Os avanços dos últimos anos no Brasil em relação à Cannabis medicinal aconteceram de forma progressiva. Neste fluxo crescente, chamou atenção a recente criação da primeira Comissão de Cannabis Medicinal da OAB. A iniciativa foi da subseção da OAB do Paranoá e Itapoã, no Distrito Federal.
“A principal motivação da criação da Comissão é ter um espaço de debate permanente a respeito da Cannabis medicinal dentro da OAB. Essa discussão não é nova na instituição, não é de hoje que realizamos eventos. Ainda em 2019, no âmbito da OAB nacional quando eu compunha a comissão de assuntos regulatórios da entidade em nível federal, a OAB aprovou por unanimidade o apoio à regulamentação do cultivo de Cannabis para fins médicos e científicos. Não apenas para empresas, mas também contemplando associações, pacientes e o cultivo individual”, destacou o advogado Rodrigo Mesquita, presidente da Comissão de Cannabis Medicinal.
Situação atual no Brasil
Desde março de 2020, após a Anvisa aprovar a RDC que atende pessoas que precisam de produtos derivados da Cannabis para tratamentos médicos, a situação melhorou. Pois estes produtos começaram a receber da própria Anvisa uma Autorização Sanitária para serem comercializados no Brasil, de forma legal, exclusivamente em farmácias e mediante receita médica de controle especial. As importações de produtos derivados de Cannabis, como o canabidiol, continuam autorizadas. Aqui você encontra a explicação da resolução da Anvisa e aqui as diferentes maneiras de obter a Cannabis Medicinal no Brasil.
“A percepção da Cannabis como algo perigoso para sociedade já está bastante superada. E não pela criação dessa Comissão, mas pela própria mobilização social que redundou em uma alteração do regime regulatório da Cannabis de uma planta proscrita para uma planta medicinal como é reconhecida hoje pelas normas da ANVISA. Como um insumo de produtos que são regulamentados pela ANVISA tanto para importação direta por pacientes como para produção, ou tanto como para fabricação, ou importação e distribuição aqui no Brasil. A iniciativa da OAB se une a essa série de ações”, explicou o advogado.
Primeira Comissão da Cannabis Medicinal criada pela OAB
Conversamos com exclusividade com Rodrigo Mesquita, presidente da Comissão e profissional que também atuou nos bastidores da PL 399/2015, para a regulamentação do cultivo e comércio da Cannabis medicinal.
A importância da advocacia no setor da Cannabis medicinal
“Criamos a comissão da Cannabis medicinal na subseção do Paranoá e Itapoã que é uma subseção da OAB aqui no Distrito Federal. Como uma instância para debate permanente do tema. Não apenas debater, mas também formar advogados e advogadas para atuarem nesse setor. É um setor que cresce, e cresce muito pelas mãos de advogados e advogadas que judicializam inicialmente os pedidos de importação de CDB, os habeas corpus, nas centenas de habeas corpus Brasil afora, os advogados e advogadas que atuam em favor de associações e de empresas nacionais e estrangeiras. Foi a advocacia.
A advocacia foi um dos atores que forjou o setor da Cannabis como nós conhecemos. Há uma necessidade de formar mais pessoas e ampliar esse setor. Então também há essa dimensão de formação da advocacia, sobretudo jovens, advogados e advogadas nessa nova área de atuação dando segurança jurídica. E também é uma forma de representar essa advocacia desse setor dentro da OAB. Portanto, a Comissão também tem essa terceira dimensão de representar essa advocacia específica.
Como nós temos os advogados da área comercial, criminalistas, trabalhistas, tributaristas e ter a Comissão da Cannabis medicinal é também uma forma de reconhecimento e de defesa de uma advocacia do setor da Cannabis”.
Atuar como um órgão técnico para o diálogo em Brasília
“Uma quarta dimensão é também atuar como um órgão técnico para diálogo com as instituições.
Como é uma comissão que está em Brasília, existe a oportunidade e o dever da comissão de levar subsídios para a Câmara dos Deputados nos projetos que lá tramitam, em âmbito local também para fazer esse debate com a Câmara Legislativa do Distrito Federal, fazer um debate com o Executivo local, sobretudo para regulamentação de uma lei que foi aprovada recentemente e sancionada pelo governador para o fomento da pesquisa com o Cannabis.
Então são diversas as competências. São diversas as razões para a criação dessa Comissão e todas muito relevantes e complementares. Apontaria ainda uma coisa muito importante: que é atender a sociedade. Atender e ser um lugar onde a sociedade pode buscar apoio, pode buscar informações. Pacientes, sobretudo, a comunidade em geral: uma vez que a OAB não é apenas uma instituição de representação corporativa de uma classe profissional”.
