A Clever Leaves é hoje uma das gigantes globais na produção de Cannabis medicinal. Com ações negociadas na Nasdaq, a empresa tem mais de US$ 50 milhões investidos na estrutura de cultivo na Colômbia, além de operações em Portugal, Alemanha e Canadá. Recentemente a companhia fechou a venda de insumos para quatro farmacêuticas brasileiras voltadas ao setor: Entourage Phytolab, GreenCare e VerdeMed, negócios que somados passam dos US$ 15 milhões.
Na semana passada, a empresa movimentou o setor ao anunciar a doação de 5 toneladas de Cannabis medicinal para pesquisas nos EUA. O fornecimento será destinado a entidades médicas e instituições de pesquisa.
Apesar dessa intensa expansão, a Clever Leaves não tem planos de cultivar Cannabis no Brasil, mesmo com a eventual legalização. Para o CEO da empresa, a hora de plantar já passou. Ou seja: o Brasil definitivamente deixou passar essa oportunidade.
“Levamos 5 anos para construir a infraestrutura da Colômbia, certificá-la com habilitações farmacêuticas, desenvolver os produtos. Não acho que seria bom, nem para o Brasil, nem para a Clever Leaves, começarmos aí do zero”, revelou Kyle Detwiler em entrevista exclusiva ao portal Cannabis & Saúde.
A empresa emprega hoje 400 funcionários na Colômbia, metade desse time formado por mães solteiras ou chefes de família, através de um programa social de reparação da guerra às drogas.
O executivo recomendou às empresas brasileiras focarem na transformação da biomassa em produtos acabados, mas principalmente em pesquisas e estudos clínicos:
“De uma perspectiva industrial, quantos países precisam ser mestres no cultivo? Acho que já existe capacidade de cultivo suficiente. O que precisamos é de mais médicos por aí prescrevendo. Precisamos de mais pesquisas e estudos clínicos tentando determinar exatamente que tipo de terapias podem ser melhores com canabinoides”.
Kyle Detwiler também afirmou que o fato de o Brasil ser um país bastante conservador quando o assunto é Cannabis não irá impedir o desenvolvimento da medicina canabinoide. Disse ele mesmo ser uma pessoa conservadora, considerou que o Brasil está no caminho certo e comparou nosso caso com o do Texas:
“Um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos é o Texas. O Texas agora também tem um programa legal de maconha medicinal”.
Leia a entrevista completa abaixo
Você vem de uma longa carreira no mercado financeiro. Como e por que decidiu entrar nos negócios da Cannabis?
Passei a maior parte da minha carreira na KKR e na Blackstone Group, organizações de investimentos muito grandes, e passei grande parte do meu tempo focado em dois setores. O primeiro foi na saúde, com foco em farmacêutica. Passei muito tempo procurando farmacêuticas genéricas que estavam tentando reduzir custos para melhorar os resultados dos pacientes. E passei a outra metade do meu tempo trabalhando em investimentos em recursos naturais, que acabaram sendo mais focados na agricultura na América do Sul.
Na verdade, foi como se estivéssemos olhando para a indústria de cana-de-açúcar brasileira pela primeira vez. E foi daí que veio uma das ideias para a Clever Leaves. Quando olhamos para as décadas de 1970 e 1980, havia várias empresas farmacêuticas que começaram no sudeste da Ásia e que estavam fornecendo os mesmos tipos de produtos farmacêuticos nos Estados Unidos e na Europa, mas a partir da Índia.
Estamos em lugares de alto custo, como Canadá e Estados Unidos. E nós pensamos: ‘espera um minuto. Isso não faz sentido. Devíamos plantar perto da Linha do Equador. Onde é legal plantar nesta região?’.
A produção já não era mais ilegal em todos os países. E a Colômbia foi a principal oportunidade a que nos agarramos. O resto é história!
Já existem outros países que permitem o plantio de Cannabis para fins medicinais aqui na América do Sul. Eu listo Uruguai, Chile, Argentina. Então por que vocês escolheram a Colômbia?
