“É ridículo ter essa ferramenta e não usar, ou pelo menos pesquisar para descobrir o que mais pode fazer”, disse Bonni Goldstein, diretora médica da Canna Center Wellness & Education da Califórnia, nesta terça-feira, 10, no Medical Cannabis Summit. Com doze anos de experiência com Cannabis medicinal, ela já tratou mais de mil crianças com a substância, supervisionando os tratamentos e resultados de perto. Goldstein publicou dois livros, o segundo se chama “Cannabis is Medicine” (Cannabis é remédio).
A médica iniciou o painel dizendo que a medicina com Cannabis é diferente da que usa farmacêuticos tradicionais porque é possível personalizar os canabinoides para que funcionem em favor das especificidades de cada corpo.
Tratamentos com Cannabis
As doenças mais comuns em crianças que trata são: epilepsia, autismo, câncer, transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (ADHD), ansiedade, depressão, bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtornos alimentares, síndrome de Tourette, dores crônicas, doenças autoimunes, genéticas e paliativos para final de vida.
Goldstein lista pontos que podem apontar para a indicação de tratamentos com Cannabis:
- Evidência de disfunção do sistema endocanabinoide – a Cannabis entra para dar equilíbrio ao sistema;
- É um medicamento seguro, especialmente sob supervisão médica
- É geralmente tolerada, e essa tolerância deve ser medida com exames de sangue;
- Não causa dano aos órgãos – ela lembra que há casos de danos, geralmente com remédios alopáticos associados;
- Promove melhoria da qualidade de vida;
- Ajuda a mitigar sofrimento no fim da vida;
- Muitos produtos já estão disponíveis – mas ela aponta a importância da procedência: se não se sabe o que está tomando, não é possível saber o que está fazendo bem ou não.
Goldstein lista canabinoides disponíveis na Califórnia: THC, CBD, (como substâncias majoritárias, com diferentes proporções), CBDa, THCa (formas ácidas do CBD e THC), CBG, THCV, CBDV, Delta-8-THC (o THC é o Delta-9-THC).
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Epilepsia
Goldstein mostrou várias pesquisas e casos de pacientes durante sua palestra. Alguns números interessantes para ilustrar sua explanação sobre casos pediátricos em epilepsia, que atinge 1% da população. Destes pacientes, 30% são refratários, enquanto que as crianças têm o dobro da incidência da doença que adultos. Ela também apresentou uma série de análises de casos.
Em 2015, a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) apontou que 85% dos pacientes tiveram redução de convulsões e 14% não tiveram mais incidência, usando produto 15:1 (CBD / THC). No ano seguinte, em um estudo feito em Israel, foi constadada reduação em 89% dos casos, enquanto em 1% os sintomas foram zerados. Em 2017, ela mesma e Dustin Sulak publicaram estudo demonstrando uma redução de 86%, com 10% de pacientes livres de crises. Os efeitos colaterais apontados como sonolência e sedação ela atribuiu à potencialização de medicamentos associados.
Anticonvulsivantes
Sobre efeitos anticonvulsivantes, Goldstein lembra que o CBD tem 65 alvos somente no cérebro e atinge até receptores fora do sistema endocanabinóide. O que se sabe é que o CBD inibe a super excitação neuronal, modula o cálcio intracelular e reduz neuroinflamação – tudo que causa os ataques epilépticos.
Autismo
Ao falar sobre autismo, Goldstein explicou que “é uma doença difícil, com vários sintomas diferentes para cada paciente”. Por isso, apesar de existirem muitos artigos sobre o tema, ela explica que ainda não há conhecimento suficiente e são poucos os tratamentos efetivos.
Goldstein comentou sobre um artigo de 2013 que diz que crianças com autismo têm anormalidades no sistema endocanabinoide. “Quando colocamos a planta, tentamos balancear o que está desequilibrado no corpo”, diz. Ela finalizou o tópico citando um estudo de Stanford de 2018: os cientistas conseguiram medir os níveis de anandamida por análise de amostras de sangue, e constataram que crianças autistas têm baixos níveis da substância.
Dosagem
Sobre dosagem, Goldstein abordou o caráter bifásico do CBD: em baixas doses pode causar agitação, mas o aumento da dose pode acalmar. “Se não tem benefício, a chave é ir aumentando até ter efeito”, disse, lembrando que crianças estão sempre em desenvolvimento e, portanto, exigem ajustes constantes.
