Na mídia, é comum encontrar matérias jornalísticas pouco embasadas cientificamente e fortemente influenciadas pela busca de audiência. Nesse raciocínio, encontramos frequentemente o termo “maconha sintética” relacionado com os canabinóides sintéticos (também chamados de “drogas K”, K9, K2, K4). Entretanto, tais canabinóides sintéticos são apenas uma subclasse de canabinóides.
Dentro de um panorama amplo, os canabinóides são uma grande classe de compostos químicos que agem nos receptores endocanabinóides humanos (denominados CB1 e CB2). Dessa forma, os canabinóides podem ser subdivididos em endocanabinóides, fitocanabinóides e canabinóides sintéticos.
Os primeiros, os endocanabinóides, são compostos químicos produzidos pelo corpo humano, incluindo o 2-araquidonilglicerol (conhecido como 2-AG), o N-araquidonoiletanolamina (conhecido como anandamida ou AEA) e outros (NADA, OAE, LPI, etc).
Os segundos, os fitocanabinóides, são compostos químicos produzidos pela planta Cannabis sativa (também conhecida como maconha), sendo os fitocanabinóides mais notáveis o delta-9-tetrahidrocanabinol (conhecido como THC ou Δ9-THC) e o canabidiol (conhecido como CBD). Porém, pelo menos 113 fitocanabinóides distintos foram isolados da planta (CBG, CBN, CBC, CBV, etc).
Por último, os canabinóides sintéticos, que são compostos químicos sintetizados em laboratório (são mais de 200 tipos) e a cada ano novos tipos são desenvolvidos (são pesquisados e descobertos cerca de 40 a 50 novos tipos por ano). Os canabinóides sintéticos são mais conhecidos atualmente por K9, K2, K4 ou spice, e estão sendo erroneamente relacionados com a maconha pela imprensa não especializada e faminta de audiência.
Apesar das diferenças gritantes na ação fisiológica, farmacológica e na estrutura química das três subclasses de canabinóides, não devemos confundir as drogas K com os fitocanabinóides nem com os endocanabinóides, incorretamente equiparando-os
É de se supor motivos menos escrupulosos que embasam tão flagrante erro. Talvez um interesse velado na perpetuação e agravamento da “guerra às drogas”, resultando no aprofundamento do racismo estrutural, a superlotação do sistema prisional e a marginalização de pessoas, especialmente negros, indígenas e quilombolas?
Partindo do pressuposto de que não é nesse sentido que a sociedade deve ser guiada, torna-se imperativo esclarecer essas diferenças e iluminar o debate público. É, portanto, um dever de toda pessoa possuidora de conhecimento científico criticar a atual política de drogas, apoiar medidas de redução de danos e políticas alternativas à “guerra às drogas”, como a educação, a prevenção e o tratamento, que são abordagens comprovadamente mais eficazes para lidar com questões relacionadas ao abuso de drogas sintéticas, incluindo as “drogas K” e outras que podem ser desenvolvidas.
Apesar de alguns outros fatos unirem as três subclasses de endocanabinóides (para além do simples fato de possuírem ação sobre o sistema endocanabinóide), na próxima coluna trarei mais esclarecimentos do porquê ser errado relacionar as drogas K com a maconha.
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