Um acidente em 2017 levou a biomédica Gizele Thame ao hospital. Os exames demonstraram que não havia nenhuma lesão grave após bater a cabeça devido a uma queda enquanto limpava a casa, mas algo demandava atenção.
“Ela descobriu que tem um tumor cerebral que chama adenoma de hipófise, que não provoca alteração nos níveis de hormônios e não é detectado em qualquer exame”, conta seu filho Raul Thame.
“Na queda não aconteceu nada, então eu brinco que foi ótimo. Descobriu o tumor que já tinha 1,2 centímetros. Acima de 1 cm é chamado de macroadenoma.”
Foram seis neurologistas consultados e, com estratégias mais ou menos invasivas, todos indicaram cirurgia. “Você vai esperar crescer para piorar mais? Para eles, quanto mais rápido fizesse, teria menos risco e seria melhor.”
Só que Gizele não pensava assim. Sabia dos riscos de uma cirurgia, com chance de danos permanentes e irreversíveis, e decidiu que não iria fazer. “Para piorar, o tumor não iria ser retirado completamente. Fica um pedacinho grudado que provavelmente voltaria a crescer”, conta o filho.
“Não tinha nada que ser feito. Nenhum outro tratamento. A única opção era a cirurgia e ela se recusou a fazer. Ficou muito muito deprimida. Eu e meus irmãos nem reconhecia o humor dela. Mudou completamente. Abalada por uma doença grave em que nada poderia ser feito. Ela só esperava as coisas ruins acontecerem.”
Com o tempo, o tumor com aquela magnitude começou a despertar sintomas e entrou em processo de perda de sua visão periférica. Diante das circunstâncias, Gizele estava só esperando morrer. “Estava até deixando escondidas cartas para mim e meus irmãos.”
A alternativa Cannabis
Raul Thame, no entanto, ainda mantinha as esperanças. Em busca de uma alternativa, se deparou com os potenciais benefícios da Cannabis medicinal e se lembrou que, lá em 2014, o então candidato à presidência Eduardo Jorge já falava das propriedades medicinais da planta e decidiu que este seria um caminho.
Restava um detalhe: convencer sua mãe. “Ela sempre teve essa educação conservadora. Tinham esse preconceito de achar que maconha é igual a outras drogas. Fica como se fosse errado igual crack. Ia roubar para comprar maconha.”
“Eu falei de Cannabis, ela descobriu que era maconha e ficou muito brava. Falou que eu estava louco de achar que ela ia virar maconheira com mais de 60 anos.”
Para complicar a situação de Raul, há cinco anos o volume de informações e depoimentos a respeito das propriedades medicinais da Cannabis, muito menos sobre a ação do sistema endocanabinoide na apoptose das células.
“A maioria eram depoimentos com crianças, mas quando ela viu artigos com casos de tumor, por ela ser biomédica, uma pessoa esclarecida, pesquisadora, resolveu levar a sério e estudar. Demorou para caramba. Uns nove meses desde o diagnóstico até a tela aceitar fazer o tratamento.”
O início do tratamento
Em 2017, o que dominava a internet eram relatos de famílias que produziam o próprio medicamento, diante do preço alto e da dificuldade de acesso aos produtos industrializados, e assim fez Raul.
Ele se adiantou à autorização da mãe e deu início ao cultivo. A aceitação de Gizele coincidiu com a floração da planta, que foi utilizada para a extração dos fitocanabinoides de maneira artesanal, com tutorial observado na internet.
“Desde a primeira vez que ela tomou, já sentiu diversos benefícios que melhoram a qualidade de vida dela. Principalmente a redução de dores que ela sentia e o sono. Na manhã seguinte ela já acordou disposta, sentindo que tinha dormido melhor.”
Diante a resposta positiva, Raul se aprofundou nos estudos. Fez diversos cursos para aprender a padronizar a composição de fitocanabinoides no tratamento. Enquanto isso, Gizele passava por ressonância magnética a cada seis meses para acompanhar a evolução do tumor.
Os exames eram realizados sempre na mesma máquina, para evitar qualquer alteração. Nos dois primeiros, a boa notícia era de que o câncer estava estacionado com seu 1,2 cm. Uma vitória, mas nada comparada à do resultado do terceiro exame. O tumor havia regredido quase pela metade, com 0,7 cm.
Acesso legal
Se por um lado, Raul celebrava a melhora da mãe, por outro vivia em preocupação, afinal o cultivo da Cannabis é ilegal no Brasil. “Muito medo de ser preso. Aqui em casa, às vezes voava algum drone e a gente ficava com medo, porque a gente planta em cima da laje.”
