O Conselho Federal de Medicina em outubro de 2022 publicou a resolução 2.324 restringindo a prescrição do Canabidiol purificado (CBD) a somente três tipos de epilepsia, deixando de fora milhares de pacientes que padecem de outras doenças e que precisam não somente de CBD, mas também do Tetra-hidrocanabinol (THC) e outros fitocanabinoides que vêm sendo estudados, como o Canabigerol, o Canabinol etc.
O levante popular incluiu médicos revoltados e pacientes desesperados que inundaram as redes com depoimentos em vídeos salientando a importância do tratamento com produtos derivados de Cannabis para uma parcela da população brasileira. Tamanho foi o alvoroço que o CFM se viu obrigado a suspender temporariamente a resolução.
Por outro lado, os CRMs regionais vêm abrindo sindicâncias e processos contra médicos que prescrevem esses produtos alegando as mais variadas infrações éticas: divulgação de tratamento médico sem comprovação científica (o que não é verdade, pois já há vasta literatura e experiência clínica acumulada em diversas patologias), sensacionalismo (se os pacientes melhoram, ou se saem artigos científicos sobre o assunto e se divulga isso nas redes, não é sensacionalismo, é fato), entre outras.
No geral, as infrações perpassam a publicidade médica. O médico, quando anuncia especialidade médica, deve comprovar o fato colocando o número de RQE. O código de ética médica (CEM) deixa claro que isso deve ser feito na publicação de anúncios, ou seja, quando o médico está fazendo publicidade. Os CRMs estão ampliando esse entendimento e considerando que em entrevistas dadas a jornais e revistas leigas deveriam constar os números de CRM e RQE dos médicos entrevistados. Pequeno detalhe: nenhuma revista ou jornal publica esses números, pois foge do padrão editorial.
Ou seja, somente há duas soluções possíveis:
- os médicos se absterem de dar entrevistas, privando a população de informação ou
- os CRMs mudarem a política processual contra os médicos.
O tratamento com Cannabis é uma novidade e há muitas empresas no mercado competindo por um punhado de prescritores, de forma que é fácil resvalar em infrações no afã de se destacar no meio e garantir clientela. Os médicos devem ter cuidado e respeitar o CEM, e na dúvida, consultar os seus respectivos CRMs. Mas o que estamos vendo na prática é que médicos éticos, experientes, sérios estão sendo processados com base em pretensas infrações que muitas vezes apenas se justificam pela extensa criatividade dos delegados.
Agora chego finalmente ao tema do título desta coluna.
Um apelo aos médicos para que estudem as chapas, conversem com colegas e escolham aquelas que defendem transparência nos processos médicos, que não sejam opositores ideológicos ao tratamento com produtos derivados de Cannabis, que respeitem o CEM tal qual como está escrito, que compreendam que a medicina não é estanque, que evolui e que há mais de um modelo cientifico que pauta as pesquisas.
E acima de isso tudo, que o uso compassivo e, para muitas doenças raras inclusive, prescinde do arcabouço teórico necessário quando se instituem políticas de saúde pública.
É importante que a sociedade médica entenda que não se trata de uma questão ideológica, trata-se da complementação da ciência tradicional com a ciência translacional, que possibilita que pacientes que esgotaram os recursos terapêuticos, tenham ainda um pouco de esperança com base em estudos ainda de bancada ou pouco testados em humanos, mas que são seguros e amparados em bases fisiopatológicas.
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A Dra. Ana Gabriela Hounie (CRM: 94382 e RQE: 17704) é uma médica brasileira precursora no tratamento com canabinoides no país. Como colunista do portal Cannabis & Saúde, a Dra. Ana contou sua trajetória na medicina canabinoide e a importância de saber diferenças sobre os óleos de CBD artesanais ou importados. Já nesta outra entrevista, a Dra. Ana destacou como nunca teve preconceito em relação aos tratamentos com Cannabis: “Minha abordagem é científica, não ideológica”.