A quarentena já aumentou a demanda pelos produtos nos EUA e Canadá. O mercado de Cannabis pode mudar para sempre depois da pandemia – e talvez para melhor
Nos hospitais o cenário já é desesperador. A falta de materiais é iminente, o número de infectados não para de crescer, e já atingimos as centenas (no plural mesmo) de óbitos no Brasil – no mundo, em breve chegaremos à assombrosa marca de um milhão de infectados.
Fora dos centros médicos, não vemos também um cenário tão melhor: milhões ao redor do globo estão perdendo o emprego, empresas fechando. Até os pequenos prazeres da quarentena estão afetados: empresas como a Netflix e o Youtube já anunciaram que vão limitar a qualidade de suas exibições, para a internet aguentar o tranco. Todas as indústrias sofreram algum tipo de interferência. Mas isso o mercado de Cannabis pode até melhorar após o fim da pandemia.
A indústria e o coronavírus
“Essencial”, foi assim que 25 dos 50 estados a americanos definiu produtos derivados de Cannabis. Na prática, significa que lojas que vendiam essas mercadorias tinham permissão de continuarem abertas mesmo durante a pandemia. Uma exceção. Há lógico nisso, principalmente se focarmos nos 18 estados que permitiram apenas a venda de medicamentos.
“Pacientes que usam cannabis medicinal têm o direito de manter seus tratamentos”, afirma Liliana Morales, gerente de comunicação na América Latina na Canopy, produtora e distribuidora internacional de mercadorias a base de cannabis. “Além de continuarem se tratando de problemas crônicos, o uso também evita uma pressão a mais no sistema de saúde – que já tende a estar saturado em tempos de pandemia’, completa.
Faz sentido, medicamentos à base de cannabis são constantemente receitados à pacientes que estão tentando tratar problemas relacionados à ansiedade, estresse e depressão – situações que podem ser até agravadas durante o isolamento obrigatório da quarentena.
“A situação fez com que pacientes estocassem produtos.” conta Najim Mostamand diretor de relações com o investidor da KushCo, uma das maiores distribuidoras do planeta de itens com cannabis.
A decisão teve um efeito imediato nos negócios. “Os primeiros sinais indicam que a pandemia de COVID-19 está criando um boom nas vendas de maconha medicinal (e recreativa).”, afirma Mostamand. Não é impressão, apesar de não existir um dado consolidado sobre o aumento, algumas empresas apontam um crescimento de até 142% durante a pandemia. E isso pode ser só o começo.
Enquanto isso, nos bastidores…
Não só no lado da grana, própria a fabricação de mercadorias à base de cannabis teve que ser repensada. “A distância social entre as pessoas, e uma higienização constante dos ambientes estão entre as medidas que alguns produtores estão fazendo ao respeitar os processos de cultivo”, afirma Mostamand.
A distribuição também foi alterada. Assim como em restaurantes ao redor do mundo, o sistema de delivery começou a ser implementado em lojas até então exclusivamente presenciais. Quem trabalha com a comunicação ou a parte unicamente operacional do sistema também não está mais dando as caras, nas empresas que vendem cannabis, o home office se tornou uma realidade em tempos de quarentena.
Mas, claro, há problemas técnicos relacionados ao vírus. Mais especificamente, relacionados à China. O país que registrou os primeiros casos da infecção é crucial para a indústria da maconha. Alguns produtos-made-in-china são chave para a fabricação de medicamentos à base de cannabis. Equipamentos como luzes de LED para estufas industriais são fabricadas no país asiático.
Uma pausa já até era prevista para o ano novo chinês, que rolou em 12 de fevereiro. Mas o mercado parou antes mesmo disso, com o vírus estourando no país em janeiro. Desde então, fábricas continuam fechadas. A questão ainda não é crucial para os negócios, mas pode virar uma dor de cabeça, em breve, com o aumento na demanda de itens de Cannabis.
Outra questão é o envolvimento da indústria de Cannabis no combate ao coronavírus. Produtos canadenses e americanos passaram a fabricar produtos mais essenciais no momento, como luvas, máscaras e desinfetantes de mão para os profissionais da saúde.
E no Brasil?
Por aqui, o problema pode ser ainda maior. Com o coronavírus afetando o mercado internacional, o dólar valoriza e, consequentemente, as importações pesam ainda mais no bolso do consumidor. A Folha de S.Paulo apurou que em território nacional o Mevatyl, medicamento à base de maconha, pode ultrapassar dos R$4.900, por conta do valor do dólar.
E isso não deve mudar tão cedo. A resolução da Anvisa, que entrou em vigor em 10 de março, permite a produção de medicamentos a base de maconha – mas não libera o cultivo da planta em território nacional. Logo, produtores daqui são obrigados a importar a planta, aumentando ainda mais a relevância do dólar na indústria nacional. A situação piora ao por na conta a escassez de vendedores internacionais.
Nos EUA, por exemplo, não há uma lei que permita a exportação de cannabis, a venda pode ser feita apenas internamente. Compramos de quem quer (e pode) vender. Uma situação que pode encarecer ainda mais o processo. “Em geral, são empresas canadenses que produzem um alto volume, e vendem para o Brasil”, explica Mostamand. “E isso não deve sofrer alterações durante a pandemia”, completa.
O futuro já começou?
Empresários, então, acreditam que muitas das mudanças adotadas durante a quarentena devem mudar a forma como a indústria vende derivados de Cannabis. “É dificil prever quando as coisas voltarão ao normal, mas quando voltarem acho que o delivery terá um grande papel na nossa indústria.”, conta Mostamand. “Também achamos que será um avanço em direção à legalização. Frente os efeitos devastadores dessa pandemia na economia, governos estaduais e federais seriam negligentes de não capitalizar essa indústria com potencial de gerar empregos e impostos”, afirma.