A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) tem se destacado como pioneira no Brasil nas pesquisas relacionadas à Cannabis, especialmente no tratamento da Doença de Parkinson.
Recentemente, o Globo Repórter fez menção a um estudo conduzido pela professora Soraya Smaili, titular do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, sobre o acúmulo da proteína alfa-sinucleína associado à doença de Parkinson e como isso pode ser abordado através do uso de canabinoides.
Conversamos com a especialista para entender melhor os detalhes de como esse acúmulo da proteína alfa-sinucleína está relacionado ao desenvolvimento do Parkinson e como os canabinoides podem influenciar esse processo, oferecendo uma perspectiva promissora para o tratamento da doença.
O que é a Alfa-Sinucleína?
A alfa-sinucleína é uma proteína presente no organismo humano, especialmente nas células nervosas do cérebro. Ela desempenha um papel importante na regulação da liberação de neurotransmissores e na manutenção da estrutura das células nervosas.
No entanto, quando ocorrem mutações ou disfunções nessa proteína, ela pode se acumular de forma anormal, formando aglomerados ou placas que são tóxicos para as células nervosas. Esse acúmulo está associado a várias doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de Parkinson.
“A alfa-sinucleína pode sofrer mutações devido a fatores que ainda não compreendemos completamente. Em cerca de 1% dos casos, essa mutação é de origem genética, ou seja, a pessoa carrega um gene defeituoso que leva à produção incorreta da proteína. Essa produção inadequada resulta em uma forma tóxica da proteína, contribuindo para a degeneração dos neurônios motores, como observado na doença de Parkinson. No entanto, em mais de 90% dos casos, as mutações ocorrem devido a fatores ambientais, como má alimentação, estresse e exposição a agentes oxidativos. Essas mutações também levam à formação de uma forma tóxica da proteína, contribuindo para a morte celular e a progressão da doença.”
Alfa-Sinucleína e os Canabinoides
Soraya explica que o estudo em questão se concentrou em examinar como os canabinoides afetam o acúmulo da proteína defeituosa.
“Pegamos culturas de células neuronais, cultivamos na incubadora e aplicamos diferentes canabinoides. Verificamos e selecionamos alguns desses canabinoides que têm a propriedade de degradar e eliminar a proteína defeituosa. Acreditamos que isso possa aliviar os efeitos tóxicos da proteína, que contribuem para o desenvolvimento do Parkinson. Embora não seja uma cura, isso pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes.”
Um dos aspectos fundamentais do estudo foi o screening de diversos compostos derivados da Cannabis. Dos mais de 100 compostos ativos presentes na planta, 21 foram selecionados para essa análise.
“Queremos compreender o mecanismo de ação porque, ao usar a Cannabis integralmente, estamos lidando com uma mistura de compostos. Isso dificulta a identificação do receptor específico ativado. Ao estudarmos cada classe de subcompostos e de compostos individualmente, conseguimos descrever melhor o mecanismo que promove a degradação da proteína mal formada, conhecida como alfa-sinucleína”, explica.
Atualmente, o estudo está em andamento, com testes realizados em células e em modelos animais, como roedores e peixes.
“Dos 21 compostos analisados, selecionamos 4 que demonstraram ser mais potentes na promoção da proteção neuronal. Esses compostos têm a capacidade de eliminar a proteína malformada e prolongar a vida dos neurônios, evitando a morte celular. Atualmente, esses 4 compostos estão passando por testes em camundongos e peixes, para avaliar sua eficácia em modelos vivos. Embora ainda não tenhamos os resultados dos testes em peixes, observamos que esses compostos protegem contra o desenvolvimento de sintomas semelhantes ao Parkinson em camundongos. Esses resultados podem abrir caminho para estudos clínicos em humanos em uma próxima fase da pesquisa”, conclui.