Paralisação na aduaneira e problemas na plataforma de autorização de importação da Anvisa dificultam o acesso à Cannabis Medicinal
Os efeitos da greve da Receita Federal (RF), iniciada em novembro do ano passado, já podem ser percebidos nos portos e aeroportos de todo país com impacto na entrega de medicamentos à base de canabinoides (moléculas medicinais da Cannabis), segundo relatam alguns pacientes.
O Paulo Pereira da Silva diz que há dias não dorme, porque a entrega do medicamento do filho autista está com 20 dias de atraso. “O normal é chegar em na minha casa em 15 dias. Tem mais de um mês que eu fiz o pedido e até agora nada”, relata o repositor de mercadorias.
Sem medicação, as crises voltam
Para Paulo, o pior é não saber quando o medicamento será liberado. “Pelo rastreio, o remédio está parado no aeroporto de São Paulo há dias. Meu medo é a medicação acabar e o meu filho voltar a ter crises de agressividade”, narra com angústia o pai no menino de 12 anos.
De acordo com Silva, graças à Cannabis, seu filho não verbal começou a falar e está mais sociável. “Antes da Cannabis, meu filho chorava e gritava o dia inteiro. Agora, está mais tranquilo, concentrado e falante”, explica o pai.
Medicamentos têm prioridade
Apesar de a Receita Federal afirmar que medicamentos, carga viva e alimentos têm prioridade na aduaneira, uma das estratégias da greve é colocar em prática a chamada ‘operação-padrão’.
Nesse tipo de ação, os auditores fiscais da Receita fiscalizam, de forma detalhada, 100% das cargas no serviço de despacho aduaneiro.
Carga à espera de liberação
Como consequência, milhares de remessas permanecem retidas nas filas de inspeção. A paralisação da Receita Federal também suspendeu as sessões de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que acumula demandas para serem analisadas.
Regulamentação do bônus
A greve dos auditores fiscais está perto de completar dois meses. A categoria cobra do governo o cumprimento da Lei 13.464 de 2017, que prevê o pagamento do bônus do Plano de Aplicação do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf).
Perda inflacionárias ultrapassa 37%
A categoria ainda exige reajuste nos vencimentos com base na inflação acumulada desde 2016.
Segundo o Sindifisco (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil), descontados os 9% de reajuste conquistados em 2023, os auditores da Receita Federal acumulam uma perda inflacionária de mais de 37% ao longo dos anos.
As negociações acontecem, mas sindicato e Ministério da Fazenda não entram em acordo. O governo ofereceu o pagamento de um teto de bônus de R$ 4,5 mil para o primeiro semestre de 2024, e de R$ 5 mil para o segundo semestre, mas a proposta foi rejeitada pela assembleia geral da categoria.
30% das fiscais estão trabalhando
Conforme a determinação prevista em lei, os auditores têm mantido 30% das equipes na fiscalização aduaneira. O restante está em greve.
Atos públicos
Desde que a paralisação foi iniciada, mais de 500 auditores participaram de atos públicos em várias cidades do Brasil, incluindo Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte. E no dia 31 de janeiro está previsto uma nova manifestação na capital do país.
“É muito difícil lidar com essa falta de informação. Para quem sofre de ansiedade é duplamente angustiante. Eu preciso dar início ao tratamento e não consigo”, afirmou outro paciente que preferiu manter o anonimato.
AGU ajuizou ação contra greve
Ainda no ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou uma ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o movimento da categoria. Para a AGU, a greve dos auditores fiscais pode afetar o cumprimento da meta fiscal do governo para 2024.
Tempo para liberar cargas é 4 vezes maior
De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimento (IBCI) em 2022, o prazo médio para a liberação de produtos em portos e aeroportos no Brasil aumentou quatro vezes por causa da chamada “operação-padrão” realizada pela Receita Federal naquela ocasião.
O estudo demonstrou que o tempo de liberação das cargas subiu de 5 para 20 dias.
Os atrasos afetam não somente os operadores que tratam diretamente com exportações e importações, mas também pequenas empresas que possuem operação exclusiva no Brasil e que dependem de componentes importados.
Em 2022, a produção de 72% das empresas ouvidas pela CNI foi impactada pela greve da RF
Outro estudo apresentado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2022, demostrou que a produção de 72% das 163 empresas pesquisadas foram impactadas pela paralisação dos servidores da Receita.
Os problemas mais recorrentes diziam respeito ao tempo de desembaraço na aduaneira, demora na inspeção e checagem da documentação, atraso na liberação das entregas de importações e exportações, assim como cancelamento de contratos.
O que diz a Receita Federal?
Por meio de nota, o Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) afirmou que:
“Reforça que a entrada de medicamentos tem prioridade absoluta nas aduanas, fazendo parte do grupo de produtos essenciais que não entram nas ações de paralisação da categoria.
Sendo assim, é importante que o importador informe às autoridades responsáveis pelo desembaraço que a carga a ser liberada se enquadra nas exceções, o que agiliza a liberação das mercadorias. É importante ressaltar que esse tratamento excepcional não dispensa o cumprimento das condições estabelecidas na legislação.
Baixo orçamento
A greve dos Auditores-Fiscais chama a atenção para o baixo orçamento reservado para a instituição, situação que perpetua o desmonte sofrido ao longo dos últimos anos.
Adicionalmente, os auditores reivindicam
a necessidade do cumprimento integral do Plano de Aplicação do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) para o ano de 2024, aprovado pela Portaria MF 727/2023.
Há 7 anos à espera da regulamentação do bônus
O instrumento, criado há mais de 40 anos, é usado para garantir a manutenção dos mecanismos arrecadatórios que viabilizam o orçamento público.
Há sete anos, os Auditores-Fiscais aguardam a concretização do acordo que deu origem à Lei 13.464, regulamentada em junho deste ano.
Porém, o projeto de lei orçamentária anual (PLOA) não prevê recursos para a integralidade do programa de produtividade da RFB, o que indica que o compromisso com a reconstrução do órgão pode não ocorrer”, conclui a nota.
Instabilidades no Portal do Governo
Para completar, pacientes e representantes comerciais reclamam que não conseguem finalizar o cadastro na plataforma de autorização de importação de produtos à base de Cannabis da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no portal E-GOV.
O cadastro e o upload na receita médica na plataforma são pré-requisitos para importação de remédios com canabinoides e a entrada legal desses produtos no Brasil.
“O problema no site começou nessa semana. Os pacientes reclamam que não conseguem passar da página de confirmação dos dados para seguir até a próxima etapa”, afirma Paula Paz, mãe atípica.
De acordo com Paula Paz, a sensação relatada pelas mães é de impotência. “Nós dependemos dessa autorização. Essa demora potencializa a angústia e a ansiedade do paciente. Para importar são necessários 25 dias úteis. É tempo demais para iniciar um tratamento”, lamenta.
O que diz a Anvisa?
Procuramos a Agência Reguladora para saber se é recorrente o problema e se medidas já foram tomadas para solucionar os mesmos, e a resposta, por meio de nota, foi a seguinte:
“Há relatos pontuais acerca de instabilidade no sistema de solicitação de autorizações para produtos derivados de Cannabis por pessoa física apenas.
Destacamos que esse sistema é de responsabilidade do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos – MGI, e isso será reportado a eles para verificação”, conclui o informativo.
O uso medicinal da Cannabis já é legal no Brasil
O uso medicinal da Cannabis no Brasil já tem regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio das RDC 660 e RDC 327. No entanto, para isso, é preciso prescrição médica.
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