Em meio aos intensos debates políticos sobre a descriminalização do porte da Cannabis, chamaram atenção as declarações do ministro André Mendonça durante a sessão no Supremo Tribunal Federal (STF) em 6 de março.
Ele proferiu várias afirmações contundentes, incluindo que “a Cannabis é pior que o cigarro de tabaco” e “é o primeiro passo para o precipício”, alertando para os possíveis danos à saúde de jovens e crianças com o aumento do consumo e desviando o debate sobre a questão da reparação histórica.
O julgamento, novamente adiado após o pedido do ministro Dias Toffoli para mais tempo de análise, apresenta um placar favorável de 5 a 3 para o recurso 635.659. Dos 11 ministros, oito já votaram sobre o tema.
As disparidades raciais e econômicas são retiradas do centro do debate e dão lugar à uma sustentação rasa e inócua por parte do Ministro André Mendonça
Em tese, o centro do debate deveria se concentrar nas disparidades raciais e econômicas agravadas pela Lei das Drogas (Lei 13.343/2006) no Brasil. O STF retomou o julgamento do processo que poderia determinar a descriminalização do porte da Cannabis em 2023, após oito anos de hiato desde o pedido de vista do então ministro Teori Zavascki, em 2015. Essa decisão pode marcar um novo capítulo de reparação histórica no país.
Além de perpetuar estigmas contra os usuários e dificultar a implementação de políticas públicas de redução de danos, há uma falta de critérios para distinguir traficantes de usuários.
Durante a sessão do dia 06 de março, o voto do ministro Alexandre de Moraes foi embasado em um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria, que revelou disparidades na aplicação da lei, com jovens, negros e analfabetos rotulados como traficantes com quantidades menores de drogas do que indivíduos mais velhos, brancos e instruídos.
“Triplicou-se em seis anos o número de presos por tráfico de drogas, mas não triplicamos o número de presos brancos, com mais de 30 anos e ensino superior, e, sim, o de pretos e pardos sem instrução e jovens. É preciso garantir a aplicação isonômica da Lei de Drogas para evitar que, em virtude de nível de instrução, idade, condição econômica e cor da pele, você possa portar mais ou menos”, disse na ocasião.
O Supremo não está discutindo a legalização da Cannabis ou qualquer substância
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, reforçou que o tribunal está focado em estabelecer critérios para diferenciar o tráfico de posse para consumo pessoal, especificamente no caso da maconha. Ele enfatizou que a legalização das drogas é uma questão do Poder Legislativo, não do Judiciário.
“No STF, não estamos deliberando sobre a legalização das drogas. Isso é um equívoco que foi disseminado por falta de conhecimento e, às vezes, intencionalmente”, declarou.
Na realidade, cabe ao STF examinar a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006), o qual estabelece uma distinção entre usuários e traficantes, com penas mais leves aplicadas aos primeiros.
Para essa diferenciação, a legislação prevê medidas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade, advertências sobre os efeitos das drogas e participação obrigatória em cursos educativos, direcionadas àqueles que são encontrados adquirindo, transportando ou portando drogas para consumo pessoal
Preocupações adicionais e a incipiência do ministro André Mendonça
Enquanto os magistrados favoráveis à descriminalização defendem o direito individual ao uso de pequenas quantidades da substância, ressaltando as consequências à saúde como uma questão pessoal, os ministros em oposição expressam preocupações adicionais, que se afastam do centro do debate em questão.
Senhor ministro, não se confunda, descriminalização não é legalização!
Para tirar o foco do debate, o ministro trouxe vários pontos sobre como a Cannabis poderia trazer riscos a saúde e que a descriminalização poderia oferecer danos à população. Entretanto, é preciso reforçar que a descriminalização não prevê o consumo da Cannabis e nem os seus riscos à saúde, mas sim uma questão de reparação social, especialmente no viés racial.
Descriminalizar é permitir que o usuário recreativo de Cannabis não vá para prisão por portar uma quantidade pequena para uso próprio. É diferenciar o traficante do usuário de Cannabis e acima de tudo, oferecer uma justiça que seja igual para todos.
No relatório apresentado pela ACLU, A Tale of Two Countries: Racially Targeted Arrests in the Era of Marijuana Reform (Uma história de dois países: prisões racialmente direcionadas na era da reforma da maconha), detalha as prisões por maconha de 2010 a 2018 e examina as disparidades raciais nos níveis nacional, estadual e municipal.
O relatório do EUA mostra que os negros têm maior probabilidade de serem presos por porte de maconha do que os brancos em todos os estados, incluindo naqueles estados que legalizaram a maconha.
No Brasil isso não é diferente, uma nota técnica divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em outubro de 2023, aponta que pessoas negras são mais frequentemente detidas em flagrantes por tráfico de drogas durante abordagens policiais resultantes de rondas.
Tais abordagens são conduzidas tanto pela polícia militar quanto pela civil, com base na identificação de “comportamento suspeito” por parte do acusado.
A análise realizada aponta para deficiências no sistema, especialmente destacando um viés racial na aplicação da Lei de Drogas, promulgada em 2006.
Foram examinados 5.121 indivíduos acusados, selecionados de um total de 41.100 casos judiciais. Estes processos correspondem às sentenças proferidas no primeiro semestre de 2019.
Entre os acusados, a maioria consiste em jovens (72% com até 30 anos), do sexo masculino (86%), e com baixa escolaridade (67% não possuíam diploma de ensino básico completo). Destaca-se que metade dos réus são jovens negros com menos de 30 anos, evidenciando como a criminalização por tráfico de drogas incide sobre essa parte da população, conforme apontado pela pesquisa.
Sendo assim, o objetivo da descriminalização é garantir que os esforços da política de drogas também centralizem a justiça racial.
Entendendo a legalização
No Brasil, o debate em torno da legalização da Cannabis para uso recreativo não está em discussão. Entretanto, há um projeto de Lei 399/15 em andamento, que propõe a legalização do cultivo da planta para fins medicinais, porém aguarda tramitação no Senado.
Em paralelo a isso, muitos países já legalizaram o consumo da Cannabis para fins recreativos, como Uruguai, Canadá e Estados Unidos, Portugal, Holanda e, recentemente, a Alemanha.
A descriminalização poderia ser um passo importante para aprovar a outros projetos, como a PL 399/15.
Cannabis para fins medicinais
Recentemente, muitos países têm avançado na legalização e regulamentação da Cannabis medicinal, incluindo o Brasil, onde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou normas para o registro e venda de medicamentos à base de canabinoides em 2021.
No entanto, para que os pacientes possam ter acesso a esses produtos, é necessário que um médico autorizado faça a prescrição e que o produto esteja registrado na ANVISA.
É importante destacar ainda que, no Brasil, o cultivo doméstico de Cannabis para uso medicinal é proibido, assim como seu uso recreativo. Portanto, a obtenção de produtos à base de Cannabis para uso medicinal deve ser feita mediante prescrição médica e seguindo as normas estabelecidas pelas autoridades sanitárias.
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