Raphael Mechoulam faleceu hoje aos 92 anos.
Segundo informação confirmada por Haitham Amal, professor na Faculdade de Medicina da Hebrew University, faleceu hoje, 10 de março, Raphael Mechoulam, aos 92 anos.
“Hoje perdemos um revolucionário, uma lenda e um cientista extraordinário. Sua descoberta sobre o THC revolucionou o mundo da Cannabis e da saúde. Uma grande perda para a Universidade Hebraica e para a comunidade científica. Descanse em paz, Professor Raphael Mechoulam”, informou em seu Twitter Dr. Amal.
Qual a importância de Raphael Mechoulam? A descoberta dos canabinoides e do sistema endocanabinoide
Se hoje o Cannabis & Saúde existe, foi graças ao trabalho do químico bulgaro radicado em Israel Raphael Mechoulam.
Durante os últimos 50 anos, seu grupo de pesquisas revelou para o mundo a relevância dos ingredientes da Cannabis, como o psicoativo Δ9-tetrahidrocanabinol (THC), Canabidiol, mais de 120 outros canabinóides e de 440 compostos não canabinóides, para a saúde.
Há aproximadamente 20 anos, também desvendou as razões moleculares para a atividade biológica desses extratos vegetais com a descoberta dos endocanabinóides, que são lipídios endógenos capazes de se ligar aos mesmos receptores canabinóides ativados pelas substâncias da planta.
Além dos endocanabinóides, um conjunto complexo de receptores, enzimas metabólicas, transportadores (transmembranares, intracelulares e extracelulares) também foram descobertos e, juntos, formam o chamado “sistema endocanabinóide”, que demonstrou ajustar o coletor atividades biológicas desses sinais lipídicos.
Descobertas essas fundamentais nos ramos das química, bioquímica, biologia, farmacologia e medicina e que permite, hoje, o tratamento de diversas patologias por meio da modulação do sistema endocanabinoide com o uso da Cannabis medicinal.
Mechoulam: o eterno “pai da medicina canabinoide”
O interesse pelo estudo da Cannabis sativa surgiu em Raphael Mechoulam após ele encontrar diversos textos científicos sobre a planta datados do século 19. Na segunda metade do século 20, porém, as pesquisas estavam esquecidas. Havia um motivo para isso. A tecnologia do século 19 não era avançada o suficiente para isolar o THC, por exemplo, diferentemente dos alcalóides da cocaína. Já no século 20, os métodos de extração estavam mais evoluídos. No entanto a guerra às drogas havia sido levada pelos EUA para todo o mundo e ficou mais difícil estudar a planta.
Contudo, com um colega que trabalhava na polícia, conseguiu cinco quilos de haxixe (uma resina extraída das flores da Cannabis que concentra seus compostos químicos) que havia sido apreendida e pode assim começar seus estudos.
Desvendando os canabinoides
Com o material em mãos, começou o trabalho de isolamento, elucidação estrutural e síntese química das substâncias químicas da planta. O canabinol, que havia sido isolado no século 19, ganhou a companhia do THC, canabidiol, canabigerol, canabicromeno e alguns ácidos carboxílicos canabinóides.
Restava saber qual o principal princípio ativo da planta. O teste foi em macacos e o THC foi o único componente com os quais os animais apresentaram sedação. Para comprovar a tese, fez um bolo no qual incluiu a substância e distribuiu aos seus amigos, com efeitos diversos. Um se sentiu bem, outro passou a falar muito enquanto um terceiro vivenciou um ataque de ansiedade.
O THC foi confirmado como o princípio ativo responsável pelo “barato” da Cannabis, mas ainda não se sabia como ele fazia isso. Por quase duas décadas após a identificação do THC, acreditava-se que seus mecanismos de ação eram totalmente “inespecíficos”.
Outras pesquisas
Na década de 1980, os resultados obtidos por vários grupos de pesquisa sugeriram que isso poderia não ser verdade. Estes incluíram achados obtidos por Mechoulam e seus colaboradores mostrando que certos canabinóides exibem estereoseletividade.
Tais achados encorajaram a busca por um receptor canabinóide em tecidos de mamíferos, e essa busca levou à descoberta de dois receptores canabinóides acoplados à proteína G: o primeiro (CB1 ) foi descoberto entre 1988 e 1990, e o segundo (CB2 ) foi descoberto em 1993.
