A pauta sobre legalização das drogas vem ganhando cada vez mais espaço no cenário internacional nos últimos anos. Nesse sentido, médicos e políticos alertam para os potenciais riscos que essa medida pode acarretar, especialmente entre os jovens.
Recentemente, Bundestag, a Câmara dos Deputados da Alemanha, aprovou uma lei regulamentando o uso da Cannabis para maiores de 18 anos. Essa legislação permite a posse de até 25g em espaços públicos e até 50g em residências, além do cultivo de até três plantas por casa.
Neste contexto, médicos do país expressaram preocupações significativas em relação à regulamentação do uso adulto , especialmente em relação aos níveis de THC. Eles alertam que, ao tornar a substância mais acessível, o risco de vício e problemas de saúde associados ao seu uso aumentará, especialmente entre os jovens.
Em paralelo a isso, durante o julgamento da descriminalização do porte de Cannabis no STF, o ministro André Mendonça também levantou sua preocupação sobre o uso recreativo da Cannabis por jovens.
Já no âmbito legislativo, o Senado deu início ao debate em Plenário sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) relacionada às drogas, na última terça (19). A primeira sessão marcou o início das discussões sobre o texto, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, que visa incluir na Constituição Federal a criminalização da posse ou porte de entorpecentes e drogas ilícitas, independentemente da quantidade. A apresentação da proposta ocorreu em meio ao debate sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF).
Voltando ao Supremo, o ministro André Mendonça referenciou um estudo acadêmico da Universidade de São Paulo (USP), alertando para os danos que jovens e crianças poderiam enfrentar com um possível aumento do consumo. Ele ressaltou a existência de uma “imagem falsa de que maconha não faz mal.”
Para explorar mais profundamente as falas do ministro sobre os riscos, conversamos com a Dra. Amanda Medeiros, pediatra e psiquiatra especializada em tratamentos com Cannabis medicinal.
A médica destacou que o uso de substâncias como o álcool e a Cannabis, antes dos 25 anos, pode sim interferir negativamente na neurogênese – processo de formação de novos neurônios no cérebro.
“Até os 25 anos, estamos em pleno processo de formação do nosso lóbulo frontal, durante o qual ocorre intensa neurogênese, que é o processo de criação de novos neurônios, e a formação de numerosas sinapses entre eles. Portanto, não precisamos de agentes que intensifiquem esse processo. Pelo contrário, o uso de substâncias como álcool e Cannabis pode interferir nessa formação.”
A especialista explica que em vez de promover a neurogênese, essas substâncias podem ter o efeito oposto, levando à morte neuronal. Por isso, não é recomendado o uso, exceto para pacientes com necessidades específicas, como epilepsia, paralisia cerebral e autismo, ou aqueles com neurodivergência.
“Para esses casos, o uso da Cannabis pode ser indicado. No entanto, para pessoas sem essas condições, não há motivo para arriscar o uso da Cannabis antes dos 25 anos, já que o processo de formação cerebral ainda não está completo. Como costumo dizer, a Cannabis é mais adequada para idosos, que podem se beneficiar da neurogênese para reduzir inflamações, aliviar dores e melhorar o sono.”
Educação é fundamental para reavaliar a política de drogas no país
Ainda dentro dessa questão sobre as principais preocupações em relação ao uso de maconha na adolescência, a psiquiatra enfatiza que a melhor forma de conscientizar a população e melhorar a política de drogas é por meio da educação. Ela destacou que políticas atuais muitas vezes levam os jovens a fazerem uso clandestino de substâncias, o que pode ter consequências ainda mais graves para a saúde.
“O contexto da atual política de drogas, os pacientes acabam recorrendo ao uso precoce de substâncias proibidas por lei. Isso os leva a utilizar essas substâncias de forma clandestina, muitas vezes com uma qualidade duvidosa e contaminada com querosene e outras substâncias nocivas, resultando em danos neuronais e até mesmo podendo induzir o jovem a experimentar outras drogas. Nesse sentido, a abordagem antidrogas vigente, que se concentra na repressão ao tráfico, tem se mostrado ineficaz há muito tempo, tanto no Brasil quanto em todo o mundo”, avalia.
Alemanha: “um mercado regulado traz mais benefícios do que riscos”, diz ministro
Mesmo com a intenção declarada do governo de melhorar a qualidade da Cannabis consumida, os profissionais da saúde destacam os potenciais efeitos negativos que a medida pode ter na população mais jovem, especialmente considerando os níveis de THC permitidos.
No entanto, o Ministro da Saúde alemão, Karl Lauterbach, defendeu que um mercado regulado é essencial para proteger crianças e adolescentes e combater o mercado ilegal, argumentando que políticas de educação trarão mais benefícios do que a proibição da planta.
Em consonância com o pensamento do ministro Lauterbach, a Dra. Amanda Medeiros também destaca a importância de um mercado regulado para proteger adolescentes e jovens e combater o mercado ilegal no Brasil.
