Com 30 anos de experiência no tratamento de pacientes com dor crônica, a médica Maria Teresa Jacob encontrou na Cannabis sua principal aliada
Desde que decidiu deixar a anestesiologia de lado e, em 1992, dedicar sua carreira no tratamento de dores crônicas, a médica Maria Teresa Rolim Jalbut Jacob não se contentava com as opções de tratamento disponíveis.
“Apesar de ter melhorado muito o conhecimento sobre a fisiopatologia da dor crônica, de medicamentos que eram mais específicos para o tratamento de dor crônica, eu ficava frustrada às vezes”, lembra. “É uma doença crônica multifatorial, então nem sempre você consegue um alívio ideal para o paciente. Que recupere a qualidade de vida.”
Integrante da Sociedade Internacional para o Estudo da Dor e da Sociedade Europeia para o Estudo da Dor, sempre buscou estar atenta às novas opções de tratamento que prometessem melhorar a condição do paciente sem efeitos colaterais. No início do século, essa novidade era a Cannabis.
Cannabis para tratamento da dor
“Começou a ser falado em congressos sobre a possibilidade de usar Cannabis na medicina, como coadjuvante no tratamento de diversas doenças, e inclusive na dor crônica, que é um desafio no dia a dia da prática clínica”, conta a médica. “A partir daí, comecei a me interessar cada vez mais. Fiz cursos, um na Universidade de Boulder (Colorado, EUA), alguns outros de formação em endocanabinologia e Cannabis medicinal.”
Médica prescritora de Cannabis
No entanto, não foi imediatamente que começou a prescrever a Cannabis. “Eu passei a utilizar a partir do momento em que a gente conseguiu importar com mais facilidade para o País, foi mais ou menos a partir de 2015.”
“Antes era muita dificuldade. A primeira paciente que usei, era oncológica, já em fase terminal. O marido dela comprou pela internet em Miami, mandou entregar em Portugal. Ele foi buscar lá e trouxe totalmente na ilegalidade, em uma maleta de mão, morrendo de medo”, relata. “Fora o custo absurdo. Comprou em dólar, foi para Portugal. Soma tudo.”
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Desde então, o medicamento foi, embora muito lentamente, se tornando mais acessível, e a Cannabis passou a integrar de vez seu arsenal de tratamentos. “Desde o início, eu via na Cannabis um medicamento como os opioides”, explica. “Os opioides têm um papel importante tanto na anestesiologia quanto no tratamento da dor. O nome, nossos endoreceptores opioides, veio por causa do ópio. Primeiro foi descoberto as substâncias que vinham da papoula, o ópio, depois descobrimos que eles tinham receptores para atuar no nosso organismo.”
“Em relação à Cannabis foi a mesma coisa”, continuou. “Chama sistema endocanabinoide porque primeiro se descobriu a substância ativa na Cannabis, o THC, depois foram isolados os receptores endocanabinoides mostrando o mecanismo de ação.”
Cannabis versus opioides
Não precisou de muito, no entanto, para perceber que as semelhanças param por aí. “Os opioides têm uma série de efeitos que podem ser muito graves”, afirma. “Você está dando um medicamento para melhorar a qualidade de vida do paciente e ele dá, por exemplo, constipação. A pessoa chega a ficar 15 dias sem evacuar e isso prejudica qualquer um. Então, o benefício para dor nem sempre compensa por esse malefício.”
Com a Cannabis, a realidade é oposta. “Você vai tratar uma patologia e consegue melhorar várias coisas ao mesmo tempo. Vai tratar o sintoma da patologia, mas ao mesmo tempo melhora o sono, a ansiedade, a contratura muscular, sem efeitos adversos.”
Sistema endocanabinoide
A doutora Maria Teresa conta que essa capacidade de lidar com diversas condições é devido à peculiaridade do nosso sistema endocanabinoide em relação aos outros sistemas do organismo, como o digestivo ou respiratório. Localizado em todos os órgãos, glândulas e tecidos, o sistema endocanabinoide age por demanda. Diante um processo inflamatório, esse sistema vai produzir os endocanabinoides para agir naquele órgão e restabelecer o equilíbrio do organismo.
“A partir do momento que tem uma doença, o sistema endocanabinoide está em desequilíbrio. O organismo não está conseguindo essas substâncias para atuar no órgão do jeito que deveriam”, detalha.
“Quando tem a doença. Seja endometriose, enxaqueca, Parkinson, é sinal que o sistema endocanabinoide, além de outras alterações características de cada doença, está sendo ineficiente. A Cannabis tem substâncias que atuam como esses endocanabinoides nos receptores, e vão reequilibrar isso.”
Casos marcantes
Teoria que pôde comprovar em sua prática clínica, como em um paciente diagnosticado com mieloma múltiplo, uma espécie de câncer que ataca todos os ossos do corpo e pouca expectativa de sobrevida. Estava em cama hospitalar em casa, pois não conseguia nem sentar para fazer uma refeição, quando começou o tratamento com a Cannabis.
“Ele está com uma sobrevida de, pelo menos, dois anos. Com o uso da Cannabis, associado ao restante, conseguiu voltar a caminhar . Faz fisioterapia três vezes por semana. Melhorar a parte muscular aumentou a autonomia dele. Consegue fazer a quimio sem tantos efeitos colaterais. Tinha um problema sério com uso de opioide, pois ficava os 15 dias sem evacuar. Com Cannabis, a dose é mínima, principalmente para um caso como o dele, e nunca mais teve esse problema.”
A lista de benefícios segue. “O sono melhorou. O humor melhorou. Apesar de ser uma doença extremamente séria, tem muita qualidade de vida diante do quadro que estaria se estivesse em um tratamento convencional, sem associar a Cannabis medicinal.”
A melhora é tamanha que fica até difícil determinar se a sobrevida foi por ação direta da Cannabis ou resultado da melhora de qualidade de vida que ela trouxe.
“Vamos ficar naquilo de não saber quem veio antes. Uma vez que consegue melhorar o apetite, sono, disposição, consegue manter uma atividade física, isso também pode ter aumentado a sobrevida. Mas existem estudos mostrando as propriedades antitumorais da Cannabis. Ela destrói seletivamente as células tumorais, evitando o aumento delas, sem afetar as células íntegras.”
No entanto, ela avisa que a Cannabis é um medicamento que, embora muito bom, não funciona num passe de mágica. “O que observo na prática clínica é que muitas pessoas não têm paciência. Como tá na moda, e se fala muito, acha que vai tomar uma cápsula milagrosa. começo hoje, amanhã já não tenho doença.”
“O paciente que diz que não fez efeito, chega a tomar um, dois meses, no máximo, e até por uma questão de custo, desiste. Talvez não tenha uma resposta ideal como a gente queria. Que zerasse o processo de dor, mas, eu acho que, às vezes, o que falta é isso. Encaram a Cannabis como uma medicação milagrosa, que funciona do dia pra noite, não é assim. É um tratamento e são doenças crônicas.”
PL 399
Sua confiança na Cannabis medicinal é tanta que, antes de finalizar, fez questão de comemorar o pequeno avanço no direito dos pacientes com a aprovação da PL. 399 na comissão especial da Câmara dos Deputados, no dia 7 de junho. “Certamente alguns ajustes vão ser feitos, mas que a Cannabis medicinal seja legalizada aqui. Milhares de brasileiros vão se beneficiar. O custo vai baixar, mais pessoas vão ter acesso a uma medicação diferenciada. A uma possível melhora significativa na qualidade de vida. Um grande passo, e espero que não tenha nenhum retrocesso.”