O interesse científico na Cannabis medicinal está vivendo um momento de franco crescimento, e informações — confirmadas pela ciência ou não — circulam em grandes quantidades. É possível confirmar, com base em estudos e evidências científicas, que a Cannabis pode ser um tratamento efetivo e natural para melhorar o sono? Em tempos de guerra e pandemia, com os níveis de ansiedade subindo no mundo todo, essa pergunta é cada vez mais pertinente.
Sono e sistema endocanabinoide
As interessantes relações entre a Cannabis e o sono podem ser creditadas ao sistema endocanabinoide — quem acompanha o site Cannabis & Saúde já sabe que todos nós temos, dentro de nós mesmos, receptores naturais de canabinoides, que servem para equalizar diversas funções biológicas.
Um certo tipo de regulador universal do nosso organismo, o sistema endocanabinoide é responsável pela homeostase (o estado de equilíbrio dinâmico interno do organismo, incluindo variáveis como a temperatura corporal e a circulação, por exemplo). Esse fino ajuste interno contribui para regular atividades básicas que compõem nosso bem-estar, como humor, apetite, memória e dor, além, é claro, do sono.
O sistema endocanabinoide é composto pelos receptores e pelos endocanabinoides — canabinoides criados dentro do nosso próprio organismo. No entanto, se há um déficit na produção, os endocanabinoides podem ser substituídos por fitocanabinoides — canabinoides encontrados na planta da Cannabis —, que então entram como um suplemento para equilibrar o sistema.
Um sistema equilibrado naturalmente leva a proporções de descanso-vigília mais apropriadas, induzindo a ciclos de sono mais consistentes, o chamado sono restaurador. Dessa forma, já que o sistema endocanabinoide tem uma relação tão íntima com nosso sono, os fitocanabinoides entram como grandes aliados de uma boa noite de sono.
Para saber mais detalhes sobre o funcionamento do sistema endocanabinoide, acesse nosso dossiê sobre o assunto.
A Cannabis pode melhorar o sono?
A planta da Cannabis tem diversos ingredientes ativos. Quando se fala de potencial terapêutico, os mais citados são geralmente o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocarboneto (THC), mas há muitos outros derivados da planta que podem ajudar na hora de dormir.
No século XIX, o neurologista britânico sir J. Russell Reynolds já receitava a planta para tratar insônia. Ele inclusive escreveu, em 1890, um artigo na revista Lancet — um dos periódicos científicos mais antigos e prestigiosos do mundo — relatando como o uso de extratos da planta eram efetivos no combate à insônia, especialmente à “insônia senil”.
Mais recentemente, os cientistas voltaram a se debruçar sobre a relação da Cannabis com o sono. Cotidianamente, é comum ouvir relatos de pessoas afirmando que a Cannabis ajuda a dormir — cerca de 50% dos usuários subscrevem essa ideia.
E vários estudos corroboram o senso comum: um deles, publicado em 2011, analisou 147 usuários de Cannabis, e chegou à conclusão de que a planta reduz sensivelmente o tempo que a pessoa leva para adormecer, tanto em casos de pacientes com insônia, como em pacientes com ciclos de sono bem regulados.
Outras pesquisas indicam que a Cannabis pode ser utilizada para mitigar os efeitos da insônia; e alguns estudos também relatam que a terapia proporciona uma redução de distúrbios de sono em pacientes com dores crônicas e esclerose múltipla.
Como funciona
Desde a descoberta do sistema endocanabinoide, em 1988, pesquisadores vêm tentando esmiuçar a relação entre a Cannabis e os nossos receptores internos. Ainda há muitas perguntas aguardando respostas, mas evidências permitem que estudiosos tracem teorias envolvendo o funcionamento do sistema endocanabinoides. Um desses promissores caminhos de pesquisa leva a crer que os fitocanabinoides podem sim ajudar a regular o sono.
Já foi constatado que o receptor C1 do nosso sistema endocanabinoide tem relação com o equilíbrio dos nossos ciclos de sono. Quando ativado pela anandamida — um ácido graxo que atua como neurotransmissor, apelidada de “substância da felicidade”— o C1 estimularia a liberação de adenosina no cérebro, um neurotransmissor que participa dos estágios iniciais do sono.