Enquanto o Ministro da Saúde do país ressalta os problemas causados pela política de proibição, incluindo o aumento do crime organizado e do consumo por menores de idade, a médica enfatiza a necessidade de orientação e educação para um uso responsável da substância. Ambos argumentam a favor de uma abordagem regulamentada que priorize a segurança pública e a saúde dos cidadãos.
Para a médica, é fundamental reavaliar essa política e, por meio da educação, orientar os jovens para que compreendam o momento adequado para ter contato com determinadas substâncias e como utilizá-las de maneira responsável.
“Em última análise, tudo se resume à necessidade de orientação e educação”, reforça.
Os riscos do THC apontados por Mendonça
O THC (tetrahidrocanabinol), principal composto psicoativo da Cannabis, também foi citado pelo ministro durante o julgamento, que expressou sua preocupação ao dizer que: “quanto mais cedo, frequente e prolongado o uso, maior a vulnerabilidade para problemas.”
A Dra. Amanda Medeiros Dias também enfatizou os perigos do THC já citados anteriormente neste texto, em doses elevadas, especialmente para os indivíduos mais jovens, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. Além de ressaltar que o THC pode ter um impacto negativo na saúde neuronal nessa faixa etária, e que os jovens, que já têm altos níveis de neurogênese naturalmente, podem ser particularmente vulneráveis aos efeitos prejudiciais durante esse período crítico de desenvolvimento.
A Dra. Amanda também salientou que o THC pode causar excitação e ser prejudicial nessa fase da vida, enfatizando que, geralmente, o uso de THC é mais seguro em idades mais avançadas.
E complementa ao reforçar que a orientação correta e a educação são fundamentais para mitigar os riscos associados ao uso da Cannabis e defende uma abordagem que coloque a substância como um medicamento, disponível para adultos após os 25 anos, com acesso controlado e acompanhamento médico.
“Eu acredito que a abordagem mais adequada é colocar a Cannabis como um medicamento. Então, se um adulto, depois dos 25 anos, quer fazer uso da substância, ele pode ter uma carteirinha especificando que ele é usuário da Cannabis. Pode ir até uma farmácia, um dispenser ou até mesmo uma farmácia viva, tendo ideia do que está sendo orientado para ele, um acompanhamento médico, com aconselhamento genético sobre o tipo de substância que ele poderia estar usando e a qualidade do produto. Esse seria o melhor dos mundos. Que os usuários fossem vistos como pacientes e fossem organizados e fiscalizados como tal.”
Cannabis e seus subprodutos
A declaração do ministro sobre “transformar maconha em alimentos ou cosméticos, como se fosse um produto qualquer”, pode abrir margem para possíveis desinformações. Nesse sentido, é importante ressaltar que o uso medicinal da Cannabis, com níveis controlados de THC, não representa riscos.
O CBD, por exemplo, é considerado seguro até mesmo para crianças. Dra Amanda destacou ainda o uso da Cannabis em casos de epilepsia infantil como um exemplo de aplicação medicinal, ainda sob controle rigoroso do teor de THC.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou regulamentos para a produção e comercialização de produtos derivados da Cannabis no Brasil.
Um destaque importante é o limite de 0,2% de THC, mais rigoroso do que o dos Estados Unidos, estabelecido em 0,3%. A Anvisa justificou essa diferença com base no efeito psicoativo da planta. Enquanto nos EUA o limite de 0,3% é considerado não psicoativo, na Comunidade Europeia é de 0,2%. Devido à convergência das normas brasileiras com as europeias, optou-se por adotar o limite de 0,2% de THC.
Vale enfatizar ainda, que esse limite não impede a presença de produtos com maior concentração de THC, mas estabelece um controle diferenciado com base na ação psicoativa da substância.
THC no uso medicinal
Apesar da Anvisa limitar sugerir a limitação de THC a 0,3% como segura, em alguns casos é necessário aumentar a proporção de THC e como na regulamentação não existe este nível, fica a critério do médico.
Como aponta Ana Hounie, Psiquiatra, Doutora e pesquisadora do Espectro da Síndrome de Tourette.
“Um fato importante no caso da síndrome de Tourette e em outros transtornos do movimento é que o canabidiol isolado não funciona. Para essas e várias outras patologias, a presença do THC é fundamental. Inclusive na sua forma ácida, o THCA, que possui atividade anti-inflamatória e anticonvulsivante. Muitos casos de epilepsia refratária que não respondem ao canabidiol, respondem quando se dá um extrato rico nas formas ácidas”, explica.
A médica reforça também que, produtos importados e denominados full spectrum, ou seja, extratos integrais do cânhamo (Cannabis com até 0,3% de THC) possuem quantidade tão pequena desse composto que, muitas vezes, não é suficiente para atender às necessidades dos pacientes.
“Assim, frequentemente torna-se necessário acrescentar THC de outra fonte ao produto full spectrum, diz a médica neste artigo que aborda em detalhes O papel terapêutico do tetrahidrocanabinol (THC)
Tratamento com Cannabis medicinal
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