Mais do que saber o que é Cannabis, vale muito a pena entender como as substâncias extraídas desse gênero de planta agem em benefício do corpo humano, no tratamento de doenças diversas.
Na verdade, tudo começa no sistema endocanabinoide, em que os compostos ativos dela atuam, promovendo os benefícios terapêuticos esperados.
Tal sistema foi descoberto somente na década de 1960 e, desde então, não param de surgir novas aplicações que comprovam os benefícios das substâncias extraídas da Cannabis.
Vamos nos aprofundar mais nesse assunto e entender como essa poderosa planta tem ajudado a salvar vidas?
Acompanhe!
O que é Cannabis?
A Cannabis é popularmente conhecida como a planta da maconha, tendo grande potencial de uso para fins medicinais.
Os vegetais do gênero Cannabis pertencem à ordem das Rosales e sua família é a Cannabaceae.
Embora seu uso como fármaco industrializado seja relativamente recente, ela vem sendo empregada em tratamentos alternativos há milhares de anos — os primeiros registros de utilização da planta com fins medicinais datam de 10 mil anos.
Por sua vez, os primeiros registros de cultivo organizado são de 6 mil anos.
Etimologia
Gênero de angiospermas que conta com três subespécies, a Cannabis foi catalogada pela primeira vez em 1753 por Carl Linnaeus.
É por isso que o nome científico da mais conhecida, a Cannabis sativa L., leva a inicial do seu “pai”.
Além desta, temos também as subespécies Cannabis indica e Cannabis ruderalis, nativas do centro e do sul da Ásia.
Componentes
As propriedades medicinais dessa planta estão nos muitos canabinoides que podem ser extraídos das folhas, flores e do caule, assim como em outras de suas substâncias, como flavonoides e terpenos.
O mais abrangente deles é o canabidiol, ou CBD, como é mais conhecido.
Outra substância com atuação terapêutica que vem da Cannabis é o tetrahidrocanabinol, ou THC.
Embora possa ser usado na fabricação de medicamentos, esse composto também tem propriedades psicoativas.
Conheça, então, algumas das substâncias que podem ser extraídas da Cannabis e seus principais seus efeitos.
Tetrahidrocanabinol (THC)
O tetrahidrocanabinol é a forma neutra do THCA, o ácido tetrahidrocanabinol, e é obtida primariamente pela exposição ao calor.
Ainda que exerça efeito psicoativo, ele é usado na fabricação de fármacos como o Sativex, indicado no tratamento de esclerose múltipla.
Canabidiol (CBD)
O canabidiol se diferencia do THC por não causar efeitos psicoativos.
Inclusive, os pesquisadores da área da saúde têm se dedicado ao seu estudo em virtude da efetividade terapêutica e das raras reações adversas.
O CBD tem sido apresentado como proposta de tratamento para uma série de doenças, e há cada vez mais ensaios clínicos que investigam suas propriedades medicinais.
THCA
Como agora você já sabe, o THC, na realidade, nada mais é do que um “produto” do THCA, o ácido tetrahidrocanabinol, que é produzido pela Cannabis.
Contudo, diferentemente do primeiro, ele não apresenta efeitos psicoativos, destacando-se principalmente por suas propriedades neuroprotetoras.
CBDA
Assim como o THCA é a condição anterior do THC, o CBDA, ou ácido canabidiolico, é a forma precedente e ácida do canabidiol.
Há estudos que apontam para a sua eficácia em tratamentos contra o câncer de mama, como o Cannabidiolic acid, a major cannabinoid in fiber-type cannabis, is an inhibitor of MDA-MB-231 breast cancer cell migration.
Já outros comprovam seu uso efetivo como um anti-inflamatório, como o Cannabidiolic Acid as a Selective Cyclooxygenase-2 Inhibitory Component in Cannabis.
Canabicromeno (CBC)
O canabicromeno é um dos compostos da Cannabis mais estudados pela medicina.
Isso porque ele tem propriedades fungicidas e bactericidas que nem mesmo o CBD e o THC apresentam.
Além disso, pode ser usado como substrato para fabricação de sedativos, anti-inflamatórios e hipotensores.
Tetrahidrocannabidivarina (THCV)
THCV é a sigla para tetrahidrocannabidivarina, um canabinoide semelhante ao THC, mas que não é criado na forma de ácido.
Ele atua na supressão do apetite, podendo ser útil no combate à obesidade, ainda que possa apresentar efeito psicoativo de curta duração.
Também vem sendo indicado para tratar da diabetes, já que regula os níveis de açúcar no sangue.
Tipos
Todos os componentes da Cannabis podem ser extraídos das três subespécies conhecidas dessa planta, apesar das diferentes concentrações em cada uma delas.