Em casos de câncer pediátrico, a Cannabis pode melhorar o apetite, sono, dor, ansiedade e até há casos de remissão. Goldstein lembra que ainda não há pesquisas suficientes para entender o processo de diminuição de tumores, mas alerta: “Tem algo aqui, precisamos de pesquisas. Estou cansada de ver crianças morrendo porque não temos mais pesquisas”.
Ela ainda desabafou sobre algumas dificuldades pelas quais os pacientes passam nos EUA: encontrar médicos que entendam e possam ajudar; falta de acesso local para produtos de qualidade; quando finalmente encontram um produto que funcione, este pode ser descontinuado ou ter sua formulação alterada.
Goldstein faz outro desabafo, muito comum entre médicos e pacientes brasileiros: “A proibição não funciona, as famílias vão encontrar tratamentos de qualquer forma. Por que então não somos nós a guiar o caminho?”
Outros painéis
Acolhimento e histórias de pacientes
O primeiro painel de 10 de novembro trouxe uma mãe, uma paciente e uma fisioterapeuta. Elas comentaram o acolhimento, que é a prática receber o indivíduo no atendimento médico, por meio de atitudes e comportamentos atenciosos, levando em conta uma assistência integral e holística.
Neide Martins
A mãe de Victor, autista e epiléptico refratário, lembra que ele chegou a tomar 18 comprimidos por dia, e que hoje utiliza menos de quatro doses diárias. Depois de seis anos de tratamento com Cannabis, ela não só zerou as convulsões de Victor, como entrou de cabeça no mundo das mães que precisam ter acesso à planta. Ela apareceu em matérias no portal Cannabis & Saúde, Mídia Ninja, G1, Quebrando o Tabu entre outros, e a atenção, carinho e procura por ajuda a surpreenderam. “Foi bom saber que meu filho está cumprindo a missão dele de ajudar as pessoas”.
Hoje ela perdeu a conta de quantas mães ajudou: “O meu acolhimento é uma adoção de cada pessoa que passa na nossa vida”, diz, fazendo um paralelo com o fato de Victor e a irmã Kauane serem adotivos.
Fernanda Fontenele
Conheceu a Cannabis na Califórnia em 2009. Tetraplégica, ela trouxe para o Brasil o Sistema de Treino Neuromotor (NTS), uma forma inovadora de recuperação física. Ela mesma se beneficia do NTS aliado à Cannabis medicinal.
Conta que suas dores eram incapacitantes e que tomava remédios que sequer faziam efeito. “Com o canabidiol tive uma resposta muito boa e tenho até hoje”, diz, lamentando não ter tido acesso antes.
Ana Gabriela Baptista
Importante apoio para médicos prescritores que assessora, a fisioterapeuta lembra: “Meio milhão de médicos e pouco mais de mil são prescritores de Cannabis medicinal no Brasil”. Por isso, Baptista colabora dividindo conhecimento, parte técnica e clínica com médicos. “Quanto mais precoce o início do tratamento com Cannabis, maiores as chances de recuperação”, lembrando que a planta é analgésica, anti inflamatória, imunomoduladora entre outros efeitos. Ela ainda apontou que “a terapia canabinóide bem titulada por profissional capacitado quase não traz efeitos colaterais”.
Estilo de Vida e o Sistema Endocanabinoide
No último painel de 10 de novembro, duas médicas que são referência em medicina canabinóide falaram sobre o sistema endocanabinoide e estilo de vida.
Ambas as médicas sentiram, ainda na faculdade, uma desconexão com a abordagem focada em sintomas e remédios e mudaram suas vidas com uma medicina mais abrangente e Cannabis medicinal.
Paula Dall ‘Stella
Médica funcional, ela hoje usa Cannabis medicinal para quase todos os pacientes que atende. Estuda e ensina medicina canabinóide e é diretora técnica da associação AMA+ME.
“Por muito tempo acreditamos que nosso destino era determinado pela genética. Mas o estilo de vida é muito mais importante para determinar se ficaremos doentes ou não. O que faz com que expressemos os genes são os hábitos. São os marcadores do estilo que podem predispor uma doença crônica” diz a médica, determinada a ensinar seja pacientes a tomar decisões informadas sobre seus hábitos.