Associações e Institutos de Pesquisa da Medicina Canabinoide emitem notas de repúdio à resolução do CFM e pacientes prometem ir às ruas protestar contra restrição à Cannabis Medicinal.
A publicação da Resolução Conselho Federal de Medicina nº 2.324/2022, que restringe à prescrição da Cannabis Medicinal no Brasil e – coloca em risco milhares de tratamentos já em curso no país – tem mobilizado pacientes e médicos estudiosos da Cannabis Medicinal.
Diversas instituições como a Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide, a Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa, o Núcleo de Desenvolvimento em Medicina Canabinoide e Integrativa, assim como dezenas de associações de pacientes emitiram nota de repúdio à censura médica com alerta para o risco de interrupção do tratamento e insegurança jurídica.
Em São Paulo, Bahia e na capital do país, um grupo de mães e pacientes fará protesto em frente aos Conselhos Regionais de Medicina e na porta do CFM nessa sexta-feira, a partir das 9h. “Os pacientes foram pegos de surpresa com o texto aprovado pela Sessão Plenária do CFM, no dia 11 de outubro, que limita a prescrição de canabidiol (CBD) – uma das moléculas presentes na Cannabis – exclusivamente para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. Meu filho é autista severo e tem epilepsia, que não é gerada por nenhuma síndrome. Ele é refratário ao medicamento. Tomando o óleo completo da Cannabis ele ficou quatro anos sem ter uma crise. O que devo fazer agora? Interromper o tratamento”, questiona Paula Paz, Diretora de Relações Pública do Movimento Orgulho Autista do Brasil (Moab).
Todos de preto em luto
De acordo com os organizadores do ato, a manifestação será silenciosa, todos que puderem deverão ir de preto numa referência à morte da ciência, como explica Thais Saraiva da True Hemp Community, paciente e uma das organizadoras do ato.
“Atualmente, há quase 30 mil pesquisas sobre o uso medicinal da Cannabis na PubMed, que é uma das maiores bases de dados científicos do mundo. Com uma simples busca no site é possível verificar que entre 2018 e 2022, foram produzidos cerca de 10 mil artigos sobre o uso da Cannabis como medicina. O fato é que essas pesquisas embasaram a regulamentação da Cannabis em mais de 50 países, mas aqui parecem ser desconhecidas pelos conselheiros do CFM, que defendem liberdade médica para receitar cloroquina para Covid, mas querem impedir tratamento com a Cannabis mesmo com evidências reais”, se revolta Saraiva.
O release divulgado pelo grupo se respalda nos dados da Agência Nacional de Sanitária (Anvisa) para sustentar a indignação. “A Anvisa já autoriza mais de 100 mil pacientes a importar o extrato da Cannabis com prescrição médica. Esse número cresceu 15 vezes nos últimos cinco anos e chegará a 200 mil até maio de 2023, segundo projeções de mercado. Isso sem contabilizar a quantidade de pacientes que faz parte de associações como a Apepi. Hoje, nós atendemos a aproximadamente cinco mil pacientes.
O que faremos com essas pessoas? Vamos negar o acesso à saúde e qualidade de vida para elas”, questiona Margarete Brito, fundadora da Associação Apoio à Pesquisa e Pacientes da Cannabis Medicinal no Rio de Janeiro, uma das cinco Associações do país com autorização da justiça para cultivar e produzir o óleo medicinal.
A Abrace Esperança – Associação de Pacientes da Cannabis Medicinal na Paraíba – que também tem autorização da justiça para cultivo da Cannabis em solo brasileiro reúne mais de 30 mil pacientes que usam óleo completo da planta para tratar mais de 30 patologias diferentes. De acordo com o Cassiano Gomes, fundador da Abrace, hoje a Associação é quem mais emprega com carteira assinada no estado da Paraíba.
Pacientes e médicos questionam como o CFM responderá aos milhares de enfermos que apresentam resultados positivos com a terapia canabinoide para diversas patologias para além das que foram listadas na Resolução CFM nº 2.324/2022. “O mais importante para refletirmos sobre essa resolução do CFM é: quem ganha com isso? Com certeza não é a saúde da população. É uma vergonha para a entidade tomar uma medida moralista, anti-ciência, que beneficia a indústria farmacêutica e restringe a autonomia dos médicos. Tudo isso a duas semanas das eleições presidenciais”, lamenta a educadora canábica Luna Vargas.
CBD isolado x o óleo completo
Especialistas alertam ainda que o canabidiol isolado, como quer restringir o CFM, não possui os demais fitocanabinoides da planta que atuam no chamado efeito comitiva, fazendo com que o paciente precise de uma quantidade ainda maior de medicação. “Hoje, uma série de estudos comprovam que a atuação conjunta de todos os canabinoides da planta é mais eficiente do que a ação isolada do CBD, que também tem a sua indicação clínica, mas não exclusiva. Na psiquiatria o tratamento com canabinoides tem sido muito efetivo para tratar ansiedade, distúrbios do sono e sintomas comportamentais do espectro autista, por exemplo”, afirma o psiquiatra Wilson Lessa.
O médico lembra que a Anvisa já autorizou a venda de 20 produtos à base de Cannabis (e não apenas canabidiol) nas farmácias. “A Resolução do CFM precisa responder a essa questão. O Mevatyl, por exemplo, já está nas drogarias desde 2015. Quem faz uso desse medicamento será obrigado a desistir do tratamento?
No caso do tratamento precoce da Covid-19 com cloroquina, a Entidade defendeu a autonomia médica. Como fica a interpretação, agora, do VIII Princípio Fundamental do Código de Ética Médica, onde diz que médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho”, pergunta Lessa.
Reação no Congresso
No parlamento, congressistas se mobilizam para apresentar Projetos de Decretos Legislativos com o objetivo de suspender a normativa do CFM. O deputado Paulo Teixeira (PT/SP) publicou neste fim de semana que vai pedir a cassação da Resolução nº 2.324/2022 que limita a prescrição do tratamento com canabidiol a apenas três doenças. Para o deputado, a medida vai contra o direito à saúde. “Vou protocolar um decreto legislativo para cassar a resolução do Conselho Federal de Medicina que limitou a prescrição de canabidiol a apenas três patologias, ferindo assim o direito à saúde dos pacientes”. Outros parlamentares como a senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP) e os deputados Alex Manente (Cidadania/SP), Daniel Coelho (Cidadania/PE) e Bacelar (PV/BA) também já anunciaram que vão entrar com ações nesse sentido para reverter a restrição do CFM.