Ensaio clínico duplo-cego randomizado realizado por pesquisadores da UFPB observou alívio dos principais sintomas de TEA em crianças
No dia em que o portal Cannabis & Saúde publicou a história de Ariza, criança autista de 9 anos que há dois teve sua vida transformada pelo tratamento com Cannabis medicinal, um estudo publicado no periódico científico Trends in Psychiatry and Psychotherapy demonstrou que não se trata de um caso isolado.
Um grupo de pesquisadores ligados à Universidade Federal da Paraíba (UFPB) realizou um estudo clínico, duplo-cego, randomizado, com grupo de controle que recebeu placebo, para avaliar a eficácia e segurança da Cannabis medicinal em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Esse tipo de estudo é difícil de ser realizado, ainda mais envolvendo crianças, e representa uma das principais limitações para o desenvolvimento do conhecimento científico sobre as propriedades medicinais da Cannabis.
Ainda é difícil encontrar ensaios clínicos com humanos devido aos aspectos restritivos e legais que envolvem a planta. Isso só enaltece o feito do grupo de pesquisadores, que foram liderados por Estácio Amaro da Silva Júnior, professor e coordenador do curso de medicina da UFPB.
O TEA e seu tratamento
Não há um medicamento que lide diretamente com a causa do TEA. Os tratamentos são apenas sintomáticos, visando principalmente a redução dos sintomas de agressividade e agitação psicomotora e geralmente com uso de medicações psicotrópicas para melhorar essas alterações comportamentais.
Para ajudar os pacientes acometidos por esse transtorno, há um grande interesse em descobrir novas alternativas terapêuticas para superar a ineficácia de alguns psicofármacos convencionais utilizados no tratamento do TEA ou mesmo suspendê-los, reduzindo os efeitos adversos associados a esses medicamentos.
Os endocanabinoides, substâncias que fazem parte do Sistema Endocanabinoide (SEC), são moduladores-chave das respostas socioemocionais, cognição, suscetibilidade a convulsões, nocicepção e plasticidade neuronal, e todas essas respostas são alteradas no autismo.
Os fitocanabinoides, principalmente o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), presentes em várias subespécies do gênero Cannabis, têm sido amplamente estudados como uma potencial alternativa terapêutica para o tratamento dos sintomas associados ao TEA, pois ativam os receptores canabinoides presentes na região central do sistema nervoso, aliviando alguns sintomas associados ao autismo.
O ensaio duplo-cego
O objetivo desta pesquisa é avaliar a eficácia do extrato de Cannabis rico em CBD em crianças com TEA , monitorando aspectos pertencentes aos critérios diagnósticos sobre interação social, fala, estereotipias, agressividade, agitação psicomotora, dificuldade de concentração, distúrbios alimentares, distúrbios do sono e ansiedade, bem como avaliar a tolerabilidade e segurança dos o adjuvante terapêutico.
Foram acompanhadas 62 crianças, com idade entre 5 e 11 anos, durante 12 semanas. Metade recebeu o óleo de Cannabis e a outra metade um óleo com as mesmas características de cheiro, cor e sabor, mas sem os fitocanabinoides.
Todas foram diagnosticadas com TEA por atestado médico, independente de apresentarem quadro leve, moderado ou grave de comprometimento e cujos cuidadores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Essa faixa etária foi selecionada porque as crianças de 5 a 11 anos apresentam maior similaridade no desenvolvimento cerebral, tornando o grupo mais homogêneo durante a análise dos resultados. Além disso, crianças com mais de 5 anos teriam maior probabilidade de desenvolver linguagem verbal e responder melhor em testes neuropsicológicos.
Todos os pesquisadores que tiveram contato direto com os pacientes desconheciam o tratamento fornecido, exceto o estudante de farmácia, que foi designado para entregar os frascos, semanalmente, ao médico pesquisador.
Por fim, foram agendadas avaliações basais, realizadas pelo mesmo psiquiatra de crianças e adolescentes responsável por esta pesquisa, com todas as crianças participantes deste estudo, às quais também foram entregues os produtos para o teste.
O cuidador foi orientado a iniciar sempre com uma dose de três gotas a cada 12 horas, preferencialmente em jejum e com intervalo de pelo menos uma hora antes ou após o uso de medicamentos psicotrópicos, principalmente antipsicóticos.
A dose inicial de extrato de Cannabis rico em canabidiol usada neste estudo foi de 6 gotas por dia, aumentada em 2 gotas por dia duas vezes por semana, se necessário, e a dose máxima usada foi de 70 gotas por dia.
Variáveis importantes associadas ao TEA foram avaliadas por meio de um questionário semiestruturado. Os sintomas avaliados foram agressividade; agitação psicomotora; concentração; refeições (número de refeições/dia); sono (número de horas de sono/dia); interação social com os pares; linguagem verbal (fala); ansiedade; movimentos repetitivos e estereotipados (estereotipias).
Resultados
Embora o extrato rico em CBD tenha sido utilizado em baixa concentração (2,5mg/mL), utilizando 3 gotas duas vezes ao dia, foram observadas melhora na interação social, agitação psicomotora, número de refeições, ansiedade e concentração. Os efeitos adversos experimentados por algumas das crianças foram leves e transitórios.
Um dos sintomas centrais, descrito como um dos critérios diagnósticos, é o comprometimento persistente na interação social. Foi justamente o aspecto em que as crianças que receberam o tratamento apresentaram uma melhora mais robusta. A redução da agitação psicomotora também foi de grande relevância.
Os pais de crianças com TEA frequentemente relataram diversos problemas de restrição alimentar de seus filhos. Essas questões foram observadas em nossa amostra, na qual os cuidadores afirmaram que muitos participantes realizavam menos refeições diárias do que o desejado, apresentavam dificuldade para se alimentar por questões sensoriais e de seletividade alimentar. Foi encontrada melhora nos hábitos alimentares com o uso de Cannabis, no parâmetro “refeições”.
A ansiedade, que acompanha muitas crianças com TEA, pode levar a mudanças de comportamento, visto que muitas vezes elas não conseguem expressar o que sentem, levando também ao sofrimento psicológico.
Segurança da Cannabis medicinal
Nesta pesquisa, verificou-se que apenas três crianças do grupo de tratamento (9,7%) efeitos adversos, que foram tontura e insônia em uma criança, cólica em outra e ganho de peso na terceira.
O extrato de cannabis rico em CBD mostrou-se seguro nas doses usadas neste estudo (variou de 6 a 70 gotas/dia), visto que de todas as 31 crianças que receberam o extrato, apenas três relataram efeitos colaterais muito leves.
Conclusão
Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que o extrato de cannabis rico em CBD apresentou melhora significativa na interação social, ansiedade e agitação psicomotora quando comparado às crianças que receberam o placebo. Extrato de Cannabis não interferiu na qualidade do sono das crianças.
Outro resultado importante neste estudo foi o aumento do número de refeições por dia das crianças que receberam o extrato de Cannabis rico em CBD em comparação com as crianças que receberam o placebo. Esse resultado pode estar relacionado à diminuição dos níveis de ansiedade dessas crianças observada após a administração do extrato.
Portanto, observa-se que o extrato de Cannabis rico em CBD é eficaz e pode ser usado com segurança, pelo menos em curto prazo, no alívio de alguns sintomas importantes relacionados ao TEA em crianças, como interação social, agitação psicomotora e ansiedade.
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