Já não tinha mais volta. Sua mãe era uma evidência viva do potencial antitumoral da Cannabis, tinha que seguir o tratamento, mas viver na ilegalidade não era uma opção. Com apoio da Rede Jurídica para Reforma da Lei de Drogas (Reforma), se uniu com um grupo de famílias do litoral de São Paulo que também lutavam pelo acesso à Cannabis medicinal em busca de um salvo conduto.
Um habeas corpus preventivo que, na prática, garante ao portador a possibilidade de infringir uma lei desde que isso vise o atendimento de um direito do cidadão. No caso, o de optar por seu tratamento médico. “Foi o primeiro do litoral e o 23º do Brasil. Hoje já tem mais de mil salvo condutos individuais, coletivos ou associações.”
Durante o processo, contou com o apoio da médica Eliane Nunes, diretora geral da Sociedade Brasileira de Estudo da Cannabis Sativa, e do neurocirurgião Pedro Pierro, dois pioneiros na prescrição de Cannabis no Brasil.
Despertar do ativista
Entusiasmado, Raul mergulhou no universo da Cannabis medicinal. “Eu fico com essa responsabilidade de ocupar espaços e representar a Cannabis onde não tiver pessoas desempenhando esse papel”, afirma.
“Essa é uma missão que eu assumi e que, por meio do depoimento pessoal, eu e minha mãe possa romper esse preconceito e levar pessoas que tem uma doença grave, ao ouvir essa história, que possa aceitar um tratamento que pode fazer a diferença na vida dela também.”
Educador físico, Raul se tornou um ativista da causa. Sua experiência no assunto o levou a assumir o cargo de conselheiro da Sociedade Brasileira de Estudo da Cannabis Sativa, além de ser um dos coautores de um capítulo do Tratado Brasileiro de Cannabis medicinal.
Profissional Delegado do Conselho Regional de Educação Física de São Paulo, busca o apoio de seus colegas de profissão. “Já marquei para novembro uma apresentação com os médicos aos conselheiros e delegados. Se tudo der certo, até o final do ano vai sair uma regulamentação para indicação de CBD, que é liberado para os atletas pela Agência Mundial Antidoping.”
Agora Raul Thame busca uma vaga no legislativo como deputado federal para se somar na luta pela regulamentação da Cannabis medicinal. “Independente da ideologia, todo mundo conhece alguém que faz o tratamento. Independentemente se a pessoa é evangélica, conservadora, o benefício do uso da Cannabis medicinal é para todo mundo.”
“O primeiro passo é regulamentar o uso medicinal. A partir daí, vai ter um acesso maior das pessoas que estão precisando e uma maior aceitação da sociedade. A partir daí, as pessoas vão se interessar pela parte econômica, da indústria.”
“A gente tá perdendo muita oportunidade. Outros países estão ocupando esses espaços e eu lamento. Fico feliz por minha mãe, mas tentando fazer com que outras pessoas consigam os mesmos benefícios.”
Além do tumor
Por falar em Gizele, hoje ela segue sua vida normalmente. Em seu último exame, o tumor regrediu ainda mais e estava com 0,5 cm. “Está ótima. A visão voltou ao normal, não tem mais dores.”
“O que acontece geralmente quando as pessoas começam a se tratar com a Cannabis por causa do de uma coisa muito grave, que nem minha mãe, mas elas percebem o equilíbrio das funções do corpo. A homeostase.”
“Melhora a qualidade de vida no geral. A pessoa procura para tratar um tumor, no caso da minha mãe, mas percebe que foi bom para as dores, estresse, para dormir. Vai regulando o organismo e depois percebe que a vida melhorou em muitas coisas.”
“E eu continuo tentando avançar em todas as áreas. Na luta e esperança de fazer o bem para as pessoas e o País. Mostrar essa realidade que está errada e precisa mudar. Se for falar do social, o assunto é ainda mais amplo. 60% das pessoas estão encarceradas por pequena quantidade de droga. Precisamos rever toda essa política de drogas ilegais.”
Agende sua consulta
Embora a falta de regulamentação limite o cultivo de matéria-prima para a produção de medicamentos no Brasil, o que reflete no preço dos medicamentos, o acesso ao tratamento já é muito mais fácil que todo o processo pelo qual teve que passar Raul e Gizele Thame.
Hoje não costuma levar mais que um mês para ter acesso ao medicamento com toda a segurança e padrão de qualidade farmacológico. Para isso, o primeiro passo é marcar uma consulta com um médico prescritor.
Na plataforma de agendamento do portal Cannabis & Saúde, você encontra mais de 200 médicos, com diversas especialidades, que têm em comum a experiência na prescrição e no acompanhamento de todo tratamento canabinoide.