Cultivar sua própria Cannabis é ilegal. Embora tenha crescido o número de médicos que encontram na planta propriedades que melhoram as condições de vida dos seus pacientes, de insônia à esclerose múltipla, a legislação ainda não permite que pessoas plantem o seu próprio remédio, embora existam algumas exceções.
Porém, diante do alto custo dos medicamentos importados à base de Cannabis, muitos optam por desafiar a lei.
Nos países onde a maconha é legalizada, o remédio sempre é mais caro que a planta para consumo recreativo. Por questões burocráticas e controle farmacológico, ela é mais cara.
Não para produzir, mas para a venda ao consumidor.”, conta Sérgio Vidal, antropólogo pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Substâncias Psicoativas (GIESP/UFBA) e da Associação Brasileira de Estudos Sociais sobre Psicoativos (ABESUP).
“Mesmo nesses países, por mais sofisticado que seja o cultivo, plantar a sua própria Cannabis sempre é a opção mais barata”.
Enquanto segue em debate em uma comissão especial da Câmara dos Deputados um projeto para a regulamentação da Cannabis medicinal que considera a possibilidade do cultivo por indivíduos, apenas organizações da sociedade civil deverão conseguir uma autorização para o cultivo. Hoje, a Associação Abrace Esperança, de João Pessoa (PB), é a única com sua produção totalmente legalizada.
Para os pacientes, resta apelar para o sistema judiciário. Assim, por meio de um Habeas Corpus ou um salvo-conduto, algumas pessoas tem conseguido nos tribunais o direito de plantar maconha em casa.
Hoje já são mais de 60 pacientes com condição refratária, ou seja, que não respondem a outros tipos de tratamentos convencionais e que podem plantar sem enfrentar problemas com a polícia.
Diretor médico do Centro de Epilepsia do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Eduardo Faveret é um dos primeiros médicos a receitar Cannabis no Rio de Janeiro. Ele encontrou encontrou nela o alívio para as enfermidades de mais de mil pessoas.
Cultivo é a tendência
“Muitos estão nesse caminho. Já cultivando e produzindo seu remédio e se preparando para dar entrada (na Justiça)”, adianta Faveret, que acredita que o cultivo é a tendência.
“Ou porque não têm condição de comprar, ou porque acham que é um direito produzir o próprio remédio”, diz Faveret, que alerta para o preconceito como principal entrave:
“Muitos já produzem e ficam meio na dúvida se pedem um Habeas Corpus ou não. Depende muito do juíz. Se vai cair com um juiz conservador, dependendo da sua condição, de onde você mora… Essas coisas, às vezes, as pessoas ficam com receio e acabam fazendo um cultivozinho dentro de casa.”
Morador de Marília (SP), Evaldo Lopes Júnior, 34 anos, está na lista dos brasileiros autorizados pelo Poder Judiciário a cultivar o remédio. Seu pai, com Parkinson, é o beneficiado. Segundo ele, seu sucesso nos tribunais veio acompanhado de muita sorte, principalmente por ser advogado e não ter que arcar com o oneroso processo judicial.
“Se não tivesse mão de obra gratuita, ou a sorte de cair nas mãos de pessoas bem informadas, eu não teria conseguido”, lembra.
“É uma vitória doce, mas tem o fundo amargo. Eu fiz a minha parte, tive um privilégio, mas se tivesse que comprar o serviço (jurídico) ou o remédio, não ia ter condição.”
Resolvida a questão legal, se vai a principal dificuldade para cultivar sua própria Cannabis.
“Eu fiz uma estufinha fora de casa com materiais de ferro velho. Eu mesmo soldei, gastei muito pouco para fazer uma estrutura bacana”, conta Evaldo Jr.
“Hoje essa estufa recebe luz do sol, capta a água da chuva. Uma água mais pura e gratuita.”
Para ele, apesar das diversas especificidades da planta, basta um pouquinho de estudo para aprender a cultivar. “Na internet você encontra tudo. Tutoriais em português, lojas que vendem todos os produtos que você precisa. Então, se quiser plantar, planta!”
Fundador da Vital Green Jardinagem Medicinal Especializada e autor do livro “Cannabis Medicinal – Introdução ao Cultivo Indoor”, Sérgio Vidal é um dos que se dedicam a propagar as técnicas para a produção caseira do medicamento. Ele explica que a complexidade do plantio vai depender muito do espaço disponível.
Se a pessoa mora em uma casa com quintal onde bate luz solar, e não tiver problemas com vizinhos intrometidos, fica mais fácil.
