Com mediação de Marcus Bruno, editor do portal Cannabis & Saúde, participaram do painel sobre o papel da imprensa na medicina canabinoide: Ricardo Amorim (blog CannabiZ da Veja), Valéria França (blog Cannabis Inc. – Folha de São Paulo) e Miriam Sanger (site israelense Cannigma). Veja como foi o primeiro dia do Medical Cannabis Summit.
A história dos jornalistas
Ricardo Amorim
Ricardo Amorim do blog CannabiZ, o primeiro sobre Cannabis na grande mídia, conta que começou a olhar o mercado em 2017. Ele tinha o que chamou de autopreconceito. Mesmo assim, achou que o assunto precisava de cobertura da grande imprensa, que precisava falar para fora da bolha dos já convertidos entusiastas de Cannabis.
Com o assunto em alta em 2019, ele foi à editoria da revista Veja e usou como argumentos a situação na Europa e nos EUA, que pela Anvisa já era uma realidade e queria começar um blog para cobrir o assunto. Ele conta que, por conta da relevância editorial, a revista aprovou na hora. Em duas semanas o blog foi ao ar e Amorim relata que os argumentos que usou são os mesmos que procura trabalhar no blog: fatos, dados e compromisso como jornalista, para que o leitor faça seu julgamento e tome sua decisão.
Valéria França
Valéria França começou com o Cannabis Inc na Folha de São Paulo logo depois. Pouco antes, em 2018, havia feito um documentário para a Ambev e descobriu que uma cervejaria pequena e artesanal tinha sido comprada pela multinacional. Até aí, nada de novo. Mas os sócios investiram em uma fábrica de sucos com CBD na Califórnia. Depois ela ainda ouviu que empresas como a Verdemed estavam abrindo no Brasil. Fez uma matéria com cinco startups de Cannabis no Estadão no caderno de Economia, e com isso começou a receber notícias sobre Cannabis, tanto a recreativa quanto a medicinal.
Ela então propôs do blog ao Estadão, que retornou que eles não queriam falar sobre o assunto, “Porque nossos leitores não vão gostar”, diz França. Ela foi então à Folha de São Paulo que abraçou a ideia. Para ela, o papel da imprensa é abrir portas e mostrar que não é ativismo, fazendo debates com responsabilidade. Ela fala de medicina, saúde e bem estar, filtrando e pesquisando as informações. “É tudo pesquisado, não é vale tudo. Nossa leitura é outra, não é de coração, é profissional, que quer ajudar as pessoas a entenderem e estudarem”, diz.
Miriam Sanger
Miriam Sanger, participando direto de Israel, é editora do site The Cannigma, e conta que “caiu no assunto sem querer”. Ao fazer uma matéria com uma amiga da Folha, entrevistou Saul Kaye, o farmacêutico australiano que ficou milionário antes dos trinta anos. Ele tinha fundado a Cannatech como um hub, uma incubadora de start ups em Cannabis. Ela já escrevia para a revista Época e propôs um perfil do empresário, que estava criando um ecossistema, que incluía pressão no parlamento israelense, a provocação da discussão na mídia e com empresários. Depois de mais algumas matérias publicadas, o site israelense Cannigma, que era voltado somente ao público norte americano, abriu a versão brasileira e a chamou. Focado em Cannabis medicinal e em prover educação, a publicação online fala de pesquisas, estudos e depoimentos. Apesar de ter notado a tendência de se falar mais sobre Cannabis recreativa, Sanger decidiu não aplicar a inovação no Brasil, porque acha que ainda não é o momento de juntar Cannabis recreativa e medicinal no país.
Construção e desconstrução do preconceito
Amorim tem a opinião de que a responsabilidade da imprensa é redobrada. Parafraseando o palestrante que abriu o Medical Cannabis Summit, o médico norte-americano Dustin Sulak, ele diz que “Informação é repetição”. Amorim acredita que o compromisso é maior porque o assunto ainda é tabu. “Não podemos errar, prometer coisa que não existe, milagre. Temos que nos policiar para não tomar partido, apesar de ter posição favorável por evidências científicas e vivência de pacientes, médicos e familiares que mudaram suas vidas graças à Cannabis medicinal”, diz.
