Na faculdade, a pernambucana Ana Gabriela Hounie presenciou o efeito devastador dos transtornos obsessivo-compulsivos (TOC) e da Síndrome de Tourette na vida de crianças e seus familiares. Formou-se e fez residência na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco. Foi lá onde ouviu pela primeira vez falar na Cannabis como método terapêutico para essas enfermidades. Imediatamente se interessou. Começava ali uma espera de quase duas décadas, até enfim poder prescrever o medicamento.
Ao se formar em meados da década de 90, Ana teve o primeiro contato com estudos promissores, que passaria a analisar com atenção. Entre eles, os realizados pela que ela considera a maior expoente do assunto, a médica alemã Kirsten R. Müller-Vahl de Hannover. Foi o trabalho de Kirsten que terminou de convencer Ana: “eu nunca tive preconceito. Pra mim, se a coisa funciona, funciona. A minha abordagem é científica, não ideológica”.
Concluída a formação, deu aulas em Pernambuco. Mas logo foi para São Paulo fazer seu doutorado sobre genética epidemiológica em sintomas do espectro obsessivo compulsivo pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Feito o doutorado, seguiu carreira na capital paulista, onde clinica até hoje, dá palestras, cursos e mantém atividade intensa nas redes sociais.
Pontapé inicial
Quando a Anvisa liberou a prescrição da Cannabis pela em 2015, Ana finalmente pôde receitar a Cannabis a seus pacientes, muitos deles lutando contra convulsões, tiques, dores crônicas e outros sintomas que não eram vencidos por nenhum remédio convencional.
Ela recorda que já na época a aceitação foi boa. Os pacientes vinham há tanto tempo sofrendo com medicamentos fortes e ineficientes, que uma alternativa era muito bem vinda, e, se havia preconceito, ele era rapidamente esquecido. Hoje, sendo uma referência nacional no tratamento de Tourette com Cannabis, a médica não enfrenta nenhuma resistência de seus pacientes, que já a procuram buscando o remédio.
Entre tantos casos de sucesso, Ana considera até difícil destacar um. “Tenho hoje mais de 400 pacientes usando Cannabis medicinal, são muitas histórias, estou convencida de que é uma ferramenta terapêutica extremamente importante”, diz. “Autistas que não falavam, começam a falar, pessoas com demência, que não reconheciam os familiares, voltam a reconhecer, eu acho que todas as histórias, os efeitos, são interessantes.”
Faltam médicos prescritores
De 2015 pra cá, Ana se tornou uma importante disseminadora de informação sobre a Síndrome de Tourette e as diversas aplicações da Cannabis. Além dos cursos e palestras, ela participa de grupos de alunos, autora do livro Tiques, Cacoetes, Síndrome de Tourette, de diversos estudos, concede entrevistas e tem um canal no Youtube, tudo para informar sobre Tourette, TOC e aplicações da Cannabis. É membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC), onde empresta seu nome para buscar patrocínios e apoios e dá palestras para médicos interessados na prescrição.
Para Ana, o principal problema sobre o desconhecimento da Cannabis, está na falta de atenção que as faculdades de medicina dão ao assunto. O primeiro curso especializado foi aberto somente no ano passado, como pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba.
“O médico precisa ir atrás para saber sobre o medicamento”, diz Ana Hounie. Em seus cursos, é comum ter alunos que ficam com raiva de não terem tido a informação a respeito da Cannabis antes, e ficam surpresos de já ter até dois medicamentos na farmácia.
E sobra preconceito
Todo esse desconhecimento acaba diminuindo a oferta e aumentando os preços. Hoje, com cultivo local autorizado pela justiça brasileira, apenas os óleos da Abrace são legalizados. Os dois remédios de farmácia custam mais de R$ 2 mil. Os pacientes de Ana têm essas duas opções para aquisição local, além da importação direta e o tráfico ilegal.
É preciso tornar as prescrições não forem mais comuns, divulgar mais os benefícios mais divulgados e vencer o preconceito vencido. Só assim a Cannabis deixará de ser um medicamento para poucos.
Embora não encontre resistência entre os pacientes, a médica reforça que o preconceito continua vivo no Brasil. Principalmente dentro da própria classe médica. A pernambucana já foi chamada de “neurocientista do mal, maconheira e comunista”. E como Ana lida com isso? “Eu não estou nem aí. Meus pacientes estão ótimos e é isso o que importa”.
Procurando por um médico prescritor de cannabis medicinal? Clique aqui temos grandes nomes da medicina canabinoide para indicar.