O neurocirurgião Pedro Pierro conheceu a Cannabis depois de descobrir que pacientes refratários estavam usando o tratamento sem que ele soubesse. Depois de presenciar os resultados, se rendeu à terapia: “É uma obrigação, como formador de opinião, conhecer o sistema endocanabinóide e a terapia. Evitar que as pessoas procurem no mercado informal, sem procedência”. Esta é a história que ele contou neste painel, que ocorreu nesta terça-feira, 11 de agosto.
O painel ainda contou com a presença de Antoine Daher, cujo filho tem uma doença rara e o inspirou a criar a Casa Hunter, Vinicius Barbosa, psiquiatra especializado em autismo, e Lívia Queiroz, mãe de Gabriely, paciente de doença degenerativa progressiva, cuja vida foi mudada para melhor com o uso da Cannabis.
Antoine Daher – fundador da Casa Hunter
“Fundei a Casa Hunter depois do diagnóstico do meu filho com Síndrome de Hunter, e de vivenciar as dificuldades das famílias de pacientes com doenças raras. No mundo, são 8 mil doenças, para as quais só 3% têm tratamento”.
A Casa Hunter tem equipes multidisciplinares e terapias diferenciadas que podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes. São pesquisadores, médicos e cientistas de várias áreas, para atender à falta de pesquisa clínica, atendimento especializado, e democrático, sendo a ponte entre médicos e pacientes.
Os problemas atendidos também são vários: de metabolismo, autismo, neurológicos, do espectro autista. “30% de portadores de doenças genéticas morrem antes dos 5 anos de idade e a Cannabis pode ajudar essa parcela da sociedade que sofre.”
Além da assistência, a Casa Hunter tem programas interdisciplinares de educação continuada, eventos, pesquisa, projetos de lei. Lá estão desenvolvendo pesquisa clínica para terapia gênica.
A Cannabis ainda depende de mais pesquisas clínicas para doenças raras para facilitar o acesso e quebrar tabus. É tratamento para várias doenças, principalmente as degenerativas, lisossômicas, inflamações em geral. “A Cannabis pode evitar mortes”.
O conselho a pacientes e familiares: “Procure um especialista que conheça doenças raras. Que conheça o canabidiol, e tente”.
Vinícius Barbosa – psiquiatra – especialista em autismo
“O diagnóstico do autismo é muito flexível, porque se confunde com outros diagnósticos psiquiátricos – PTSD, déficit intelectual. Existe um quadro patológico por trás da manifestação do autismo, que é a consequência biológica, por isso, precisa de um diagnóstico multiprofissional.
O arsenal medicamentoso para autismo é muito ruim. Muitos quadros de autismo envolvem o sistema endocanabinóide, a diminuição da anandamida e alterações de neurodesenvolvimento, em processos neuro inflamatórios. A Cannabis é anti-inflamatória e age na base da doença do quadro autístico. Pacientes apresentam melhora cognitiva, de atenção, práxis motora, percepção sensorial do ambiente.
O tratamento médico deveria estar pautado pela decisão médica, científica. No meio ainda existe muito preconceito. Chefes de hospital, de residência, de pesquisa, têm resistência. É negligência da classe médica: os médicos que começaram a prescrever foi por pressão dos pais. Precisamos de incentivo à pesquisa, difundir mais conhecimento, a ciência é o caminho”.
Aos pais: “A Cannabis é uma ferramenta, mas não é a única. O paciente precisa de acompanhamento multiprofissional: fonoaudiólogo, terapia ocupacional, fisioterapeuta, psicólogo. E leve em conta as questões biológicas: alterações gastrointestinais, imunológicas, inflamações, dores , alimentação saudável, um bom ambiente familiar”.
Lívia Queiroz – mãe de paciente
Lívia conheceu a Cannabis em 2014. Queria usar para ajudar a filha Gabriely a dormir. Ela tem MPS tipo 3, doença rara, crônica, degenerativa e progressiva.
A menina chegou a ficar 60 dias convulsionando sem parar no hospital. Tentavam vários remédios e ela não parava. E apareceu o Dr Pedro Pierro que indicou o tratamento.
Gabriely tinha dado entrada no hospital, com peso e alimentação normais, mas saiu com 22 quilos e com uma sonda gástrica. Lívia resolveu começar a usar o óleo. “Depois de 3 dias, Gabriely voltou a dormir. Pela primeira vez eu a vi sorrir”.
Tinha gente da família que achava que Lívia ia drogar a filha. No hospital teve médico que disse que era errado. Lívia conta que uma médica com filho autista pediu indicação, depois que viu os vídeos de Gabriely e os resultados do tratamento.
“Hoje a dificuldade é achar quem prescrever”.
“Não tenha medo de tentar. Hoje Gabriely entende, reconhece, assiste e acompanha o que vê na televisão. Não desanime, o não você já tem. Se alguém vier com preconceito, olhe pro rostinho do seu filho e diga: vamos tentar”.
Pedro Pierro – neurocirurgião
Conheceu a Cannabis em 2013, por pais que estavam usando sem que ele soubesse. Os resultados mudaram sua visão sobre o assunto. De lá pra cá tudo mudou, da classe médica à regulamentação da Anvisa.
O número de prescritores de 2015 a 2018 subiu 160%. O de solicitações de pacientes, 300%. “O crescimento de prescritores ainda não acompanha o de pacientes procurando.
Para doenças de exceção, é difícil ter estudo clínico grande, por serem raras, e algumas têm sintomas parecidos. Seu tratamento pode ser sintomático e a Cannabis possibilita isso, muitas vezes é o melhor remédio para tratar sintomas.
Dor crônica é diagnosticada após 3 meses sem melhora, mas pode ser um sintoma ou é a própria doença. A melhor forma de tratar a dor, é tratar a causa. Os canabinoides fazem as duas coisas. Exemplo: fibromialgia não é só a dor. O paciente dorme mal, fica ansioso, depressivo, isola-se socialmente. A Cannabis trata a parte analgésica e os transtornos de afetividade. Eu não estudei sistema endocanabinóide na faculdade. Por quê?”. Essa é uma das dificuldades para a Cannabis no Brasil. Outra é a falta de produto para estudos.
“Para prescrever tem que saber pra quem é, e o que está prescrevendo. Saber se está tratando a causa ou o sintoma, é uma medicina customizada”.
Sua mensagem para médicos preconceituosos: “É uma obrigação, como formador de opinião, conhecer o sistema endocanabinóide e a terapia. Evitar que as pessoas procurem no mercado informal, sem procedência”.
Para pacientes: “Veja se o médico conhece de fato a sua necessidade. Não vá no “mal não faz”.