THC
O THC, substância mais conhecida da Cannabis, responsável pelos efeitos alucinógenos da planta, também pode ajudar a regular o sono em alguns casos. Estudos experimentais indicam que o THC ajuda a aumentar o tempo de sono profundo, e reduzir o sono REM (período de grande atividade cerebral, relacionado aos sonhos).
Dessa forma, o THC seria um aliado para pessoas que sofrem com estresse pós-traumático, proporcionando um sono reparador e diminuindo as ocorrências de pesadelos traumáticos.
Além disso, o THC também pode ser usado no tratamento de dores crônicas — e, consequentemente, no alívio de distúrbios de sono relacionados a essa condição.
CBD
O CBD, também conhecido como canabidiol, é o canabinoide mais utilizado em tratamentos médicos. Sem propriedades alucinógenas e presente em 40% do extrato da planta, o CBD tem um papel um pouco diverso dos outros fitocanabinoides. Diferentemente do THC, o CBD atua de forma indireta: ele inibe a atividade das enzimas FAAH, que são responsáveis pela metabolização da anandamida.
Dessa forma, preservando a “substância da felicidade”, o CBD abre caminho para que o neutotransmissor faça seu trabalho — entre eles, ajudando na regulação do sono.
Assim como o THC, o CBD também é eficaz em tratamentos de dores e inflamações, diminuindo a ocorrência de distúrbios de sono ligados a esses quadros médicos.
Um caso notável e que vem ganhando bastante espaço na medicina canábica é a da atuação conjunta do CBD com o THC. Se por si só o CBD também já ajuda a melhorar o sono, com o THC então ele cria o chamado “efeito comitiva” (ou “entourage effect”, em inglês). Explicando de forma simples, as duas substâncias combinadas criam uma relação de sinergia, em que uma potencializa os benefícios da outra, criando um medicamento ainda mais eficaz.
Contraponto
Diversos estudos já notaram que a relação da Cannabis com o sono não é tão simples assim — ela pode tanto ajudar a dormir, quanto criar um distúrbio de sono. Uma pesquisa recente sugere que o uso frequente de Cannabis pode levar a casos extremos de sono: ou causando uma noite de sono curta, com menos de 6 horas, ou prolongando demasiadamente o período de sono, chegando a mais de 9 horas.
Essa aparente ambivalência é desvendada pelo caráter bifásico dos canabinoides CBD e THC. Isso quer dizer que a atuação deles no organismo depende da dose: doses menores induziriam uma noite de sono melhor, enquanto doses excessivas levariam a efeitos estimulantes. Como as substâncias têm efeito bifásico, numa dose alta a primeira fase levaria ao sono, e a segunda à vigília.
Outros possíveis riscos do uso da Cannabis medicinal para ajudar a dormir são aqueles relacionados a soníferos comuns: pode-se desenvolver uma tolerância ao medicamento, exigindo doses cada vez maiores e menos efetivas. E o uso excessivo de compostos de THC também podem causar sonolência no dia seguinte.
Conclusão
Como de costume na medicina canábica, os benefícios dependem de cada caso: tanto do quadro apresentado pelo paciente, quanto do ajuste e frequência das doses, bem como da composição do óleo.
Uma especificidade pode fazer a diferença: dependendo da planta da qual seu óleo é extraído, você pode ter efeitos diferentes. Enquanto a variação Sativa da planta é mais estimulante, a Indica proporciona um maior relaxamento.
Como o consenso científico ainda está em construção, não tem como bater o martelo em qual seria mais benéfica para o sono — mas a Sleep Foundation (Fundação do Sono, em português), uma ONG norte-americana dedicada a iniciativas que visem melhorar o sono das pessoas, já se manifestou afirmando que extratos de Indica seriam recomendados para pessoas que querem uma melhor qualidade de sono, enquanto os de Sativa seriam indicadas para quem quer evitar pesadelos.
Conforme as pesquisas avançam, algumas conclusões parecem indicar caminhos auspiciosos, especialmente nos casos de distúrbios de sono causados por dores crônicas, ansiedade, epilepsia e doenças neurodegenerativas.
Além disso, com a baixa incidência de efeitos colaterais, a Cannabis medicinal se mostra uma alternativa interessante quando comparada com opioides e soníferos comuns, que podem causar dependência.
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