Pesquisador e professor da Fiocruz, o psiquiatra Marco Aurélio Jorge fala sobre sua experiência como prescritor e visão sobre a Cannabis
A certeza de que seria médico sempre acompanhou Marco Aurélio Soares Jorge. Desde criança, nos estudos da adolescência, focado no objetivo de se formar em medicina. A escolha pela psiquiatria como especialidade veio naturalmente.
“Talvez um pouco influenciado por histórias familiares. Eu tenho um tio que era psiquiatra e o meu avô era psiquiatra também. Isso não era consciente para mim. Só depois de fazer uma análise que pude perceber como isso pode ter influenciado na escolha. O desafio que é a mente humana.”
Uma palestra durante sua especialização acabou, no entanto, por definir sua trajetória dentro da psiquiatria. “Eu tive a sorte de conhecer uma pessoa muito incrível, o professor Miguel Chalub. Infelizmente ele faleceu ano passado, mas foi meu mestre durante a vida toda. Ele tinha uma visão da saúde mental muito abrangente, muito crítica. Isso me ajudou muito a me questionar sobre tudo e não simplesmente pegar as coisas dadas prontas.”
“Eu esperava que ele me mostrasse que caminho seguir, mas ele me mostrou a paisagem. Nela eu trilhei um caminho que é meu e não um pré-determinado. Construir uma trajetória própria”, relata.
“Serviu para entender como as pessoas lidam com os problemas. Não tem um padrão. Se o paciente tem esquizofrenia, você não vai só dar um remédio X. Tem toda uma estratégia para o paciente e junto a isso é onde a medicação entra.”
A pesquisa sobre maconha
Buscar traçar sua própria trajetória dentro da medicina o impulsionou a estudar e a se tornar professor na mesma Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em que havia se formado, e começou a integrar um programa institucional sobre Álcool e outras drogas, em que os professores discutiam sobre o vício e outras questões relacionadas ao tema, além de organizar seminários temáticos. Um deles, teve a maconha como tema.
“Foi muito bom para mim ouvir muitos personagens da Justiça. Além de gente da saúde, tinha delegado, juiz, e foi dividido em duas questões principais: a Cannabis medicinal e o proibicionismo. Minha surpresa foi ver neurocientistas falando sobre os benefícios que a Cannabis tinha.”
“A tristeza disso tudo é ver que no nosso país, por uma questão muito preconceituosa, fica atrasado. A gente tá fazendo agora, né? A liberação, com o esforço de vários atores. Mas ainda é muito caro, está limitado a quem tem um determinado poder aquisitivo.”
“Por questões preconceituosas conservadoras se confunde a medicinal com maconha. São duas coisas completamente diferentes. Quando você vai produzir uma Cannabis medicinal, tem todo um cuidado, é uma diferença muito grande do que produz para vender pelo tráfico.”
“Tem também os malefícios da proibição. As pessoas dizem: “ai todo mundo vai fumar maconha”. As pessoas já fumam maconha. Quem quer, fuma maconha. A proibição só faz com que deixe de regulamentar e deixa na mão do traficante.”
“Por conta disso tudo que existe toda essa dificuldade no desenvolvimento médico prescritor.”
O trabalho com Cannabis
Desde então, a Cannabis entrou em sua vida. “Trabalhava com várias frentes. Uma frente era uma questão mais política. Uma posição contra o proibicionismo, sabendo que está associada à violência. Regulamentar é uma forma de combater isso. Outra sobre a parte medicinal”, afirma Jorge, que divide a autoria do livro “Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo” com Sergio Alarcon.
Para ele, o principal benefício da Cannabis é a possibilidade de reduzir o uso de medicamentos alopáticos convencionais. “Eu tenho paciente que tem dependência de benzodiazepínicos. Eu tenho usado Cannabis como substitutivo e tenho conseguido diminuir a quantidade. É muito difícil em uma pessoa que por anos e anos e anos toma Rivotril em dose alta.”
“Eu comecei a prescrever muito para para questão do sono. Agora minha experiência tem sido voltada também para o autismo. Ainda não posso dizer que tenho uma experiência grande. Não posso afirmar nada, mas eu tô vendo que tem apresentado melhora no quadro de algumas questões cognitivas e também, às vezes, no comportamento e agitação.”
Aprendizado constante
No entanto, segue desbravando seu próprio caminho. “Me considero muito aprendiz. Venho estudando, eu tenho frequentado palestras, assistindo vídeos, lendo e conversando com pessoas. Estou em busca de conhecimento”, finaliza.v
“Até porque esses conhecimentos são muito dinâmicos. Cada vez mais a gente vê notícia, pesquisa, trazendo um uso. O que eu acho importante é não colocar Cannabis como uma panaceia que serve para tudo, mas a amplitude de possibilidade de uso é muito grande. Ainda mais ainda mais aparecendo outros canabinoides, que tem outros potenciais terapêuticos, vai ampliar bastante.”
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