“Se não, vai ter que colocar a planta em uma estufa com luz artificial. Mas isso não basta. Tem que simular tudo que tá no ambiente. A circulação do ar, o clima, a temperatura, fica um pouco mais complicado.”
Nesse caso, é preciso investir. De acordo com Vidal, um paciente com uma demanda pequena de flores de Cannabis, como 50 gramas por mês, não vai gastar mais que R$ 500 para montar toda a estrutura necessária, incluindo iluminação e ventilação, caso compre tudo em lojas de jardinagem e de produtos elétricos. Se for comprar tudo pronto em lojas especializadas, esse valor sobe para cerca de R$ 1.500.
A produtividade média de um cultivo é de 100 a 200 gramas por metro quadrado. “Você pode ter uma planta grande ou várias pequenas”.
Clima do Brasil é uma vantagem
Já sob a luz do Sol, o fato de estarmos em um país cuja maior parte do território está em clima tropical, é uma vantagem. A planta está adaptada a florescer somente quando se depara com noites de cerca de 12 horas, algo que acontece o ano todo na maior parte do Brasil. Assim, é possível plantar o ano todo. A desvantagem, porém, é que com dia não tão longos como no verão de locais em latitude mais elevada, a planta tende a crescer menos durante a chamada fase vegetativa.
Outro detalhe que é preciso prestar bastante atenção é quanto à qualidade e característica da semente que vai dar início ao cultivo. Isso porque é a genética da semente, e não a forma de cultivo, que vai garantir que a planta terá a proporção desejada de cada substância canabinoide.
Sérgio Vidal conta que as fontes mais confiáveis e variadas de sementes são os sites internacionais. Embora o STF tenha criado um precedente legal ao inocentar uma mulher por importar 26 sementes da Holanda, considerando não constituir em crime, a prática não está prevista na lei.
“Mas acontece que, algumas pessoas, comerciantes ilegais mesmo, tem trazido sementes em atacado e colocado à venda nas redes sociais. Então não tá tão difícil achar as sementes e comprar dentro do Brasil mesmo”, conta Vidal.
Por se tratar de comerciantes ilegais, é bom pesquisar sobre o fornecedor para garantir acesso a um produto de qualidade. Vidal também alerta contra o uso de pesticidas químicos. “Quando você faz remédio de Cannabis, faz uma extração da resina”, explica.
“Isso gera uma concentração, não só dos princípios ativos da planta, mas tudo que foi usado de produto químico durante o processo de cultivo. Toda aquela quantidade de veneno que ficou na planta vai ser concentrado. Isso
é um problema.”
Esse cuidado tem o Evaldo Júnior. “Eu sei o que ponho ali. Não ponho veneno, agrotóxico, adubo químico, nada. Estou cultivando uma planta orgânica e fazendo remédio. Não tem nada mais puro que isso.”
De acordo com ele, o processo de produção do óleo da cannabis é ainda mais fácil que o cultivo. “É muito simples. É basicamente colocar as flores no álcool de cereais. O álcool tira a resina das flores, e aí joga em uma chocolateira ou uma panela de arroz -que mantém a temperatura a pouco mais de 100ºC-, e espera evaporar. O que fica é o
óleo.”
Sérgio Vidal faz um paralelo com o cuidado no preparo dos alimentos para um paciente.
“A cannabis é só mais um vegetal que era para estar na cozinha. O cuidado que tem que ter com ela, é o cuidado de qualquer alimento”, afirma. “Tem que estar limpa, não pode estar mofada, suja de contaminantes.”
Cromatógrafo Líquido analisa a quantidade de canabinoides
Em 2019, a associação Abrace Esperança adquiriu um aparelho de HPLC , sigla em inglês para Cromatografia Líquida de alta performance com Espectrometria de Massa. Esse nome complicado quer dizer que, com essa máquina, é possível mensurar a exata composição de canabinoides presentes nos óleos de Cannabis.
“Estive lá no final de dezembro, e eles estão muito bem organizados. Vão dar um salto de qualidade, porque os produtos todos vão ser analisados”, diz o médico Eduardo Faveret.
“Eles cooperam muito com as outras associações e, consequentemente, com seus associados. Quem tem seu cultivo, tem agora a possibilidade de ter seu óleo analisado.”
Toda essa realidade, no entanto, tende a mudar conforme a legislação e regulamentação do uso da Cannabis medicinal avance. “Isso é nesse momento atual da humanidade. Um remédio como o Melagrião, por exemplo, não custa a mesma coisa que um remédio de Cannabis”, pondera Sérgio Vidal.
“Em algum momento eles vão estar no mesmo nível. O remédio de Cannabis custa caro por causa da mistificação em torno do tema. Outros fitoterápicos não custam tão caro quanto isso.”