Cabe ressaltar que há também as espécies híbridas, resultantes do cruzamento de diferentes cepas.
São plantas produzidas artificialmente, visando a manipulação de genes para obtenção de concentrações maiores ou menores dos compostos ativos.
Dito isso, conheça a seguir os tipos de Cannabis já catalogados cientificamente.
Cannabis indica
Espécie nativa da Ásia Central e do subcontinente indiano, a origem provável da Cannabis indica é a região em que estão hoje o Afeganistão, o Paquistão e a Índia.
Nesses países, está a cordilheira Indocuche, onde a planta prolifera com mais abundância.
Trata-se de uma espécie larga e baixa, de crescimento mais rápido que a Cannabis sativa, com níveis mais altos de CBD e menores de THC.
Seu tempo de floração estimado está entre 45 e 65 dias.
Cannabis sativa
A mais conhecida espécie de Cannabis é encontrada principalmente em lugares com clima quente e seco e longos dias de sol.
Por isso, a sativa é mais comum em regiões da África, da América Central, do Sudeste Asiático e de algumas partes da Ásia Ocidental.
É uma planta alta e fina, que leva mais tempo para amadurecer.
Essa variedade geralmente apresenta doses mais baixas de CBD e maiores de THC e requer um tempo de floração que fica entre 60 e 90 dias.
Cannabis ruderalis
Subespécie menos abundante entre as do gênero Cannabis, a ruderalis se caracteriza pela baixa taxa de crescimento, sendo a menor entre as suas “irmãs”.
Adapta-se bem a regiões com climas mais rigorosos, como Europa Oriental, Himalaia e Sibéria.
Ela apresenta níveis mais baixos de THC e maiores de CBD e, diferentemente das espécies sativa e indica, seu tempo de floração é automático, ou seja, depende do seu ciclo de vida.
Em geral, a ruderalis faz brotar as primeiras flores dentro de 48 dias.
Qual é a diferença entre Cannabis, maconha e cânhamo?
Como você agora já sabe, embora parecidas, as canabiáceas apresentam diferenças consideráveis entre si.
Conhecê-las é fundamental, porque ajuda a orientar quanto ao cultivo e ao que esperar em termos de concentração dos compostos ativos.
Nesse sentido, o cânhamo é uma variação de Cannabis sativa que se caracteriza por teores baixos de THC, sendo cultivado principalmente para produção de fibras.
Já a maconha nada mais é do que o nome “popular” para as plantas do gênero Cannabis, associado de maneira preconceituosa ao consumo recreativo e ilegal no Brasil – afinal, seu grande potencial medicinal é o que de fato importa.
Como a Cannabis é usada?
A Cannabis vem sendo utilizada há milhares de anos para as mais diversas finalidades.
O potencial dessa poderosa planta é alvo de estudos mundo afora e tudo leva a crer que o que sabemos é ainda muito pouco.
A seguir, veja alguns dos usos já descobertos da Cannabis e de que forma ela é consumida, tanto legal quanto ilegalmente.
Uso recreativo
Acredita-se que parte do preconceito que existe com a Cannabis usada como medicamento venha do uso recreativo ilegal.
Há, ainda, a discriminação social de grupos que tinham o costume de consumi-la de forma recreativa.
Esse era o caso dos negros escravizados no Brasil do século 19 e dos imigrantes e descendentes de mexicanos nos Estados Unidos do começo do século 20.
Vale citar também o interesse da indústria de petróleo americana em derrubar a concorrência com o cânhamo, como destacado nesta reportagem de Super Interessante.
No que diz respeito ao consumo, apesar de ser permitido em alguns países, em boa parte do mundo ele permanece proibido, inclusive no Brasil.
Embora em certos casos o uso recreativo seja até apontado como terapêutico, em geral, utilizar a Cannabis com esse propósito produz sérios danos à saúde e leva à dependência, como comprova o estudo Marijuana Dependence and Its Treatment.
Aplicação industrial
Talvez o uso da Cannabis menos conhecido pelo público seja o industrial.
Esse é o caso das fibras extraídas do cânhamo industrial, que você conheceu há alguns tópicos.
Essa variedade de Cannabis sativa é também empregada como matéria-prima para a fabricação de produtos como isolantes térmicos, plásticos biodegradáveis, papel, tecidos e muito mais.
Vale destacar, ainda, que outro ramo da indústria que tem cada vez mais aproveitado a planta é o de cosméticos.
Uso medicinal
Por mais que o uso recreativo seja bastante difundido e o industrial seja de grande valor, há grande destaque à utilização com fins medicinais da Cannabis.
Isso graças à interação do CBD com o nosso sistema endocanabinoide, cuja função é regular incontáveis reações orgânicas e, assim, promover o equilíbrio e o bem-estar.