Por outro lado, França acredita que a imprensa tem responsabilidade pelo preconceito. Para ela, a guerra contra as drogas nos anos 70 foi escrita por jornalistas. Na época, entendia-se que era o caminho mais correto para acabar com o narcotráfico, e que países como Colômbia e México descobriram que essa não era a solução. Mas com o passar do tempo, os jornalistas acompanharam as políticas sociais e de enfrentamento às drogas, que mudaram com o mundo. E constatou-se que é necessário trabalhar a droga de forma diferente.
Outra responsabilidade que França aponta é com as mães que abriram portas por seus filhos, e arremata que “Só um governo desumano não permite”. Ela fala da imprensa abrindo espaço para esse entendimento. Acreditando que a desinformação atual vai mudar e vencer o preconceito no Brasil, a função da imprensa para ela é mostrar o que funcionou, o que não funcionou e o que faz bem.
Sanger acha que a imprensa tem responsabilidade do preconceito no passado e deve mudar isso. Mas lembra que não só a grande imprensa precisa agir. Ela conta que, em Israel, dois ministros são executivos de empresas de Cannabis: “Sem os personagens importantes e um envolvimento muito maior, não dá” (para mudar uma cultura de preconceito). “A imprensa tem a função de jogar o peixe, trazer o interesse”, conclui.
Jornalismo e percepção
França não sente preconceito, mas confessou que vive situações engraçadas. Ela conta que um jornalista das antigas ligou certa vez por chamada de vídeo, animado que ela estivesse escrevendo sobre Cannabis. Ele colocou maconha na mesa e começou a “bolar”. Ele ainda disse a ela: “É pra você”. França riu e respondeu que não era maconheira. Ela coloca o trabalho dos jornalistas especialistas em Cannabis no mesmo problema das fake news. “Nós estudamos para isso, não lemos em qualquer lugar e reproduzimos”, disse, falando do trabalho de comprovar as informações que apuram.
Amorim emendou ainda sobre fake news, que é uma questão para resolver. Ele também lembra da situação do paywall, justificada porque jornalismo de qualidade custa dinheiro. Em contrapartida, os sites de fake news são de graça. Ele não aponta a solução, mas a necessidade de pensar na liberação de conteúdos ligados à saúde pública como os sobre Covid-19: “Lidarmos com ciência, informação e saúde, também deveríamos ter flexibilização do acesso”.
Investimento
Durante o painel, Marcus Bruno, editor do portal Cannabis & Saúde, lembrou que o jornal americano New York Times contratou um editor de Cannabis e que a revista Forbes tem dois editores que só tratam do tema (um com foco econômico e o outro social). E questionou os jornalistas: Teremos esse nível de cobertura no Brasil?
Sanger respondeu que acredita que a mídia no Brasil ainda esteja muito desfalcada. Ela aposta que em cinco ou dez anos, com o mercado melhor constituído com associações, indústria e laboratórios estabelecidos, vai ser necessário haver mais veículos por ser um mercado muito poderoso. Em contrapartida, conta que, em Israel isso não acontece, a cobertura é bastante tímida.
Amorim concorda. “Se vamos ter editoria de Cannabis, como é com energia ou agronegócio, vai depender do tamanho do mercado. O Brasil está pecando em não expandir o mercado. Tem gente que poderia ser tratada e não sabe ou não tem acesso”, diz. “Não temos pretensão de educar o médico, mas de dar o estalo. O médico tem obrigação de conhecer nem que seja para dizer que não serve”
França acrescentou que a imprensa vive momento difícil, e não descobriu como ganhar dinheiro no novo formato virtual. Ela acredita que vai demorar muito para ter ainda um jornalismo especializado ou ter agência de notícias. “Precisa ter mercado bem definido para isso. Temos um mercado de dois remédios, lei emperrada que não anda (o PL 399/2015). São tantos empecilhos com um governo conservador, que acha que em médio prazo é bem difícil”.
Outros painéis
Dustin Sulak
“O THC é o componente terapêutico mais importante da Cannabis”, diz Dustin Sulak no painel de abertura do Medical Cannabis Summit. O médico americano que é referência mundial, falou sobre prevenção de doenças com Cannabis.
