Além desta nova permissão, a lei autoriza os cidadãos alemães a cultivarem a sua própria planta em casa, com um limite de até três plantas por moradia. O advento da nova norma alemã evidencia ainda mais o debate brasileiro acerca do plantio doméstico de Cannabis no país, e os seus reflexos na judicialização da saúde.
Estima-se, que em 2023, cerca de 430 mil pacientes, no Brasil, utilizaram a Cannabis medicinal para tratar diversas patologias, como dores crônicas, epilepsia, fibromialgia, depressão, dentre outras
A maior parte dos produtos é importada. A atual regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação e a fabricação, mas não o cultivo da Cannabis para fins medicinais. Importante lembrar que, no Brasil, o produto deve ser utilizado sob a orientação de um profissional de saúde qualificado, que pode ajudar a determinar a dosagem correta e monitorar os efeitos individualizados do tratamento.
No Brasil, a Lei de Drogas estabelece que a União poderá autorizar o plantio, a cultura e a colheita da planta, exclusivamente para fins medicinais ou científicos. Nesta direção, há projetos de lei tramitando no Congresso, voltados para regulamentar o cultivo e o auto cultivo no país. No âmbito do Poder judiciário, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificou sua jurisprudência no sentido de entender que o paciente que faz tratamento à base de Canabinoides e que deseja cultivar a planta para extrair o seu próprio óleo terapêutico é legítimo para pleitear o seu salvo conduto na justiça, através da impetração de um Habeas Corpus preventivo.
No que tange à legislação internacional sobre a pauta, o auto cultivo da planta já é permitido em diversos países, como Estados Unidos, Espanha, Uruguai, Canadá, Chile, Argentina, Peru, Tailândia, México, África do Sul, entre outros. Nos Estados Unidos, 19 dos 50 Estados já autorizam o cultivo doméstico. Na Espanha, o cultivo é permitido desde que não esteja à vista dos vizinhos.
Todavia, ao considerar o cultivo doméstico de Cannabis medicinal, é importante pesquisar e aprender sobre técnicas adequadas de cultivo, condições de crescimento ideais, nutrição das plantas, controle de pragas, além de garantir a segurança e a conformidade com os termos da decisão judicial, como quantidade de sementes e plantas autorizadas para o tratamento do paciente.
No que diz respeito à autorização e a regulamentação do auto cultivo no Brasil, podemos e devemos encará-lo, também, como uma forma de isentar, de certa forma, a judicialização da saúde no Brasil, que cresce de maneira exponencial, onerando demasiadamente os cofres públicos.
Colocando de uma maneira bem sucinta, a judicialização da saúde no Brasil refere-se ao fenômeno em que os cidadãos recorrem ao Poder Judiciário para obter acesso a medicamentos, tratamentos, procedimentos médicos e insumos de saúde que não estão disponíveis no sistema público de saúde ou que são considerados de alto custo. Essa prática tem se tornado cada vez mais comum no país devido a diversos fatores, como a falta de oferta de determinados medicamentos e tratamentos pelo sistema de saúde, a demora no atendimento de determinadas demandas de saúde, a falta de acesso a serviços especializados em algumas regiões, entre outros.
Por um lado, a judicialização da saúde tem sido vista como uma forma de garantir o acesso universal e integral à saúde, protegendo o direito dos cidadãos. No entanto, por outro lado, esse fenômeno também tem gerado impactos no sistema de saúde, como aumento de gastos públicos, sobrecarga do Poder Judiciário e desigualdade no acesso aos serviços de saúde.
O debate sobre a judicialização da saúde no Brasil é complexo e envolve questões éticas, legais, econômicas e de saúde pública
Diversas medidas têm sido propostas para tentar lidar com esse fenômeno, como a ampliação do acesso a medicamentos e tratamentos, a regulação de preços e a busca por soluções que garantam o equilíbrio entre o direito à saúde e a sustentabilidade do sistema de saúde, incluindo o cultivo doméstico da Cannabis.
Caso concreto: O Paciente-Cuidador
Em recente decisão, a 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo concedeu liminar para que um paciente – que já possui salvo conduto de cultivo pela Justiça Federal de São Paulo -, cultive, extraia, manuseie e produza o óleo medicinal para mais três pacientes, que não possuem condições financeiras para arcar com o alto custo dos medicamentos, nem expertise e saúde física para cultivar e produzir o seu próprio óleo terapêutico.
Neste caso, trata-se de um instituto denominado Paciente-cuidador, ou “Caregiver”, termo largamente utilizado em outros países, como Canadá, onde a pessoa se torna um cuidador, podendo ser de idosos, crianças, pessoas com deficiência ou doenças graves. Desta forma, o paciente, que possui amplo conhecimento em cultivo e extração do óleo da planta, passará a produzir não somente o seu medicamento, como o de outros pacientes, autorizados pela Justiça Federal de São Paulo. A decisão estabeleceu, ainda, um limite de importação de 20 sementes por mês, para cada paciente.
Trata-se, portanto, de mais uma importante vitória para mais pacientes que fazem uso dos Canabinoides, e que não precisarão mais depender de um produto de alto custo para aliviar os sintomas de suas graves patologias, resultando na melhora da qualidade de vida, fazendo jus, assim, ao direito constitucional de acesso à saúde.
Conclusão: Impreterível regulação e legislação do cultivo da Cannabis medicinal no Brasil
A bem da verdade, a Justiça não é a instituição ideal e adequada para regular uma questão de saúde. Todavia, estas demandas não devem ser ignoradas. Por enquanto, ainda sem diretrizes e uma regulamentação robusta e sensata, o Judiciário torna-se o único caminho legítimo encontrado pelos pacientes para cultivar legalmente a Cannabis para fins terapêuticos.
Entretanto, a efetiva solução consiste no avanço da tão aguardada regulação e legalização do cultivo controlado da planta no país, para fins medicinais. Buscar orientação e respaldo em modelos internacionais bem-sucedidos sobre o tema parece ser, também, uma boa estratégia. Assim, faz-se necessária a aprovação de uma improtelável nova norma, com limites e requisitos muito bem preestabelecidos, de modo que o acesso aos medicamentos pelos pacientes seja satisfatoriamente desburocratizado, com o barateamento da produção, pautada em qualidade e segurança.