A evidência obtida no final da década de 1980 de que tecidos de mamíferos expressam o receptor CB1 imediatamente levou à busca de uma substância química produzida por esses tecidos que pudesse ativar esse receptor.
Essencialmente foram os seus grupos de pesquisa em várias universidades do mundo que identificaram os canabinoides que conhecemos hoje, como o CBD e o THC.
Pouco tempo depois, também desvendou o sistema endocanabinoide e o seu funcionamento. Hoje em dia, médicos de todo o mundo, inclusive os da nossa plataforma de agendamentos, se baseiam nessas descobertas para prescrever Cannabis para seus pacientes.
Raphael Mechoulam trabalhou em parceria com o cientista brasileiro Elisaldo Carlini
Raphael Mechoulam tinha o objetivo de identificar o motivo da Cannabis causar os efeitos que causa no corpo humano, então ele identificou o THC. No entanto, foram também identificados outras centenas de compostos, que ele então chamou de canabinoides, que não se sabia quais efeitos poderia ter no corpo humano uma vez que não eram psicoativos.
Foi em parceria com a equipe de pesquisadores do brasileiro Elisaldo Carlini que foi identificada pela primeira vez a propriedade do CBD de evitar convulsões
Muitos artigos científicos nesse campo são assinados pelos dois. Alguns exemplos são:
- Toward drugs derived from cannabis (Rumo às drogas derivadas da cannabis, na tradução livre) publicado em 1978
- Chronic administration of cannabidiol to healthy volunteers and epileptic patients (Administração crônica de canabidiol a voluntários saudáveis e pacientes epilépticos, na tradução livre) publicado em 1980
- Effects of cannabidiol on behavioral seizures caused by convulsant drugs or current in mice (Efeitos do canabidiol nas convulsões causadas por drogas convulsivas ou correntes em camundongos, na tradução livre) publicado em 1982
Mechoulam fundou e foi presidente de instituição internacional de pesquisa canabinoide
Junto com outros 50 cientistas, Raphael Mechoulam fundou a International Cannabinoid Research Society (ICRS – Sociedade Internacional de Pesquisa Canabinoide, na tradução livre). Essa organização tem o objetivo de promover a pesquisa de canabinoides, promover o intercâmbio de informações sobre a Cannabis e o sistema endocanabinoide e ser uma fonte confiável para investigadores de todo o mundo.
O Prêmio Mechoulam por contribuições excepcionais para o campo
Desde 2000, o ICRS dá o Prêmio Mechoulam por contribuições excepcionais para o campo. Essa premiação é dada todos os anos a um ou uma cientista que fez contribuições significativas para a pesquisa de canabinoides. Nesse link você pode ver todos os premiados.
Mechoulam teve duas filhas e um filho
Do relacionamento de Raphael com sua esposa Dalia, nasceram 3 filhos: Hadas, Roy e Dafna. Hadas é oftalmologista pediátrica no Centro Médico Hadassah, na região metropolitana de Jerusalém. Dafna é neuropediatra. O único filho homem, Roy, é professor de matemática em um instituto técnico israelense.
Documentário The Scientist
Lançado em 2015, o documentário The Scientist (O Cientista) mostra a história de Mechoulam desde o Holocausto na Bulgária até suas contribuições para a Cannabis medicinal. Está disponível gratuitamente no YouTube com legendas em português. Veja o filme acessando esse link.
Livro mais recente dele
O último livro publicado por Mechoulam se chama CBD: What Does the Science Say? (CBD: o que diz a ciência? na tradução livre). Na obra, feita em colaboração com Linda Parker e Erin Rock, os autores fazem uma análise da literatura científica e descrevem as descobertas em testes clínicos e pré-clínicos sobre o uso do canabidiol. Você encontra o livro na loja da Amazon.
Conferência: a visão científica da anandamida e dos canabinoides
Recentemente durante um homenagem ao Dia do Médico, disponibilizamos com exclusividade uma aula dada pelo químico falando sobre a anandamida, 2-AG e substâncias endógenas similares à anandamida.
Com o sentimento de gratidão às relevantes descobertas do pai da medicina canabinoide, deixamos aqui o nosso muito obrigada, Mechoulam.