O primeiro painel teve a participação do médico osteopata e referência mundial em Cannabis medicinal, o americano Dustin Sulak. Falando sobre medicina integrativa e Cannabis, Sulak concentra seu trabalho na promoção de saúde e prevenção de doenças.
Usando osteopatia, reiki e nutrição para complementar seus tratamentos com Cannabis medicinal, sua clínica no Maine já atendeu 18 mil pacientes em onze anos de prática, com excelentes taxas de sucesso. Sulak também ensina, participa de eventos para formar mais médicos experientes como ele e está escrevendo um livro sobre Cannabis medicinal para médicos.
Na prevenção, ele tem a Cannabis como aliado para tratamentos mais baratos e eficazes, estimulando e trabalhando a capacidade de cura do próprio corpo. Sulak resume a abrangência da planta no processo de cura e prevenção:
“Use a Cannabis para promover a restauração do sono – quando se dorme melhor, se cura mais rápido. Use a Cannabis não só para reduzir o estresse, mas também para mudar sua resposta ao estresse. Use para melhorar atividades como se exercitar e meditar, tendo melhores resultados”.
Margarete Akemi Kishi e Fabrício Pamplona
“Tudo o que eu sei, se não chegar às pessoas, não tem significado nenhum”, disse Fabrício Pamplona, que falou sobre genética e medicina personalizada para o tratamento com a planta da Cannabis com Margarete Akemi Kishi.
A farmacêutica e redatora técnica do PL399/2015, Margarete Akemi Kishi apontou que o farmacêutico é fundamental para ajudar na posologia personalizada que a Cannabis exige. Por conhecer as interações, especificidades dos pacientes e as substâncias presentes em medicamentos concomitantes, o farmacêutico é um excelente apoio a médicos prescritores.
O pesquisador e farmacologista Fabrício Pamplona entende das complexas interações entre medicamentos tradicionais, endocanabinóides e fitocanabinóides. Além de pesquisas que realiza na área, ele também lançou um produto que promete facilitar a vida de farmacêuticos e médicos prescritores: o MyCannabis Code é um teste genético que promete determinar o produto de Cannabis ideal para cada paciente. Ele determina como cada organismo absorve e processa canabinóides, indicando quais as doses mais adequadas para cada indivíduo.
Farmacêuticos e pesquisadores
Akemi conta como começou a trabalhar com Cannabis. Por volta de 2017, ela recebeu pacientes procurando orientação no ambulatório do Mackenzie, onde é professora. Eles relataram problemas de reações adversas com Cannabis como calafrios e problemas de sono. Viu que havia pacientes sem orientação farmacêutica. Levou a questão ao Conselho Nacional de Farmácia em Brasília e começou a elaborar eventos sobre Cannabis. Ela então partiu para mapear os produtos e encontrou problemas de qualidade como presença de metais pesados. Com vistas em mais acesso com produtos com segurança e rastreabilidade, seguiu provendo informação e pesquisa para o meio científico e médico.
Akemi reforça a importância do farmacêutico para a prática da medicina canabinoide: o profissional verifica teor de ativos, metodologias de extração e ação de todos os medicamentos. No painel de ontem, lembrou: “O farmacêutico tem um arcabouço robusto e um papel fundamental. Se a equipe de saúde abraçar o farmacêutico, tratamento caminha melhor, em torno do paciente”.
Segundo ela, todas as etapas em que o farmacêutico pode atuar são fundamentais: produção, extração, purificação, produto acabado e acompanhamento clínico do paciente. Nesta última função, o profissional vai saber lidar com as interações medicamentosas e a biodisponibilidade no paciente em tratamento com Cannabis..
Pamplona conta sobre que seu primeiro contato com a Cannabis foi ainda em 2003, Mas mesmo depois de mestrado, doutorado e já atuando como pesquisador, o que despertou de fato para o universo da Cannabis foi quando Margarete Brito, fundadora da Apepi o procurou para entender o óleo que estava fazendo bem à filha Sofia. No painel que dividiu com Akemi, Pamplona lembrou o que concluiu na época: “Tudo o que eu sei, se não chegar às pessoas, não tem significado nenhum”.