A mãe chegou correndo no hospital, com o bebê nos braços. A pediatra já a esperava na calçada. Ao receber a criança, a médica notou os lábios roxos, provavelmente devido a uma parada cardíaca e respiratória que acabara de sofrer. Imediatamente, começou a massagear o peito do pequeno, enquanto gritava “UTI, UTI, preciso de uma UTI”. A mãe, Bia Souza, conta que ficou alguns minutos parada, sem entender o que havia acontecido.
Depois de alguns minutos, a irmã de Souza, que trabalhava no hospital, desceu e explicou que o pequeno Pedro tinha sido induzido a um coma, para não perder a vida. Ele tinha apenas quatro meses. “E a minha vida nunca mais foi a mesma”, diz.
Pedro ficou em coma por um mês e meio, enquanto a família se revezava no hospital. Souza conta que, depois da oração de um amigo que insistiu em visitar mesmo sem poder, finalmente saiu saiu do coma. Só que nem parecia, voltou em estado vegetativo: a falta de oxigenação tinha causado paralisia cerebral. Só abria os olhos, não se movia, não tinha reação, não parecia ficar feliz nem sentir dor e precisou ser alimentado por seringa de dois em dois minutos para não vomitar, pois tinha desaprendido a engolir.
Mãe e filho passaram um ano entre idas e vindas do hospital. Passavam quinze, vinte dias em casa, mas de repente ele ficava com os lábios roxos e eles corriam de volta ao hospital para entubar o bebê. Souza conta que, por várias vezes, pedia a estranhos para dirigir seu carro enquanto ela acudia o filho. Ela trabalhava de dia como auxiliar administrativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e à noite cuidava de Pedro, em casa ou no hospital.
Até os quatro anos, Souza passou por diversos médicos sem encontrar diagnóstico nem tratamento adequado para os espasmos que causavam ferimentos. Os remédios faziam efeito por no máximo um ano e depois paravam de funcionar. Eram anticonvulsivantes, antidepressivos e anti espasmódicos que o faziam dormir excessivamente. Souza teve que levá-lo ao hospital algumas vezes por excesso de remédios, completamente dopado.
O diagnóstico de síndrome de West e autismo só veio quando Souza voltou a consultar a neuropediatra Marcia Cascardi, a mesma que os atendeu durante o coma. Ela ajustou os remédios e o quadro de Pedro se estabilizou.
Impotentes diante da doença
Conhecida como uma síndrome que atinge bebês, a West evoluiu para Lennox-Gastaut, que atinge crianças, e ainda com quatro anos, Pedro teve uma piora nos espasmos. Mexia os braços e olhos involuntariamente. Com os tratamentos alopáticos elas conseguiram controlar as crises, as convulsões eram leves. Enquanto isso, Souza precisou fazer tratamento psicológico. Tinha medo de perder Pedro enquanto dormia, perdeu o emprego porque não conseguia se concentrar, tentava o apoio na fé para suportar o sentimento de perda. “Tem que aprender a lidar”, ela ensina.
Ao longo dos anos, e Souza e a neuropediatra controlavam os remédios de Pedro. Eram consultas semanais, Souza fazia um caderninho com o dia a dia, quantas vezes ele tinha convulsionado. Iam contornando os efeitos colaterais como ânsia de vômito, prisão de ventre, vômito com sangue. O remédio do momento parava de funcionar, elas trocavam. Souza conta que houve um período em que Pedro chegou a convulsionar 50 vezes ao dia por anos seguidos. Acertaram o remédio, ele voltava a ter apenas uma por mês até que o remédio parava de fazer efeito novamente.
A descoberta da Cannabis
O último remédio tradicional que ela se lembra foi o topamax, que funcionou bem por dois anos. Em dezembro de 2019, parou de funcionar. Elas tentaram voltar alguns remédios mais antigos, sem resultado. Enquanto isso, as crises de Pedro foram se tornando mais violentas. Neste período, a neuropediatra estava começando a entender sobre Cannabis medicinal. Ela estava atendendo Victor, um menino autista de Santos, e testemunhou a melhora do paciente, em parceria com o médico prescritor Pedro Pierro.
Bia já tinha ouvido falar da planta e pediu a neuropediatra para tentarem. Souza conta que ela ficou receosa e avisou que, como Pedro era muito refratário, o tratamento com Cannabis podia não dar certo e ainda por cima era muito caro. Souza foi firme: “não se preocupe com nada, só receita que eu corro atrás”.
Neide Martins, mãe de Victor, a orientou sobre o processo na Anvisa, o tratamento e judicialização. Souza descobriu que poderia receber o óleo pelo plano de saúde. Pelo SUS, ele faz sessões de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional, e poderia ter neurologista pelo convênio, mas Souza não abre mão do atendimento de Cascardi, a neuropediatra.
Diferentes tipos de óleos de Cannabis
Aprendendo juntas sobre terapia canábica, elas começaram há dois meses com um isolado de CBD importado. Souza notou piora, com mais convulsões, e pensou em desistir, mas Cascardi não deixou: “não pára, é questão de adaptação”. Em cinco dias, conseguiu uma liminar e conseguiu que o plano de saúde pagasse um óleo de CBD com THC.
Só então vieram os resultados: as convulsões foram ficando mais breves e espaçadas. Antes, eram 40 por dia, muitas vezes com intervalos de cinco minutos entre uma outra. Caíram para uma a cada três dias.
Há quinze dias, começaram o tratamento com o óleo novo, para tentar atingir a meta desejada: a neuropediatra acredita ser possível chegar em zero convulsões. Souza conta que, apesar das crises, Pedro sempre tinha sido uma criança feliz e amorosa, mas que não fixava o olhar, tinha pouca interação, não conseguia levantar do chão sozinho.
Com a entrada da Cannabis ele ficou mais atento: assiste televisão, busca o fone de ouvido, levanta do chão, dá passos mais firmes: dá dez passos, senta, descansa, levanta e começa tudo de novo. Ela até sentiu que ele está criando massa muscular por conta do exercício: “antes era muito magrinho”.
Por enquanto, Pedro continua tomando três remédios alopáticos porque ainda é muito cedo para pensar em desmame. O plano é aumentar a dose do óleo e ver como ele responde. Souza conseguiu o antigo emprego de volta, e já sugeriu palestras na OAB para ajudar mães que, como ela, acham que o processo de judicialização é difícil. “Fiquei abismada com a falta de informação sobre Cannabis”, diz. “Precisamos juntar mães para passar a informação adiante”.