Em quais formas a Cannabis pode ser usada?
Os substratos da Cannabis podem ser administrados por muitas vias.
Ou seja, é uma planta versátil não apenas pelos diversos fins a que se destina, mas também pelos modos de ingestão que apresenta.
Conheça as mais difundidas a seguir.
Óleo
Quando ingerido na forma de óleo, a administração mais indicada do canabidiol é a oral ou sublingual.
Geralmente comercializado em um pequeno frasco com dosador ou conta-gotas, o óleo de CBD, nesses casos, pode ser aplicado embaixo da língua.
Assim como nas cápsulas, a concentração de canabidiol e demais componentes varia.
O que muda, aqui, é apenas a dosagem, controlada pelo número de gotas.
Chá
Por ser uma planta consumível, a Cannabis serve para fazer infusões.
No entanto, essa é também uma forma de se obter os efeitos psicoativos do THC, o que torna o consumo desse tipo de chá não recomendado, pelo menos não sem indicação médica ou de um especialista.
Cápsulas de canabidiol
Em formato de cápsulas, o canabidiol pode ser consumido como pílulas tais como medicamentos e suplementos vendidos em farmácias convencionais.
Cada uma delas terá uma dosagem predeterminada de CBD e é possível produzi-las com extrato de canabidiol, com o componente isolado ou com outras substâncias.
Produtos de uso tópico
Os produtos de uso tópico consistem em pomadas, cremes, óleos de massagem e adesivos transdérmicos administrados diretamente no local afetado, no caso, a pele.
Cada um funciona de maneira diferente, sendo indicados para tratar condições leves, como desconfortos musculares e irritações, agindo sobre os receptores endocanabinoides cutâneos.
Supositórios
Administrado via anal, o supositório feito com CBD pode ser indicado para tratar sintomas e distúrbios do trato digestivo, como a síndrome do intestino irritável.
Medicamentos nesse formato podem não ser os mais confortáveis e populares, mas têm a vantagem de proporcionar um efeito duradouro.
Isso porque seu conteúdo passa para a corrente sanguínea gradualmente, prolongando, assim, os benefícios terapêuticos.
Vaporizadores
Já o método de consumo via vaporização é indicado por proporcionar um efeito mais rápido, uma vez que envolve alta biodisponibilidade ao inalar o CBD.
Para tanto, antes é preciso ter disponível o óleo de canabidiol, que, por sua vez, deve ser aquecido para virar vapor.
Comestíveis
Mais uma prova da versatilidade da Cannabis é o seu uso para fabricar balas, chocolates, pirulitos, brownies e outras guloseimas.
Nesse caso, no processo de fabricação toma-se o cuidado de retirar o efeito psicoativo do THC.
O alerta, aqui, vai mais para o consumo exagerado de doces que, independentemente da procedência, pode levar à obesidade e a outros problemas de saúde.
Bebidas
Os óleos naturais de CBD não se misturam à água, mas avanços na tecnologia de extração do canabidiol permitiram a produção de água engarrafada com o composto.
Além disso, também é possível fabricar o produto como bebidas energéticas e pós solúveis.
Produtos de beleza
Embora não seja um uso propriamente medicinal, vale a pena citar a popularidade que o canabidiol conquistou na indústria dos cosméticos.
Comercializado fora do Brasil na forma de máscaras, cremes hidratantes, óleos, sabonetes, xampus e várias outras, ajuda a combater a acne e cuidar da pele e dos cabelos.
Como a Cannabis age no corpo?
Não há como entender realmente o que é Cannabis sem compreender como agem os canabinoides.
Além do CBD e do THC, mais de cem canabinoides da planta já foram isolados, entre centenas de outros compostos químicos.
A característica principal dessas substâncias é que elas ativam os receptores canabinoides do nosso corpo, promovendo a interação deles com o metabolismo celular.
Isso acontece por meio do já citado sistema endocanabinoide, que atua na regulação e no equilíbrio de uma série de processos fisiológicos do nosso organismo.
Na realidade, hoje se sabe que seu desempenho é mais complexo que isso.
“Por muitos anos, presumia-se que os efeitos benéficos dos canabinoides eram mediados pelos receptores canabinoides CB1 e CB2. No entanto, hoje, nós sabemos que o quadro é muito mais complexo, com o mesmo fitocanabinoide atuando em vários alvos”, escreveram os pesquisadores Paula Morales, Dow P. Hurst e Patricia H. Reggio no artigo Molecular Targets of the Phytocannabinoids-A Complex Picture.
Quais são os efeitos da Cannabis?
Outro aspecto fundamental para compreender o que é Cannabis diz respeito às propriedades medicinais dessa planta.