Houve alguns motivos. Há cerca de 5 anos, era ilegal em todas essas geografias, mas mesmo que fosse legal, as regulamentações estavam apenas começando. E a Colômbia sempre fez mais sentido para nós porque está localizada na linha do Equador.
Uma das coisas que a Cannabis gosta é um ciclo de 12h de sol e 12h de escuridão. E Uruguai, Argentina ou Chile não seria o nosso caso. A Colômbia também se beneficiou de uma indústria muito forte na produção de flores, a partir da indústria de rosas.
Portanto, poderíamos aproveitar muitas dessas técnicas e capacidades já existentes lá. Mesmo quando se trata de encontrar alguém que saiba como construir estufas, se esse profissional não estiver ali, pode ser muito difícil trazê-lo para novos territórios.
Essas foram algumas razões. Mas o mais importante mesmo foi a regulamentação colombiana. Eles criaram um programa muito explícito para o que queríamos fazer.
Quanto foi o investimento na Colômbia e quantos trabalhadores vocês possuem nesse país?
Temos quase 500 funcionários, e cerca de 400 deles estão hoje na Colômbia. É uma quantidade significativa da nossa força de trabalho. Temos muito orgulho dessa equipe. Quase metade dos nossos funcionários na Colômbia são mulheres, e mais da metade delas são chefes de família ou mães solteiras. Isso é uma importante iniciativa social que temos perseguido.
Vimos essa ideia ser empregada por algumas outras empresas na Colômbia. A Creppes & Waffles é um bom exemplo de empresa que realmente levou essa missão a sério.
O lema da nossa empresa é cultivar o mojo, criar valores e mudar vidas. E tudo o que fazemos deve tentar fazer uma dessas três coisas. Acho que, considerando um pouco da história da Colômbia, descobrimos que essa é uma causa muito particular que consideramos importante. E dado o sucesso de outras empresas, parecia uma coisa muito boa a se fazer.
Já sobre o nosso investimento total está na ordem de US$ 50 milhões se incluir aí o que já construímos de infraestrutura. São edifícios, estufas, equipamentos de laboratório, o custo pessoal, equipe treinando, esse tipo de coisa.
É uma ótima iniciativa. Agora falando sobre o Brasil. Vocês fecharam grandes negócios com empresas brasileiras, como Entourage Phytolab, VerdeMed e Green Care. Como foram essas negociações?
O mercado brasileiro vai ter três fases de regulamentação. Hoje, vivemos no que vocês chamam de uso compassivo, que vai passar rapidamente para o que prevê a RDC 327 (de produção local e venda em farmácias), que é basicamente como um verdadeiro mercado farmacêutico, mas ainda sem ensaios clínicos para sustentar.
E então, depois que passar esse processo, provavelmente em cerca de 5 anos, ele se moverá para um mercado farmacêutico completo. Nós encontramos muitos players que estavam atrás do mercado de uso compassivo, mas encontramos muito poucos equipados para lidar com a evolução do que chamamos de um mercado de RDC 327.
Essas empresas têm experiência com produtos farmacêuticos. Todos esses executivos vieram da indústria farmacêutica brasileira. Então eles parecem grandes parceiros e estão de acordo com as pessoas que já estamos trabalhando.
Acho que essas empresas certamente tiveram uma vantagem do pioneirismo em termos de identificar a oportunidade rapidamente. Portanto, estamos entusiasmados em trabalhar com essas empresas.
Qual o tamanho do negócio?
Para Green Care e Entourage, anunciamos um valor de contrato. Acredito que totalizam cerca de 15 milhões de dólares em um período de vários anos. Não compartilhamos publicamente o tamanho do contrato com a VerdeMed. E embora tenhamos contratos bastante substanciais, tanto a Clever Leaves quanto os parceiros reconhecem que quando você assina um contrato na indústria farmacêutica, você está fazendo estimativas muito conservadoras sobre o uso que o paciente fará, qual será a demanda.
