O STJ decidiu que a produção de Cannabis para fins medicinais é permitida, mas deve ser regulamentada pelo Executivo federal. Apesar de essa decisão representar um passo significativo para a legalização e regulamentação do uso medicinal da Cannabis no país, ela ainda não é suficiente para atender plenamente às diretrizes da democracia. Isso porque limita o plantio a uma espécie específica da planta, o teor de THC, e restringe a finalidade ao uso exclusivamente industrial e médico, o que, de certa forma, limita o acesso.
O tema, que inicialmente parecia definido pela ANVISA, tornou-se uma questão complexa dentro da organização do Estado Brasileiro. A partir de 2019, tornou-se necessário o envolvimento do Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um com suas competências, para encontrar um caminho viável que ampliasse a qualidade, segurança e eficácia do uso medicinal da Cannabis, além de permitir a independência fabril na produção de insumos e reduzir os custos do produto final.
Com efeitos colaterais importantes para os pacientes, houve a suspensão da tramitação dos processos pendentes, tanto individuais quanto coletivos, sobre a questão. Isso gerou um imenso prejuízo para a resolutividade do direito à saúde de muitos pacientes. Após grande repercussão no mundo jurídico e impactos sociais, o STJ julgou a utilização de substratos da Cannabis Sativa cultivada no país para a produção de medicamentos. Por unanimidade, o STJ autorizou o plantio do cânhamo — uma variedade da Cannabis rica no princípio ativo canabidiol (CBD), utilizado para tratar diversas doenças e proporcionar qualidade de vida aos pacientes — desde que o teor de THC seja mantido abaixo de 0,3%.
A Consulta Pública 665/2019 está arquivada na ANVISA após ter passado pelo rigoroso processo de impacto regulatório, o que significa que o prazo de seis meses para uma possível regulamentação pode ser resolvido de forma técnica em um período bem inferior. Contudo, politicamente, espera-se que este assunto seja retomado pela Agência no início de 2025 — embora eu prefira estar enganada quanto a essa previsão.
Atualmente, cerca de 600 mil brasileiros fazem tratamento com medicamentos à base de Cannabis, e muitos esperam que o Executivo seja célere na definição do modelo regulatório. A regulamentação só será eficaz e sem efeitos colaterais se reduzir a peregrinação ao Judiciário, evitar o comprometimento do orçamento da Saúde e garantir o acesso por meio de uma Política de Assistência Farmacêutica robusta. Por outro lado, o mercado gerou algo em torno de 800 milhões de reais em 2024 e deve movimentar até 1 bilhão de reais no próximo ano, gerando empregos, renda e orçamentos para o Executivo.
Esses dados, antecipados pela competente Kaya Mind em seu Anuário da Cannabis Medicinal 2024, cujo lançamento será em 26 de novembro, demonstram que o caminho está sendo pavimentado de forma consistente e promete se tornar permanente.
No que diz respeito à fibra extraída do cânhamo, matéria-prima valiosa para a indústria têxtil e uma das fontes mais ricas de proteína vegetal para o setor alimentício — além de outros muitos setores da indústria — espera-se que a sua legalização pelo Congresso Nacional se concretize em breve. A sociedade precisa agir com força para que este tema urgente seja tratado com a devida prioridade.
Teses Aprovadas – STJ
Nos termos dos artigos 1º, parágrafo único, e 2º, caput, da Lei 11.343/2006, não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (hemp), variedade da Cannabis com teor de THC inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência;
De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto 54.216/1964) e a Lei de Drogas, compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial, não havendo atualmente previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário quanto a esses outros aspectos;
À vista da disciplina normativa para os usos medicinais e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela ANVISA proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei de Drogas, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item 1 das teses (o cânhamo industrial cujo teor de THC é inferior a 0,3%);
É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial por pessoas jurídicas para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos, atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela ANVISA e pela União, pelos seus diversos ministérios;
Em sua atuação normativa, incumbe à ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas, bem como garantir a idoneidade das pessoas jurídicas autorizadas a exercerem essas atividades, sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial.
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