Vamos conhecer algumas delas?
Analgésico
Não é de hoje que o CBD vem sendo administrado para reduzir ou eliminar a dor.
Sua eficácia é tamanha que na pesquisa Why Athletes Are Ditching Ibuprofen for CBD (Por que os atletas estão trocando o anti-inflamatório ibuprofeno pelo CBD), fica comprovado que ele é melhor até do que os fármacos convencionais.
Cabe ressaltar que, nesse estudo, a substância foi administrada em atletas de alta performance como anti-inflamatório e, ainda assim, apresentou excelentes resultados.
Estabilizador de humor
Para pessoas com distúrbios de humor, o CBD representa uma esperança de cura e, consequentemente, de aumentar a qualidade de vida.
É o que ficou comprovado no estudo The therapeutic role of Cannabidiol in mental health: a systematic review, em que o canabidiol foi usado para aliviar a psicose e melhorar a cognição em geral.
Sendo assim, o CBD aparece como um poderoso aliado para os brasileiros, já que, de acordo com a ABRATA, cerca de 6 milhões de indivíduos no Brasil sofrem de algum tipo de transtorno bipolar.
Outra evidência dessa eficácia diz respeito aos casos reais de pessoas com essa condição que foram tratadas com canabidiol relatados aqui, no Portal Cannabis & Saúde.
Neuroprotetor
Relativamente difundido no controle de doenças neurológicas, como a epilepsia, o CBD também é um neuroprotetor eficaz.
Tal propriedade é, inclusive, atestada pela tese de mestrado Avaliação do efeito neuroprotetor do canabidiol em mitocôndrias isolados de córtex cerebral de rato, de autoria de Ana Carolina Viana, da USP.
É bom destacar que essa capacidade neuroprotetora também está relacionada com a interação do canabidiol com os receptores CB1 e CB2, presentes em nosso organismo.
Ao atuar junto ao CB1, por exemplo, ele age como um mecanismo de manejo das reações sinápticas descontroladas, uma das características da epilepsia.
Anti-inflamatório
Rica não apenas em CBD, como em outras substâncias com propriedades curativas, a Cannabis também serve como matéria-prima para a produção de anti-inflamatórios.
Um desses elementos é o canabicromeno (CBC), cujas características hipotensora e anti-inflamatória são bem documentadas.
Além dele, o mirceno é outra substância extraída da Cannabis com atuação anti-inflamatórias.
Trata-se de um dos muitos terpenos das Cannabaceae, classe encarregada por produzir os aromas exalados pelas plantas.
Vale destacar, ainda, um outro terpeno com propriedades anti-inflamatórias, o beta-cariofileno (BCP), que também é encontrado em vegetais cultiváveis como a lavanda e a pimenta.
Relaxante muscular
A esclerose múltipla é uma das doenças graves cujos sintomas podem ser tratados com o óleo de canabidiol.
A respeito disso, um dos estudos conclusivos é o Evidence for the efficacy and effectiveness of THCCBD oromucosal spray in symptom management of patients with spasticity due to multiple sclerosis.
A propósito, você também viu aqui, no Portal Cannabis & Saúde, o emocionante caso real do designer Gilberto Castro, que saiu da cadeira de rodas graças à Cannabis.
Portador de esclerose múltipla, ele foi desenganado pelos médicos aos 26 anos, quando apresentou os primeiros sintomas da doença.
Parece milagre, mas é apenas a ciência a serviço da saúde e do bem-estar das pessoas.
Regularização da Cannabis no Brasil
A Cannabis medicinal foi introduzida no Brasil pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 17/2015.
No documento, foram instituídas as normas para a importação de fármacos à base de canabidiol em caráter excepcional.
Quatro anos depois, em dezembro de 2019, a RDC Nº 327/2019 trouxe um importante avanço ao abrir novas possibilidades de uso da Cannabis medicinal no Brasil.
Entre outras providências, estabeleceu requisitos para a comercialização de produtos à base de canabidiol para fins terapêuticos no país.
Hoje, os detalhes do processo e trâmites a seguir para a importação de fármacos feitos a partir da Cannabis constam na RDC Nº 335/2020.
Conclusão
Temos certeza de que agora você sabe o que é Cannabis e o potencial gigantesco dessa planta no campo medicinal.
Por outro lado, há ainda bastante desconhecimento sobre o assunto, muitas das vezes tratado apenas como uma questão de repressão ao consumo ilegal.
Assim sendo, fica a sugestão de compartilhar este conteúdo com amigos e familiares, afinal, informação não ocupa espaço e nunca é demais.
Fique sempre a par das descobertas da ciência e dos avanços do mercado de CBD medicinal aqui, no Portal Cannabis & Saúde.