Mas para direcionar nossa produção e fazer os produtos para essas empresas, precisamos de uma compreensão mínima de quais são esses valores. Construímos esses contratos com um valor mínimo para eles, apenas para garantir que poderíamos dedicar tantos recursos quanto necessários para fazer essas parcerias de sucesso.
Aqui no Brasil, o Congresso está prestes a votar um projeto de lei que legaliza o cultivo de maconha para fins medicinais e industriais. Sendo aprovado, a Clever Leaves irá plantar aqui também?
Estamos sempre em busca de novos mercados. Do ponto de vista industrial básico, não tenho certeza se realmente precisaríamos construir uma nova instalação no Brasil. A Clever Leaves iniciou seu projeto na Colômbia em 2016. Levamos 5 anos para construir essa infraestrutura, certificá-la com habilitações farmacêuticas, desenvolver os produtos.
Não acho que seria bom, nem para o Brasil, nem para o Clever Leaves começarmos aí do zero. Seria só para podermos dizer: “ei, também temos uma instalação no Brasil”.
De uma perspectiva industrial, quantos países precisam ser mestres no cultivo? Acho que já existe capacidade de cultivo suficiente. Espero que as diferentes empresas no Brasil foquem agora em transformar um produto bruto em produto acabado. Não precisamos de mais produção. O que precisamos é de mais médicos por aí com prescrições. Precisamos de mais pesquisas e estudos clínicos tentando determinar exatamente que tipo de terapias podem ser melhores com canabinoides.
Essa é minha recomendação. Mas é claro que, à medida que as regras mudam, todos os players inteligentes avaliam esses tipos de oportunidades.
Temos uma sociedade muito conservadora no Brasil. Você acha que esse comportamento pode ser negativo para a Cannabis medicinal se desenvolver por aqui?
Bom… Acredito que eu seja uma pessoa muito conservadora quando se trata de política, de política social. Mas acredito na Cannabis. Levei até meus 30 e poucos anos para reconhecer que tinha a visão errada. Tenho que admitir que estava errado sobre a Cannabis e tive que me educar e ver os benefícios com meus próprios olhos com pacientes amigos e familiares. Foi só então que eu passei a acreditar na Cannabis. Então eu acho que o ceticismo é bom, certo?
Não queremos que a indústria da Cannabis seja vista como venda de óleo de serpente. Essa expressão talvez só faça sentido em inglês, mas não queremos que seja uma indústria construída sobre falsas esperanças.
Então, acho que o conservadorismo pode ser bom. A Cannabis está mudando globalmente indiferente da visão brasileira em relação à Cannabis ser conservadora. Isso não vai parar. Um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos é o Texas. O Texas agora tem um programa legal de maconha medicinal nos Estados Unidos.
Então, acho que é apenas uma questão de tempo, mas não acho que a sociedade deva ser apressada. Este é um tópico social muito relevante. Os governos têm muitas coisas que precisam considerar ao legalizar a Cannabis. Então, acho que o Brasil está no caminho certo.
Eu ficaria um pouco mais feliz pela perspectiva da Clever Leaves se o Brasil se movesse um pouco mais rápido. Mas certamente não quero que me mover rápido demais, algo dar errado e termos que voltar atrás. Quero ter certeza de que a indústria pode marchar de forma constante.
Começar devagar e seguir devagar!
Sim, exatamente.
Para encerrar, a Clever Leaves tem interesse em investir na maconha para uso adulto ou cânhamo industrial?
Hoje fazemos estritamente produtos para fins medicinais. As leis da Colômbia exigem que esse produto seja utilizado apenas para objetivos médicos. O mesmo acontece com a licença para produzir flores secas em Portugal, também é estritamente para uso médico. Portanto, à medida que as leis mudarem, podemos revisitar isso, mas agora somos uma empresa puramente médica.