A médica anestesiologista Daniele Tondolo Martins tinha apenas três anos quando, em uma visita a uma loja de brinquedos, optou por uma maleta de médico como objeto de desejo. Desde então, teve certeza que a medicina seria o seu caminho.
O tempo passou e, já formada, viu a rotina transformar em decepção seu sonho de infância. “Eu demorei uns cinco anos para fazer residência. Nesse período, eu trabalhei na emergência de um posto de saúde e o que a gente dispunha de tratamento para atender a todos naquela situação era muito precário.”
“Foi uma decepção ver todo mundo tomando as mesmas medicações sem uma melhora efetiva. Muitas vezes, com os médicos, inclusive eu, fazendo um trabalho quase que mecânico de renovar receita por falta de estrutura e tempo para atender o paciente.”
“Nesse contexto, eu só pensava que o paciente tinha que ser atendido como um todo, de forma integral. Não só pegar a queixa, mas todo o contexto em que vive. Família, alimentação, estilo de vida, o trabalho que desempenha… nada disso era considerado naquela medicina que estava fazendo e isso me decepcionou.”
Opção anestesiologista
Sem conhecer muita alternativa, seguiu para o lado oposto e decidiu por uma especialização em anestesiologia, concluída no ano de 2016. “É uma coisa muito pontual. Você vai lá e faz anestesia. Na maioria das vezes, a gente não vê mais. Não acompanha a recuperação.”
Daniele ainda não estava profissionalmente realizada. “Comecei a atuar, sempre gostei bastante da especialidade, nunca me arrependi, mas sentia falta de acompanhar o paciente.”
Uma realidade que começou a ser transformada um ano após o fim da residência, em uma viagem ao estado do Colorado, nos EUA. “Minha curiosidade veio quando eu conheci um médico prescritor de lá e vi o tanto de indicação que tinha de uma medicação derivada de uma planta.”
“Fiquei instigada a estudar e entender como uma planta podia ajudar com tantas patologias diferentes. Como ela agia no organismo para conseguir todos esses benefícios diferentes?”
Anestesiologista e prescritora
Conforme conhecia, se interessava mais pelo assunto e, em 2020, decidiu mergulhar de cabeça no assunto. Fez cursos de prescrição, pós-graduação e, em outubro de 2021, se sentiu segura para dar início à prescrição aos seus pacientes.
“Quando a gente está estudando, vemos o potencial da Cannabis, para tudo que pode ser usado, mas só na prática, vendo os resultados nos pacientes, que a gente consegue mensurar o quanto que realmente melhora na qualidade de vida dos pacientes.”
“Nesses dois anos, já foram mais de 300 pacientes atendidos e foi somente então que eu voltei a me sentir realizada com a medicina. Hoje em dia, eu tenho um contato bem próximo com os pacientes e posso ver essa melhora no dia-a-dia.”
Qualidade de vida
“Com a Cannabis, eu tenho a possibilidade de conversar com o paciente, ter tempo disponível para conversar com o paciente. A gente consegue ajudar o paciente de verdade. Eu vivi o oposto, tinha essa decepção, e tinha essa vontade de fazer diferente.”
“Tem sido assim muito legal poder ver essa essa evolução toda dos pacientes. A melhora da qualidade de vida. Consegui ajudar e tive esse retorno que eu não tinha na anestesia.”
“Até hoje, os resultados foram bem promissores. Já tratei diversas patologias, como dor crônica, fibromialgia, Alzheimer, Parkinson, autismo, TDAH, depressão, ansiedade, insônia.”
“A Cannabis não trata uma patologia específica. Pela maneira de ação no sistema endocanabinoide, acaba melhorando outros aspectos gerais do paciente. Melhora não só a doença, mas a qualidade de vida em geral. Acaba melhorando não só a vida do paciente, mas também dos familiares, de quem convive, dos cuidadores.”
Estudar e compartilhar
“Meu objetivo pessoal, daqui pra frente, é cada vez mais conseguir estudar, compreender e atender às pacientes da melhor forma possível, além de fazer esse trabalho junto a outros colegas de levar educação para que mais médicos possam prescrever e mais pacientes terem acesso.”
“Diminuir o preconceito é um caminho longo, mas, com todos os resultados que tenho em minha prática clínica, me sinto motivada a seguir nesse caminho e fazer parte dessa história. Cada vez mais eu quero estudar e compartilhar o conhecimento para desmistificar todo esse preconceito em torno da planta.”
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