A Secretaria de Relações Internacionais da Câmara dos Deputados promoveu, na manhã desta quarta-feira (16), uma audiência com congressistas de Israel e Canadá, além de um pesquisador da Universidade Hebraica de Jerusalém. Os convidados compartilharam as experiências dos dois países com pesquisa e legislação para a Cannabis medicinal, como parte dos debates do Projeto de Lei 399/15.
Primeiro falou Sharren Haskel. Formada em Ciências sociais e relações internacionais, a jovem congressista de 36 anos é uma das vozes mais relevantes em defesa da Cannabis medicinal no Knesset, o parlamento israelense. Ela comentou sobre os erros que o governo do país teve com a planta, criando regras muito rígidas para os agricultores, elevando assim o preço dos remédios.
“Isso criou tanta dificuldade no campo da produção dos agricultores, que acabou criando uma grande lacuna no fornecimento do medicamento. Por isso, ao invés de termos mais agricultores trabalhando e produzindo mais, criando mais empregos e mais impostos, o que aconteceu é que a gente teve um grande importador de Cannabis que é o Canadá, que tem padrões mais baixos. Mas se nós podemos importar essa Cannabis, então nós temos que aplicar as mesmas regras aos nossos próprios agricultores”, defendeu.
A congressista também comentou sobre a experiência de quase uma década no uso de Cannabis por militares do Exército de Israel com doenças psiquiátricas.
“Temos soldados de guerra com quadros de trauma, surtos e depressão sendo tratados com Cannabis. Às vezes, só Cannabis resolve esses problemas. Nos EUA, soldados viciados em opioides estão aprendendo com os nossos soldados a deixarem essas drogas”.
Em seguida, discursou o deputado Nate Erskine-Smith. O político envolvido no processo de legalização contou a trajetória, tanto da Cannabis medicinal, como adulta no Canadá ao longo dos últimos 20 anos. Ele explicou que o sistema de saúde canadense hoje já permite que pacientes plantem Cannabis ou designem alguém para plantar para eles. Essa política não fez crescer o uso adulto no país, de acordo com estatísticas do próprio governo.
“Não vimos aumento entre jovens de 18 a 24 anos. Houve ligeiro aumento acima dos 24. Mas os jovens não tem mais acesso ao mercado negro tão fácil como antes.”
Por último, falou o Dr. Odeb Shoseyov, professor de biologia molecular e nanobiotecnologia da Universidade Hebraica de Jerusalém. O cientista é conhecido como um grande inventor em Israel, onde já fundou 11 empresas. Uma delas é a GemmaCert, que analisa a quantidade de canabinoides presentes nas plantas sem inutilizar a amostra. A tecnologia foi apresentada na audiência.
Ele destacou que são mais de 20 mil estudos ou revisões publicados na literatura científica nos últimos 5 anos sobre a eficácia da Cannabis em pelo menos 21 patologias.
O professor também apresentou pesquisas que comprovam a eficácia do CBD como droga anti-inflamatória, mas que isoladamente a substância não é mais eficaz que o extrato integral da planta. O cientista trouxe ainda um estudo que revela que apenas 17% dos medicamentos de Cannabis pesquisados apresentaram a quantidade de canabinoides descritas no rótulo.
Osmar Terra constrange convidados
Após a fala dos estrangeiros, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) pediu a palavra e fez uma longa réplica em tom agressivo, contestando tudo o que foi falado pelos convidados da audiência.
O político, que se notabilizou por ser uma das principais vozes contra a Cannabis medicinal no Brasil e contra as políticas de isolamento social no combate à pandemia, criticou o debate promovido na Câmara.
Alegou novamente que o único objetivo do PL 399/15 é o de legalizar o uso adulto de maconha e posteriormente de todas as drogas. Que com a lei em vigor, todos os usuários vão alegar estarem doentes para se drogar. Sobre a fala do cientista Shoseyov, disse o seguinte.
“Essa história que cura tudo é uma balela, não tem evidência científica. A única evidência científica é para epilepsia, que são 0,8% dos pacientes, e pra eles já pode ser fornecido (…) Não vai ser isso (o plantio em solo nacional) que vai atender um grupo de 2 mil a 3 mil pessoas que precisam desse medicamento”.
Afirmou ainda que, se o texto for aprovado, empresas vão vender “balinha de maconha, chocolate de maconha, para criar dependência química”.
Por fim, disse não acreditar na pesquisa trazida por Erskine-Smith, de que o consumo não aumentou pós-legalização e insinuou que o deputado canadense estaria fazendo lobby para a empresa de Cannabis Canopy Growth.
“Eu quero que o deputado me diga qual é a relação dele com a Canopy Growth”.
“Essa não é uma conversa responsável”
Nate afirmou que o deputado não estava tendo uma conversa responsável com os convidados, que o interesse do paciente deve vir em primeiro lugar nesse debate. Disse que não tem qualquer relação com a Canopy e reforçou que os dados sobre consumo são do departamento de estatística do governo.
Sharren argumentou que Osmar Terra desvirtuou o debate, pois o que está em discussão é a saúde de pessoas com epilepsia, fibromialgia, autismo, câncer e doenças terminais. Também rebateu a fala de que usuários de maconha se passarão por doentes para obterem receita: “médicos prescrevem morfina e isso não acontece. Se estiverem fazendo atividades ilegais, devem ir para a cadeia”.
O professor Shoseyov ironizou Osmar Terra: disse que a obesidade é maior causa de mortes hoje no mundo e sugeriu que proibissem o plantio de cana-de-açúcar. Já o deputado Luciano Ducci, relator do Projeto de Lei, foi mais enfático. Afirmou que o discurso de Osmar Terra é apenas conveniência política. Que o político sabe que os alimentos à base de Cannabis serão isentos de THC.
“São pessoas que tentam enganar a população fazendo discurso equivocado para o Brasil não plantar e produzir a baixo custo. Favorece assim outros tipos de indústrias que não querem a produção aqui”.
O Projeto de Lei 399/15 foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no dia 1º de setembro. Deputados pedem urgência na votação em plenário, mas representantes da bancada evangélica tentam impedir.
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