Do avô para o pai, do pai para o filho. Assim a família Verztman seguiu na reumatologia até o carioca Victor Verztman se encantar pela Cannabis medicinal. Ele já conhecia o potencial do canabidiol, mas só o levou para a clínica prática após ouvir a história de uma paciente do pai, José Fernando Verztman, que usava o medicamento.
Anos antes, pouco depois de se formar, Victor ouviu falar sobre a Cannabis em um congresso em Boston. A aula abordava a necessidade de redução do consumo de opioides num país que tem muitas mortes causadas pelo abuso da substância. Mas essa era a realidade americana, onde estudos e regulamentação avançavam. Para o jovem reumatologista, o assunto ainda estava distante do Brasil.
Apesar do interesse familiar na especialidade, a certeza de que tinha escolhido o caminho certo veio na residência em reumatologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O passo seguinte foi se especializar na Sociedade Brasileira de Reumatologia. Foi mais ou menos nessa época que ele ouviu o relato que mudaria sua opinião sobre aquele medicamento que ainda era alvo de tanto preconceito.
A paciente do pai que usava Cannabis tinha osteoartrite, uma forma de artrite com degeneração das cartilagens. Usando um óleo da Associação Brasileira de Apoio Cannabis e Esperança (ABRACE), ela teve uma redução de 80% das dores, melhorou o sono e o humor usando o óleo.
Sem achismo, sem panaceia
Interessado, Victor descobriu a evolução da legislação brasileira. Seria mais fácil prescrever o medicamento. Começou, então, a se atualizar sobre as possibilidades concretas de uso da Cannabis, com a leitura de artigos científicos, e dos trabalhos de Mary-Ann Fitzcharles (reumatologista canadense) e da colombiana Paola Cubillos. Buscou médicos brasileiros de referência, como Patrícia Montagner. Estudou os padrões dos ministérios da saúde de Israel e da Austrália. Queria se basear em ciência. “Sem achismo, sem panaceia. Tem que ser mais uma possibilidade no arsenal para dor crônica”, conta.
Victor prefere separar dois tipos de dores crônicas em sua prática: para as inflamatórias, opta pelos medicamentos tradicionais, como os imunossupressores; para as não-inflamatórias, indica a Cannabis.
Reforço no arsenal
Victor não culpa os médicos pelo desconhecimento acerca do sistema endocanabinoide, que controla várias funções, com receptores em quase todos os órgãos, mas raramente é ensinado nas faculdades de medicina.
Em sua prática clínica, Victor entende a Cannabis como um medicamento com riscos, benefícios e efeitos colaterais, como qualquer outro. No atendimento, faz a anamnese, exames físicos completos, diagnósticos, pergunta quais tratamentos o paciente já usou. Pergunta também sobre a parte não medicamentosa como atividade física, histórico psiquiátrico, doenças do fígado, doença cardíaca. “É importante para saber se o paciente pode tomar qualquer medicamento. Não quero tentar ajudar e causar um mal maior”.
Victor reforça que segue uma medicina baseada em evidências e que, para dor, já há medicação de primeira linha com mais estudos, como antidepressivos e anticonvulsivantes. Indica Cannabis apenas para os pacientes que não respondem bem a esses tratamentos. E vê como opção terapêutica interessante: todos os pacientes para os quais prescreveu tiveram boa resposta. Victor também aponta para a importância de outras práticas nos tratamentos que acompanha, como exercício físico e psicoterapia.
Ele mantém contato semanal com seus pacientes pelo telefone. “Uma coisa que aprendemos é começar e aumentar aos poucos”. Victor sempre explica o que o paciente deve esperar do medicamento e os efeitos colaterais possíveis, como sonolência e enjoo: “Se sentir algo estranho me avisa que vamos ajustando”, orienta.
O médico tem consciência das grandes variações do tratamento com Cannabis, por isso sabe que está em processo de aprendizado. São variações de dose, de marca, de horário, de posologia e de composição.
Victor ainda não faz desmame de remédios alopáticos em seus pacientes. Para o momento, a orientação é associar, e tratar com Cannabis apenas pacientes refratários.
Pacientes refratários
O conhecimento com Cannabis medicinal levou o pai a indicar os tratamentos do filho aos pacientes refratários. As doenças que mais trata com Cannabis atualmente são dor crônica, fibromialgia, lombalgia e osteoartrite (artrose).
“Em pouco tempo todo mundo vai ser obrigado a estudar a Cannabis medicinal”. Ele comemora que agora todos os congressos da Sociedade Brasileira de Reumatologia falam de Cannabis medicinal. Em sua conta no Instagram, fala de reumatologia e do uso da planta. Victor deixa uma mensagem aos colegas: “É importante que os médicos que tratam da dor crônica aprofundem o conhecimento sobre Cannabis. Porque os pacientes são sofridos e o arsenal terapêutico não é bom”.