Redatora técnica do PL399/2015, a farmacêutica Margarete Akemi Kishi acompanha o mercado de Cannabis medicinal desde 2016. Uma empresa que já fazia importação de produtos à base da planta a procurou para que ela desse um parecer técnico sobre os produtos. Ela se surpreendeu ao saber que a empresa não tinha um farmacêutico responsável e decidiu se aprofundar no assunto. “Não é porque é uma planta que não tem problema”, alerta.
Kishi foi ao Conselho Federal de Farmácia, do qual é membro há 26 anos, na época fazendo parte do conselho de fitoterapia. Como não havia nenhuma ação direcionada à Cannabis, foi convidada a começar, aproveitando sua especialidade. Lá, montou dois eventos abertos sobre Cannabis, inclusive com a participação de Elisaldo Carlini e de representantes da Anvisa.
Na Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde dá aulas de Homeopatia, Tecnologia de Fitoterápicos, Biossegurança e Farmacologia Clínica de Fitoterápicos, realizou outros dois eventos. E ainda coordena um grupo de trabalho sobre Cannabis com pesquisa, ensino e regulamentação. “Alguém tinha que cuidar desse negócio”, ela comenta.
Por conta da especialização em homeopatia na Universidade de São Paulo (USP), a paulistana já conhecia a Cannabis. Kishi conta que a planta é usada na homeopatia desde a criação da especialidade em 1800. Na fitoterapia, outra especialidade dela, a Cannabis também era usada na forma de chás com função cicatrizante. Tanto uma quanto a outra tiveram que retirar a planta de suas práticas depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) incluíram a Cannabis na lista de entorpecentes.
Ação e aplicação da Cannabis
Kishi explica o funcionamento da Cannabis no corpo humano pela homeostase ou equilíbrio das funções do organismo. O sistema endocanabinoide, com substâncias endógenas como a anandamida, o 2AG entre outras, tem a missão de manter esse balanço saudável. Quando o corpo adoece ou envelhece, naturalmente, esse equilíbrio sofre mudanças negativas. É o mesmo que acontece em doenças crônicas. É a partir daí que Kishi recomenda a complementação de canabinoides.
Para ela, que baseia sua prática em pesquisas científicas, a Cannabis segue com o protocolo de última escolha, não devendo ser usado como preventivo. “Há outras formas para prevenção, a Cannabis não é panaceia”. Ela lembra da moda da planta medicinal confrei nos anos 70, que começou a ser consumido de forma desenfreada, o que gerou intoxicações e sequelas drásticas porque pode ser tóxico ao fígado.
Seguindo a literatura científica à risca, Kishi indica a Cannabis medicinal de acordo com a comprovação da eficácia:
- Totalmente comprovados: convulsões intratáveis como as presentes em epilepsia, Síndrome de Lennox-Gastaut e Dravet, espasticidade causada por esclerose, náuseas e vômitos decorrentes de quimioterapia, dor crônica em adultos.
- Comprovação moderada: fibromialgia;
- Poucos estudos clínicos: Parkinson, Síndrome de Tourette, demência, esquizofrenia.
Importância do farmacêutico
Kishi considera o papel do farmacêutico fundamental quando o assunto é Cannabis. Segundo a RDC 327 da Anvisa, a dispensação do medicamento só pode ser feita por profissionais farmacêuticos. Como parte dos Conselhos Federal e Regional (de São Paulo) de Farmácia, Kishi publicou uma resolução para pautar a atuação do farmacêutico: orientar, verificar a interação medicamentosa, possíveis efeitos colaterais. Um exemplo é a Cannabis via inalatória, que pode trazer tontura, sonolência, fadiga, náuseas e até alucinações.
Segundo ela, as interações medicamentosas precisam ser explicadas pelo farmacêutico e entendidas pelo paciente. A Cannabis pode interagir com alimentos e produtos consumidos e gerar uma reação inadequada. Ela admite que tudo é novo quando se fala de Cannabis. Por atuar no sistema nervoso, ela pode reduzir ou aumentar o efeito de medicamentos, e alguns alimentos podem reduzir ou aumentar o efeito da Cannabis.
Quando o paciente chega na farmácia com a receita – notificação B para menos de 0,2% de THC ou notificação A para mais de 0,3% de THC, o farmacêutico vende, orienta, explica cuidados ao tomar e as reações adversas que o paciente pode esperar.
O pulo do gato
Especificamente sobre posologia, ela afirma que “é o pulo do gato do médico”, porque precisa ser equalizada e individualizada no caso da Cannabis. É uma forma nova e específica que demanda muito entendimento. “Nisso o farmacêutico pode ajudar muito”, ela diz. O profissional entende as interações, as especificidades do paciente, os efeitos das substâncias presentes nos medicamentos.
O ideal, segundo ela, era que a formação fosse de Farmacêutico Clínico, que tem conhecimento de qualquer outro medicamento e com isso pode acompanhar com mais assertividade o andamento do paciente. Segundo Kishi, o Farmacêutico Clínico é o suporte ideal ao médico prescritor.
Informação e pesquisa
Kishi é bastante participativa na comunidade de Cannabis, tanto como representante dos Conselhos de Farmácia quanto no Mackenzie. Mantém contato com empresas da área, algumas associações, legisladores e pesquisa. Em fevereiro, ela ministrará um curso de extensão de 20 horas em Cannabis. Planeja o site do Conselho Federal de Farmácia para falar com farmacêuticos e imprensa, com informações sobre o mercado de Cannabis, para divulgação de pesquisas. “O que mais precisamos hoje é de pesquisa”, ela diz, animada com as que ela mesma desenha e pretende começar em breve: uma de atendimento clínico ao paciente, outra sobre fibromialgia, artrite e artrose com tratamentos tópicos com atuação anti-inflamatória.
Kishi acredita que o Medical Cannabis Summit é um evento muito importante por trazer informação de qualidade. “A Cannabis é o fashion week da indústria farmacêutica e tem muita gente falando bobagem”. Ela assistiu à primeira edição e está feliz por poder participar da segunda.