Dois pacientes no Paraná obtiveram autorização da Anvisa para importar a erva; uso fumado ou vaporizado alivia dores e problemas psiquiátricos, mas médico alerta para a falta de estudos sobre efeitos colaterais
Chegou nesta quarta-feira (15) na casa do advogado Diogo Pontes Maciel, em Curitiba, uma van da Fedex trazendo o remédio dele importado direto dos Estados Unidos: seis frascos contendo 7g cada de flores secas de Cannabis in natura. Elas serão usadas de forma fumada ou vaporizada no tratamento dele contra ansiedade e dependência química em nicotina.
“Sou fumante há 20 anos e já tentei bupropiona, adesivo, já participei de terapias no posto de saúde e agora estou fazendo tratamento com Cannabis como última alternativa. É redução de danos. Vou trocar uma substância totalmente nociva à minha saúde por outra com efeitos medicinais”, comentou ao portal Cannabis & Saúde.
Maciel é recém o segundo paciente autorizado pela Anvisa a importar flores de Cannabis para o Brasil. O primeiro segundo o advogado, foi um cliente dele, também da capital paranaense, para controle de dores crônicas graves. Esse paciente importou flores ricas em CBD com menos de 0,3% de THC de uma empresa da Irlanda. Já o Diogo importou quatro frascos de CBD e dois de delta-8 THC. Em ambos os casos, a médica prescreveu tratamento com flores atrelado ao uso de um óleo.
Vias de administração
Segundo o advogado, os requisitos para solicitar a importação de flores junto à Anvisa são os mesmos no caso de óleos: receita médica especificando o produto, a quantidade de frascos utilizados e o período máximo, que é de 24 meses.
A Resolução 327/19 da Anvisa, que regula a venda de produtos com Cannabis nas farmácias, prevê apenas as vias oral (óleos e cápsulas) e nasal (spray). Já a normativa que regula a importação, a RDC 570/21, não menciona as vias. Por isso, pacientes podem importar também pomadas ou supositórios, por exemplo.
O advogado Diogo Maciel lembra que, além da importação, centenas de pacientes no Brasil também têm o direito de plantar em casa.
“Nós não temos que estar atentos somente às resoluções da Anvisa, mas também a decisões judiciais. As sentenças do Poder Judiciário têm dado cada vez mais autonomia para que os médicos possam exercer a profissão e os pacientes possam adquirir seus remédios de forma segura e legal”.
Caso do designer paulista Gilberto Castro, portador de esclerose múltipla e que tem um habeas corpus para cultivar em casa. Ele fuma maconha para obter o efeito imediato dos canabinoides quando as dores são intensas. Já contamos a história dele aqui no portal.
Fumar ou vaporizar?
Antes da maconha ser proibida no Brasil, em 1938, cigarros com a erva eram vendidos nas farmácias brasileiras para o alívio da asma, insônia e depressão. Hoje, a venda de flores in natura com padrão farmacêutico é uma realidade em países como Canadá, Estados Unidos, Israel e, mais recentemente, Portugal.
Porém, a via de administração pulmonar, ou seja, no cigarro ou no vaporizador, é para a maioria dos médicos um incômodo. É o que explica o médico carioca Dr. Ricardo Ferreira, cirurgião de coluna e especialista em dor, que encontrou na Cannabis um alívio para o sofrimento de seus pacientes.
“O uso prolongado, principalmente quando vai se tratar dor crônica pela via pulmonar, mesmo que vaporizado, pode trazer um risco, tanto à laringe, como da própria boca e, claro, o pulmão”.
Estudos sobre via pulmonar são apenas de curto prazo
Segundo o profissional de saúde, ainda não existem evidências científicas importantes a respeito da segurança do vaporizador em comparação com o cigarro.
“Então falar que a via vaporizada é mais segura ainda não é sustentada pela ciência. O único tipo de aparelho que tem algum grau de eficácia comprovada e segurança a curto prazo é o Volcano, que é um vaporizador feito na Alemanha. Tem um estudo que mostra a eficácia desse tipo de vaporizador, principalmente oncológica, e segurança a curto prazo. Os pacientes desse estudo não apresentaram alterações significativas”.
Volcano, um vaporizador de Cannabis citado pelo Dr. FerreiraOutro estudo importante que o médico cita fala sobre eficácia e segurança da Cannabis via pulmonar. A pesquisa mostra que, num intervalo curto de tempo, 12 meses, os voluntários não desenvolveram doenças clínicas relacionadas a esse tipo de consumo, sendo eficaz no controle da dor sem evidência de doença pulmonar ou respiratória. Porém, pondera Dr. Ferreira, é um período muito curto.
“Eu particularmente acredito que a via oral seja a melhor via, porque permite que você administre bem a dosagem, ela é padronizada e ao mesmo tempo não tem risco da via pulmonar por um período longo. Mas vários pacientes que eu acompanho com Habeas Corpus para plantio preferem a via pulmonar e conseguem ser bem sucedidos, modular a intensidade da dor e diminuir o sofrimento”, conclui.
O advogado Diogo Maciel espera que logo todos os pacientes no Brasil tenham o mesmo acesso que ele, o seu cliente e o Gilberto Castro possuem.
“A ideia é que isso se torne normal na vida dos pacientes. Não se pode mais olhar a Cannabis sob olhar do direito penal e sim como direito constitucional à saúde!”.