Há pouco tempo, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) realizou audiência pública para debater o tema da Cannabis medicinal e do cânhamo. A frente parlamentar em defesa da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial foi instalada na ALESP em outubro. Como a Comissão da Cannabis medicinal pretende também participar destes tipos de iniciativa no Brasil?
Haverá um trabalho que já está em andamento de redação, de notas técnicas para incidirmos nos projetos em andamento na Câmara dos Deputados, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas leis que estão pendentes de regulamentação no Poder Executivo do Distrito Federal.
A falta de profissionais capacitados, neste caso os advogados, pode ser um dos entraves que enfrentam os pacientes de Cannabis medicinal no Brasil, causando lentidão em alguns processos e dificuldades ao acesso de medicamentos. Embora por meio de dados apurados pelo portal Cannabis & Saúde, houve um aumento de 127% no volume de pedidos de importação de medicamentos feitos à base de cannabis no primeiro semestre de 2021. Como a Comissão pretende atuar nesta conjuntura?
Acredito que foi justamente a qualidade dos profissionais envolvidos nesse processo de alteração do regime regulatório da Cannabis, e da própria percepção social a respeito da planta que fez com que isso acontecesse.
Justamente a boa qualidade desses profissionais. E não só da advocacia. Da medicina, da academia e dos militantes políticos desse campo, o esforço das famílias, dos pacientes, com todas as dificuldades. E foram justamente as qualidades dessas pessoas, da união desses esforços, e criação destas alianças que permitiu os avanços.
Uma Comissão para difundir conhecimento e informação
A nossa intenção é que a comissão promova uma qualificação no sentido de levar essa qualidade que nós já percebemos nos atores que constroem esse setor para outras pessoas também. Para que mais pessoas possam atuar com qualidade, com essa mesma qualidade que nós temos percebido ao longo desse percurso. Para fazer com que se amplie com segurança esse setor econômico. Que se amplie com segurança um espaço de atuação, onde estão advogados, médicos, empresas e onde estão trabalhadores. Nossa intenção é difundir conhecimento, informação e formação.
É possível prever o futuro da Cannabis para os próximos 5 anos no Brasil?
Na situação política que o Brasil enfrenta já há alguns anos, me parece um tanto temerário se fazer previsões para um prazo tão extenso. Para qualquer setor. E é mais difícil ainda em um tema de fato complexo como a regulamentação da Cannabis. Mas sou otimista a respeito do futuro. Até porque acreditar no futuro, é acreditar no trabalho que eu e tantas outras pessoas temos feito há tanto tempo e que tem resultados como a ampliação dos produtos de Cannabis oferecidos e a proliferação de associações. Então acredito que esse esse movimento, esse processo tende a se fortalecer.
Avanços jurídicos
Do ponto de vista do status jurídico da Cannabis, da regulamentação do cultivo para fins médicos e científicos, esse processo tem caminhado bem no judiciário. Com avanços e retrocessos, é um um processo de fato complexo e contraditório. Não é linear mas tem avançado. Avançou na ANVISA, tenho uma leitura de que o avanço da ANVISA é importante. Sim o avanço que foi a reboque da atuação da sociedade civil, a reboque do judiciário, mas que existiu. E existiu de maneira consistente, não é possível negar isso. Também isso não é uma avaliação celebratória do trabalho da ANVISA.
Limitações
Tenho plena consciência das limitações que nós temos de regulamentação de produtos de Cannabis hoje, mas é fato que houve uma alteração consistente desse regime regulatório e da forma de acesso a esses produtos. Existem várias dificuldades. São muito conhecidas, como o preço do produto final que impede o acesso a estes produtos por parte da grande maioria da população. Os elevados custos para agentes econômicos se dedicarem ao setor. São barreiras de entrada consistentes. Existem todas essas dificuldades de fato, mas a alteração foi importante também no âmbito da ANVISA.
PL 399 e o futuro da Cannabis medicinal no Brasil
Percebo como um grande avanço a PL 399, mas também com suas grandes limitações, especificamente não acredito que tenha andamento ainda este ano em razão do ano ser eleitoral.
Mas a depender do resultado das eleições de outubro, muita coisa pode mudar e muita coisa pode mudar justamente porque a alteração do quadro regulatório da ANVISA não depende necessariamente de um projeto de lei. Normas setoriais da ANVISA e principalmente normas do Ministério da Saúde. E por meio de decretos, por exemplo, podem alterar substancialmente esse status jurídico da Cannabis. Por meio de um ato do Ministério da Saúde pode-se, por exemplo, regulamentar o cultivo de Cannabis de maneira muito mais flexível do que seria um processo legislativo como tem que enfrentar um projeto de lei como a PL 399 de 2015.
Então é difícil traçar um prognóstico para os próximos cinco anos, porém acredito que o processo de evolução que nós temos experimentado nos últimos anos continuará acontecendo. E a depender do resultado das eleições de outubro deste ano esse processo pode se acelerar significativamente.