Em um marco importante para a Medicina Veterinária no Brasil, os veterinários agora estão autorizados a prescrever derivados de Cannabis para o tratamento de diversas condições de saúde em animais. Essa regulamentação recente abre portas para novos estudos e tratamentos, ampliando as opções terapêuticas disponíveis para pets e outros animais.
O professor Rogério Martins Amorim, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, destaca que essa autorização “irá impulsionar muito diversas pesquisas utilizando a Cannabis medicinal no tratamento de enfermidades que acometem animais domésticos, muitas das quais são semelhantes a enfermidades humanas”. Ele complementa que, com isso, a pesquisa translacional – aquela que se aplica tanto a animais quanto a seres humanos – ganha um novo fôlego, permitindo avanços significativos.
Dentro desse contexto, o projeto da Unesp “Efeitos terapêuticos do Canabidiol em cães com síndrome da disfunção cognitiva”, recentemente contemplado com R$ 100.000,00 pelo edital de emendas de 2024 da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, busca investigar o uso do Canabidiol no tratamento dessa condição neurodegenerativa que afeta cães idosos, com sintomas semelhantes ao Alzheimer humano.
Síndrome da disfunção cognitiva canina
A Medicina Veterinária avança para tratar condições relacionadas ao envelhecimento dos animais, e um dos desafios mais recentes é a Síndrome da Disfunção Cognitiva Canina. Essa doença neurodegenerativa tem sido cada vez mais frequente à medida que a expectativa de vida dos cães aumenta.
Com o intuito de buscar tratamentos inovadores, o projeto da mestranda Klysse Assumpção, com orientação do professor Rogério Martins Amorim, visa investigar os efeitos da Cannabis em cães diagnosticados com a Síndrome, que é caracterizada por sintomas como: desorientação, perda de interação social, alterações no ciclo sono-vigília e problemas de memória.
“A motivação para o estudo surgiu com o aumento da longevidade dos cães, o que levou ao surgimento de doenças relacionadas ao envelhecimento, como a Síndrome da Disfunção Cognitiva. Essa síndrome é muito parecida com a Doença de Alzheimer em humanos, o que torna os cães um modelo natural para estudar essa condição e, consequentemente, desenvolver tratamentos que beneficiem tanto os animais quanto os humanos”, explica Amorim.
Metodologia e detalhamento da pesquisa
O estudo será realizado no Hospital Veterinário da Unesp, em Botucatu, com a participação de 20 cães idosos diagnosticados com SDCC. Durante 90 dias, os cães serão divididos aleatoriamente em dois grupos: um grupo receberá o tratamento com óleo de Cannabis e o outro, placebo. A administração do óleo de será feita por via oral, duas vezes ao dia e com doses ajustadas individualmente.
O acompanhamento dos animais incluirá exames neurológicos, testes de memória, ressonância magnética, análises de líquido cefalorraquidiano e biomarcadores séricos. A cada semana, os cães serão monitorados pela equipe de pesquisa, e o progresso será avaliado com base em questionários sobre demência canina e a percepção dos tutores sobre a qualidade de vida dos seus pets.
Critérios de seleção e exames avançados
O professor Rogério Martins Amorim detalhou os critérios para a seleção dos cães participantes do estudo. “A seleção será feita com base nos sinais clínicos da SDCC, como desorientação, alterações no ciclo sono-vigília, perda de interação social e comportamento agressivo ou ansioso”, explicou. Além disso, será aplicada uma pontuação no questionário de avaliação da demência canina e serão realizados exames de ressonância magnética para excluir outras doenças, como neoplasias.
“Com isso, garantimos que os cães incluídos no estudo realmente apresentem a síndrome da disfunção cognitiva e não outras condições neurológicas”, afirmou o professor. Essa abordagem minuciosa visa assegurar a qualidade dos resultados e a confiabilidade do estudo.
Potencial terapêutico
Embora o projeto seja inédito, o uso de Canabidiol para tratar doenças neurodegenerativas em cães já possui algumas evidências anedóticas. O professor Amorim acredita que a regulamentação recente da prescrição de derivados de Cannabis por veterinários pode impulsionar mais pesquisas na área.
“Apesar de não haver estudos anteriores exatamente como o nosso, sabemos que o Canabidiol tem mostrado resultados positivos em outras condições semelhantes”, afirmou.
Ele ainda destacou que o projeto pode trazer benefícios tanto para os animais quanto para humanos, uma vez que a SDCC é semelhante a doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.
Além disso, o grupo de pesquisa tem planos de expandir seus estudos para investigar o uso do Canabidiol em outras doenças neurodegenerativas caninas, como a encefalite de etiologia desconhecida, que é comparável à esclerose múltipla em humanos.
Impacto para veterinários e futuras direções
Após a conclusão deste estudo, os pesquisadores esperam que os resultados ajudem a desenvolver novos protocolos terapêuticos para veterinários que tratam cães com SDCC. “Se conseguirmos resultados positivos, poderemos oferecer uma opção terapêutica que ajude a melhorar a qualidade de vida dos cães, retardando o avanço da doença e aliviando seus sintomas”, afirmou Amorim.
O professor ressaltou ainda que, ao concluir essa pesquisa, a equipe da Unesp planeja ampliar o número de animais envolvidos, realizando um estudo multicêntrico que envolverá outros hospitais veterinários e possivelmente novas doenças. “Nosso objetivo é aprofundar os mecanismos pelos quais o Canabidiol (CBD) age no organismo dos cães e investigar como ele pode ser utilizado em outras condições neurodegenerativas”, concluiu.