A jornalista e produtora cultural Maria Juçá, 71 anos, sofre com artrose nas mãos há duas décadas. Com o passar dos anos, a doença endureceu e entortou suas mãos. As dores só aumentaram e o sono piorou. “Era exponencial”, lembra Juçá. “As mãos doíam. Eu, então, dormia mal e elas doíam mais.”
Gradualmente, perdia a firmeza das mãos. Antes de começar o tratamento com Cannabis já não tinha 40% da força. Fazia fisioterapia, tomava analgésicos, tentou estatina. Com esta última, as dores só pioraram e ela sofreu com os efeitos colaterais. Também estava tomando um medicamento manipulado de colágeno para evitar a piora das juntas.
Juçá descobriu a Cannabis medicinal com o neto fotógrafo, que é ativista canábico. Eles já conversavam sobre a planta desde 2017. Ele havia aproveitado o tempo que morou no Uruguai (com legislação avançada na área) para conhecer cultivadores e fazer cursos. Em 2018, chamou Juçá: “Vó, vou ter acesso ao CBD”. Mandou um isolado de CBD com concentração 2%, produzido por um amigo cultivador e pesquisador.
Rapidamente, Juçá começou a se sentir melhor. A dor diminuiu sensivelmente, o sono melhorou. Ela diz que hoje o sono é mais profundo e direto. Antes, era leve, acordava diversas vezes durante a noite. Até os cochilos ficaram mais fáceis. Se as sete horas seguidas de sono não forem suficientes, ela tira um cochilo de meia hora.
Convertendo médicos
Quando Juçá começou a tomar o segundo vidro do óleo, o neto voltou do Uruguai. A consequência era evidente: ela precisaria de outra fonte para adquirir o CBD. Foi quando levou o remédio para seu reumatologista. Ele logo se interessou. Juçá contou então que estava dormindo e acordando melhor, se sentindo menos tensa pelo trabalho e pelas dores. Animado, o médico tradicional preferiu direcioná-la a um reumatologista mais jovem, pois achou que ele teria mais facilidade de incorporar esta nova abordagem.
Entre as consultas, o óleo acabou. As dores voltaram. Juçá ficaria meses sentindo dores até poder novamente tomar o CBD. Primeiro, precisou ter a receita em mãos, do jovem reumatologista que nunca havia prescrito Cannabis antes. Depois, precisou encontrar um fornecedor. Escolheu a Associação Brasileira de Apoio Cannabis e Esperança (ABRACE), que fica em João Pessoa, na Paraíba. Juçá mora no Rio de Janeiro, então o CBD teria que chegar pelos Correios.
Enfim, chegou. Era o mesmo isolado de CBD, só que produzido na Paraíba. E agora tinha acompanhamento médico, pois passou a fazer exames para que seu novo reumatologista acompanhasse a resposta do organismo.
Hoje, Juçá conta que está mais tranquila com relação à artrose. Antes do CBD, tinha medo de bater a mão em alguma coisa, pois a dor era insuportável. Agora até sente a dor da batida, mas a sensação reduz aos poucos até desaparecer, como qualquer pessoa sem artrose.
A memória de Juçá e a ansiedade também melhoraram. E isso era importante para o trabalho como produtora e diretora do Circo Voador. Com a pandemia, a ansiedade aumentou: precisou mudar os eventos de presenciais para online, lidar com falta de verba, ajustar as contas para não dispensar funcionários. Mas se saiu bem. Conseguiu lidar com a falta de eventos presenciais – e consequentemente de recursos – somente reduzindo os salários.
Militância no Circo Voador
Juçá esteve no projeto na época da fundação do Circo Voador, em 1982, quando o espaço já discutia a liberação da maconha. Fizeram diversos programas legalize, sempre com shows de bandas de reggae nacionais e internacionais. “Mas a minha bandeira era mais econômica e social”, diz. A ideia era devolver a oportunidade de trabalho às famílias do nordeste, sem que elas precisassem emigrar. A indústria do cânhamo poderia empregá-los e funcionar como qualquer outro plantio, como cacau e café.
Mais recentemente, Juçá mergulhou na questão medicinal e o Circo Voador já realizou palestras livres falando dos efeitos, uso, diversidade e saúde. Entre os palestrantes, estavam delegados, pesquisadores e neurocientistas. Segundo Juçá, o Circo Voador costuma receber pedidos de realização de eventos deste tipo, numa rede de parcerias. “Hoje sinto que a Cannabis medicinal tem mais aderência do que em tempos passados”, completa.
Desconhecimento e sofrimento
Ela se lembra do caso do músico Marcelo Yuka, em torno de 2015. Paraplégico depois de ser alvejado num assalto, um dos fundadores do grupo O Rappa sentia muitas dores e contou a Juçá que pediu que o médico receitasse Cannabis. O apelo tinha fundamento: quando ele fumava um baseado, tinha três horas de alívio das dores. Só que o médico relutava, e na época era praticamente impossível conseguir o medicamento. Juçá conta que ela mesma questionou o médico, e a resposta foi que ele não receitava porque não conhecia nada a respeito. Ele ainda completou a Yuka, que também não adiantava muito, afinal eram apenas três horas de alívio. Ao que ele respondeu: “O senhor já pensou o que são três horas de alívio para quem sente dor o tempo todo?”.
Preconceito X militância
Juçá relata que, apesar dos avanços da Cannabis medicinal, ainda percebe muito preconceito. Há pessoas que não acreditam, ou dizem que não tem comprovação, que é coisa de maconheiro. “É um descrédito moral”, diz. Acredita que a idade é um agravante nas reações negativas. “Quem autorizou você a usar?” questionam, como “se uma senhora de idade estivesse agindo como uma marginal, uma fora da lei”.
Ela entende que as gerações mais novas vêm com um olhar diferente, e que a militância tem feito seu papel para avançar na flexibilização das leis sobre a Cannabis.
Saúde com menos remédios
Juçá nunca gostou de tomar remédio alopático. Ela continua a consultar com o antigo reumatologista que acaba fazendo as vezes de clínico geral para ela. Divertida, ela relata que ele receita remédios e ela se recusa a tomar. Prefere se ater à acupuntura, ao manipulado de colágeno, à reposição hormonal pós-menopausa e seu óleo. Como ela já gostava de hábitos saudáveis como prática de pilates, boa alimentação com pouco açúcar e gordura, Juçá acredita que a Cannabis é tudo o que ela precisa para manter uma boa saúde.