Com muita festa e sentimento de alívio, o jardineiro Márcio Roberto Pereira, da associação de pacientes de Cannabis Maleli, de Marília (SP), foi recebido pelos colaboradores da ONG após 32 meses atrás das grades. O retorno do ativista acontece no exato período de colheita das quase 500 plantas que a entidade cultiva com o aval da Justiça para mais de 1,5 mil famílias no interior paulista.
Condenado a 8 anos por tráfico de drogas ao transportar 8 frascos de óleo de Cannabis mais 100g em flores para um paciente com câncer, ele passou por diversos presídios de Rondônia até que a Justiça autorizasse a progressão do regime dele para o semiaberto.
E apesar de já completar duas semanas da sua libertação, só agora a família do Márcio decidiu divulgar esta vitória.
“Eu fiz artesanatos e alguns cursos e, com muito sacrifício, consegui acelerar a minha saída. Mas ainda estou esperando o juiz decidir se vou ficar em prisão domiciliar, se eu vou usar tornozeleira. Eu ainda não sei”, disse o terapeuta em entrevista ao portal Cannabis & Saúde.
Em 2018, em meio ao processo de legalização do plantio pela Maléli, Márcio e a esposa, Fernanda, foram de carro de Marília até Capixaba, no Acre, onde vivia o padrinho da segunda filha do casal. O amigo recém fora operado de um câncer de próstata e havia receita para adquirir um remédio importado á base de Cannabis. Mas, não tinha dinheiro para comprar.
Na estrada, a 2h da capital de Rondônia, Porto Velho, a ajuda virou caso de polícia. Eles foram abordados e presos por tráfico de drogas. Na sentença, consideraram o óleo com 5% de Cannabis como “maconha líquida” (o que sequer existe). Pesaram os vidros junto do líquido e chegaram a 900g de maconha. mesmo sendo réus primários, foram condenados em 1ª e 2ª instância a 7 anos e 7 meses em regime fechado.
Fernanda ficou apenas quatro dias detida. Por ter uma filha criança, foi cumprir prisão domiciliar. Já o Márcio ficou de dezembro de 2018 a 31 de agosto de 2021 preso. Nesse período, sofreu violações e contraiu malária.
“Eu quero tocar para frente, Não quero ficar só batendo nessa tecla de injustiça, mas é claro que eu me sinto injustiçado pela causa que a gente vem defendendo. Eu não quero que aconteça com outras pessoas”, declarou ao C&S.
Confira trechos da entrevista
Você sofreu violação de direitos humanos?
Foi mais no final, mas eu sempre fui bem respeitado. Na cadeia existe uma ética. Mas sim, tem agentes que oprimem os presos. Tem um ditado que diz: preso inteligente respeita a gente, preso burro leva murro.
Nesse período todo preso, que lição você tirou dessa experiência traumática?
A convivência com outros tipos de pessoas, muito julgadas pela sociedade. Foi um lugar onde eu vi muita união. O sistema não oferece nada para ressocializar os presos.
Se entra como um lixo e sai numa situação até pior, em muitos casos. Não te oferecem nada. Não tem nexo.
E nesse período, como foi a comunicação com a família?
Foram períodos longos, se comunicando apenas por carta. Minha esposa foi muito prestativa, acompanhou bem essa minha jornada. Então eu tinha sobretudo o amor e o respaldo da família.
Agradeço a Deus pela minha companheira.
Mas é claro que o sistema é falho. Tinha um presídio em que tinha telefones lá dentro. Tudo tem um preço, então quando eu estava com saudade eu ligava pra família. É claro que também tinham aqueles que usaram para coisas erradas.
Você foi posto no regime semiaberto, então quer dizer que a injustiça não foi corrigida, você não acha?
Olhando para trás, foi mais um tempo perdido. Mas eu quero tocar para frente. Não quero ficar só batendo nessa tecla de injustiça. Mas é claro que eu me sinto injustiçado, pela causa que a gente vem defendendo.
Eu não quero que aconteça com outras pessoas. Se a gente conseguir evitar isso, vai ser uma grande vitória. Mas ainda não acabou, porque a gente tem os recursos em Brasília em função de toda nossa luta, nossa história. Então pode ser que a gente consiga reverter isso.
E quais são teus próximos passos daqui pra frente tanto pessoal como na associação?
No estado que eu fui preso, a corte tem outra interpretação sobre a planta. É uma coisa nova que está chegando no Brasil. Muitos estados ainda são bem fechados, até em função da fronteira deles e do tráfico de drogas.
Mas o nosso estado (São Paulo) já tem bastante documentação apoiando a atividade. Eu creio que aqui eu vou conseguir continuar exercendo minha profissão que é de jardineiro, cuidar da extração dessa planta mágica.
Vou continuar meu trabalho e tentar reverter essa situação na Justiça. Como pode eu ter passado por tudo isso e ainda assim ter esse cultivo legal?