família, viu que havia algo em comum com a maioria de seus pacientes. “As pessoas chegavam com doenças comuns e dor. Sou hipertenso e tenho dor, sou diabético e eu tenho dor, tenho Alzheimer e sinto dores. Era sempre a primeira ou segunda reclamação do paciente. Tem hipertensão, mas o que incomoda é a dor.”
“O médico de família trabalha com longitudinalidade. Eu vejo as mesmas pessoas ao longo do tempo, da vida. Eu me formei em 2004 e quem parou de estudar dor nessa época não entende de nada. O desenvolvimento da neurociência que a gente teve ao longo dos últimos 15 anos foi maior que de todos os cem anos antes”, continuou.
Sua angústia era observar a prevalência silenciosa da dor. Algo que não aparece nas estatísticas, mas que interfere intensamente no dia a dia das pessoas. Em busca de alternativas, se formou em acupuntura neurofuncional. Seu aprendizado o levou, algum tempo depois, a trabalhar orientando os médicos que estavam fazendo residência em medicina de família quando o tema é dor.
Papo de maconheiro
“Eu trabalhava matriciando outras equipes em dor para fazer abordagens integrais dos pacientes. Passei a dar aula sobre dor no Congresso Brasileiro de Dor e, um dia, faz uns seis anos, em uma oficina sobre a abordagem da dor crônica na atenção primária, levanta um residente com cabelo rastafári e pergunta se eu não ia falar de Cannabis para a dor.”
“Eu pensei: ‘filho da mãe, maconheiro. Ele quer me pegar.’ Eu dei aquela resposta formal de que a gente tá ouvindo falar sobre, mas era mentira. Eu não tinha nem ideia. Era a primeira vez que ouvia falar disso. Achei que era conversa de maconheiro.”
Apesar do migué, fez como todo bom médico. Foi pesquisar sobre o assunto e encontrou diversos artigos que faziam uma discussão crítica sobre o uso da Cannabis medicinal no tratamento de dor. “Não é só papo de maconheiro. Existe coisa séria aqui e eu preciso entender disso. Passei a estudar mais sobre o uso e passei a conhecer uma ferramenta que estava surgindo para a dor.”
Começou a trabalhar com o óleo com canabidiol isolado, porém, sem grandes resultados. Se aprofundou ainda mais nos estudos para entender o que faltava. “Eu entendi que eu precisava de THC. Algumas pessoas precisam de mais THC e comecei a usar o óleo full spectrum.”
Deu certo. O óleo passou a trazer resultados, mas em sua rotina como médico de família, apesar da grande incidência, não é só de pacientes com dor que cuida. “Eu sempre tive pacientes autistas, com demência, que faço essa coordenação do cuidado. Eu acabo atendendo famílias com pacientes que apresentam quadros mentais, como depressão e ansiedade. Já faz parte da minha prática como médico de família cuidar da saúde mental e comecei a usar óleo de Cannabis nos pacientes que eu acompanhava e podiam pagar por ele.”
Cannabis no cuidado integral
Para Pacheco, a Cannabis se encaixa no conceito de cuidado integral do paciente, pois proporciona uma coordenação dos processos do organismo. “Uma modulação, seja do sono ou a dor, por exemplo. Eu acho que essas duas coisas se afinaram e hoje, em meu consultório, eu já estou em um momento que não ofereço a Cannabis. 80% dos pacientes que me procuram é por causa da Cannabis. Metade para dor e outra metade para essas outras patologias.”
Boa parte dos benefícios da Cannabis, para ele, vem da possibilidade de agir sobre o sistema endocanabinoide para modular os processos de estresse. “A gente vive numa sociedade que produz estresse crônico. A gente vive rodeado de adoecimento relacionado a esse estresse, como as demências, dores crônicas, ansiedade, insônia”, afirma. “A capacidade de atuar em diversos cenários enquanto mitigador desse estresse ajuda a mudar a qualidade de vida desses pacientes. Eu acho que ela é um divisor de águas nesse sentido.”
Seu maior encanto, porém, vem de uma questão mais filosófica. A mesma que o incomodou durante a faculdade. “A Cannabis traz a questão do cuidado em saúde a partir da complexidade. A gente vem de uma crença que a humanidade conseguiria fazer todos os problemas e negou as tecnologias que a natureza desenvolveu ao longo da vida. Não estou falando só de Cannabis, mas também das substâncias que o próprio corpo produz quando está em contato com a natureza”, afirma.
“Nosso conhecimento empírico diz que essa conexão é importante para a prevenção do adoecimento mental, mas a ideia de que as drogas poderiam tratar qualquer coisa, que dominou o século 20, tirou a potência dessas outras ferramentas”, prossegue.
“A Cannabis é uma ferramenta que vai produzir outros processos de cuidado junto com ela. Vai se conectar melhor com a natureza sem se sentir invadido e estressado por ela. Vai se conectar melhor com a atividade física sem se sentir estressado por ela. Vai conseguir fazer as atividades diárias com mais ânimo. Se você ficar em casa, parado na televisão, não vai funcionar muito. A gente precisa pensar esses processos na complexidade.”
Hoje, Pacheco já acumula mais de 600 pacientes que usam ou fizeram uso do tratamento com Cannabis medicinal e, com toda sua experiência, deixa um recado para quem, assim como ele, pensa se tratar de um papo de maconheiro. “O problema não é a gente ter preconceito. O problema é a gente ter orgulho de ter preconceito e a gente defender o nosso preconceito de forma irracional. Eu tinha preconceito. O problema é não colocar esse preconceito à prova, com dados e evidências.”
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